REVISTA FACTO
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Jan-Abr 2021 • ANO XV • ISSN 2623-1177
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Sem compromissos com o atraso
//Artigo

Sem compromissos com o atraso

No Brasil, há quem entenda que vinte anos de tutela não sejam suficientes para prestigiar os inventores e investidores de uma criação de natureza utilitária na seara da engenhosidade industrial. Como membro fundador de Tratados e Contratos como a Convenção União de Paris (no século XIX) e do Acordo ADPIC/TRIPs (no século XX), o País sempre cuidou de prestigiar os direitos da propriedade industrial em um patamar além do exigido internacionalmente. Em outras palavras, o Brasil sempre propiciou aos atores protagonistas dos direitos intelectuais um ambiente – quiçá paternalista – de segurança jurídica e de estímulos jurídico-econômicos favoráveis.

Entretanto, o cenário atual é pouco afeito a qualquer espécie de exageros. Toda vez que se adiciona um dia de exclusividade ao final do prazo regular em favor do titular de um direito, por outro lado, resulta que a concorrência, o Estado, os consumidores e o meio ambiente serão atingidos e suas liberdades afetadas. O contexto denota que a desestrutura estatal nos serviços públicos estratégicos como aqueles prestados pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) acaba gerando danos àqueles que em nada contribuíram para a mora administrativa. Ou seja, se algum ator contribuiu para a ineficiência do desfecho do processo administrativo, o dispositivo de que trata o parágrafo único do art. 40 da Lei 9.279/96 acaba terceirizando responsabilidades.

Pelo art. 37, §6º, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), quando o Estado, seja por atos omissivos ou comissivos, gera um dano injusto a outrem, é a própria pessoa jurídica de direito público que deve ser instada a compensar tal lesão à esfera jurídica da vítima. Logo, uma das maiores distorções da regra da Lei de Propriedade Industrial trata da possibilidade de terceiros inocentes serem punidos por um ilícito que não praticaram, e com o qual em nada corroboraram.

A patente de invenção é um dos resultados possíveis, verdadeiro produto de um processo administrativo complexo, detalhista e cuja mera existência faz surtir efeitos de estímulo para o depositante e de dissuasão para não-proprietários. Fato é que muitos pedidos de patente acabam por serem indeferidos após um longo hiato temporal. Tempo em que a concorrência, ciente de tal trâmite, pode optar por esperar por um desfecho antes de decidir, na esfera empresarial, se se aventura por tal arquitetura tecnológica. Ou seja, mesmo pedidos de patente que acabam rechaçados podem gerar exclusividades de fato em favor do depositante, consistindo em uma poderosa “arma competitiva” como situação jurídica de legítima expectativa de direito. Trata-se de hipótese em que, mesmo sem ter razão na pretensão de excluir terceiros, o titular do pedido gozou de uma situação favorável em termos mercantis.

Em outras circunstâncias, um pedido de patente que venha a ser deferido, mas cuja álea fora ignorada por terceiros contrafatores, engendrará três tipos de direito a seu titular: (a) um pedido de sanção criminal ao violador (arts. 183-186 da LPI); (b) um pedido de compensação civil por danos retroativos e prospectivos (art. 44 da LPI – obrigação de dar/recompor); e (c) um pedido de cessação/inibição da conduta (obrigação de não fazer – art. 42 da LPI). Noutras palavras, quem não aguarda o final do processo administrativo pode sofrer sanções graves e extensas por tal atitude imprudente.

Obtendo a patente ou o indeferimento, na maioria das vezes, os atos de contrafação não passam de uma excepcional ocorrência. Tomando-se como premissa que o ideal é que o poder excludente da patente jamais necessite ser usado, o foco do sistema é a conduta de abstinência de terceiros. Se terceiros não se imiscuem nos interesses econômicos do titular, não é o direito de exclusividade o que fará diferença no patrimônio do depositante, mas sim a fruição monopolista em um determinado mercado.

Neste sentido, os dados estatísticos do INPI revelam que cerca de 80% dos pedidos de patentes são depositados por estrangeiros, e que, em alguns setores tecnológicos, quase todas as patentes concedidas encaram um hiato temporal superior a vinte anos entre o depósito e o domínio público. Tal importa em afirmar que os maiores beneficiados pela alteração no termo final de exclusividade tendem a ser os não residentes. Aqui se encontra uma segunda grave violação a preceito constitucional vigente, pois o art. 5º XXIX da CRFB instrumentaliza a qualidade protetiva dos direitos intelectuais tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

Sendo o Brasil um país em que mais se consome tecnologia alienígena do que aquela produzida em seu próprio território, não se concebe como compatível com os interesses do País: (i) a hipertrofia das inexigibilidades licitatórias (art. 25, I da Lei 8.666/93), (ii) a majoração do tempo para que se efetuem remessas de royalties via Banco Central (Portaria MF 436/1958) com dedutibilidade fiscal ao exterior, ou (iii) mesmo a circunscrição ao consumidor e à concorrência de opções tecnológicas que estão disponíveis no restante do mundo a preço de livre mercado.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade 5529 deve ser vista como vetor pertinente para extirpar-se uma cláusula de atraso à celeridade exigida no século XXI. Eventual acolhida dos pedidos da Procuradoria Geral da República resultará em igual segurança jurídica e incentivos econômicos aos investimentos de todos aqueles impactados pela constituição de um direito de propriedade industrial.

Além das conhecidas chagas ao sistema da Saúde Pública, qualquer atraso ao domínio público traduz severos efeitos para quem acessa a cesta básica de alimentos, já que os defensivos agrícolas representam custo fixo relevante em tal mister. Tampouco é possível minimizar as consequências, também no segmento agrário, que dilatações ao termo do domínio público geram ao meio ambiente quando as tecnologias tratam de minimizar fitotoxicidade com modos menos agressivos no tratamento de fungos ou insetos no que diz respeito a efeitos colaterais para o lençol freático etc.

A combinação de (a) uma proteção além daquela exigida pela Organização Mundial do Comércio com (b) uma interpretação de exaustão nacional dos direitos significa que o Brasil oferece aos adquirentes produtos mais caros por mais tempo e com teores tecnológicos menos avançados do que outros disponíveis alhures. Não devemos seguir comprometidos com o atraso desenvolvimentista, pois assim não o é permitido por qualquer razoável interpretação da Constituição Republicana.

Pedro Marcos Nunes Barbosa
Pedro Marcos Nunes Barbosa
Sócio de Denis Borges Barbosa Advogados ([email protected]). Professor do Departamento de Direito da PUC-Rio. Doutor em Direito (USP), Mestre em Direito (UERJ) e Especialista em Propriedade Intelectual (PUC-Rio)
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