REVISTA FACTO
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Jan-Fev 2019 • ANO XIII • ISSN 2623-1177
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A OCDE NÃO VALE ESSE PREÇO
//Artigo

A OCDE NÃO VALE ESSE PREÇO

Os benefícios genéricos e eventuais do ingresso do Brasil na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris, não compensam os prejuízos imediatos e concretos que teríamos ao perder o Tratamento Especial de país em desenvolvimento na Organização Mundial de Comércio (OMC) e nos organismos econômicos. Praticamente todas as medidas de política industrial ou de defesa comercial de que o Brasil lança mão para consolidar a indústria nacional perderiam a base jurídica se aceitássemos a exigência de abandonar o estatuto de economia em desenvolvimento.

Não se trata de algo abstrato ou de menor valor. É graças ao Tratamento Especial que pudemos limitar as concessões tarifárias em manufaturas durante as negociações, aplicando porcentagens menores que as economias avançadas. A ele se deve também o direito a prazos mais demorados para preparar nossos setores frágeis para adotarem regulamentações de alto custo, como em patentes e propriedade intelectual. Quase a totalidade de nossos acordos regionais com países em desenvolvimento, como o Mercosul e demais países latino-americanos, amparam-se na chamada “clausula de habilitação”, derivada do mesmo princípio. Sem o estatuto, não será possível justificar o regime automotivo com a Argentina, nem utilizar as normas aprovadas pela OMC para flexibilizar patentes de remédios em casos de emergência sanitária, nem se beneficiar do Sistema Generalizado de Preferências, as barreiras menores para importações de países em desenvolvimento.

As vantagens são tantas e tão óbvias que é difícil entender a facilidade com que os EUA arrancaram a anuência de despreparados negociadores brasileiros durante a visita do presidente Jair Bolsonaro a Washington. Nenhum dos países em desenvolvimento que ingressou na OCDE – México, Chile, Coreia do Sul – teve de renunciar ao tratamento especial. Trata-se de exigência nova, não da OCDE, mas do governo Trump, que visa acima de tudo a China e a Índia. Esses dois gigantes, porém, apesar de estarem crescendo a taxas muito mais altas que o Brasil, já repudiaram a aceitação brasileira e deixaram claro que não farão nenhuma concessão nesse ponto. Ficaremos assim como o único caso de nação que aceitou ser discriminada entre todas as economias em estágio comparável ao nosso.

“Não se trata de algo abstrato ou de menor valor. É graças ao Tratamento Especial que pudemos limitar as concessões tarifárias em manufaturas durante as negociações, aplicando porcentagens menores que as economias avançadas”

E nem com isso garantiremos nossa entrada, pois os EUA são apenas um dos países desenvolvidos que teriam de aprovar o pedido de adesão. O processo é longo, dura em média três anos, como no caso chileno, ou mais. Qualquer outro membro pode vetar ou prolongar indefinidamente o processo de adesão. A França, por exemplo, que tem sido objeto de críticas gratuitas de Bolsonaro e do ministro (das Relações Exteriores Ernesto) Araújo, já manifestou sua desaprovação a qualquer governo contrário ao Acordo de Clima de Paris. Aliás, em matéria de meio ambiente, são tantos os atentados do governo Bolsonaro que o País enfrentaria os maiores obstáculos apenas nesse capítulo, fundamental para a OCDE.

O Brasil já participa de 23 comitês da Organização, os mais relevantes para nós. A adesão plena não modifica substancialmente as vantagens que já temos de acompanhar as discussões. Os partidários da entrada a qualquer preço tentam vender uma versão exagerada das vantagens do ingresso. Dizem, por exemplo, que a OCDE é uma espécie de selo de garantia de boas políticas econômicas e públicas. Ora, a Grécia, até data recente exemplo acabado de país falido, é membro antigo da Organização. Da mesma forma que a Turquia, em pleno intervencionismo cambial. Ou a Itália, com dívida pública estratosférica.

O México ingressou na OCDE há mais de uma década. Nem por isso foi capaz de atrair mais investimentos que o Brasil, muito pelo contrário. Não logrou ter crescimento maior que o nosso, nem resolveu suas mazelas de país subdesenvolvido, inclusive no campo da criminalidade e da violação maciça de direitos humanos.

Ao contrário da OMC e das entidades da Organização das Nações Unidas (ONU), abertas a todos, a OCDE é um clube fechado, restrito às economias ricas, que já atingiram grau de desenvolvimento econômico e institucional muito mais elevado que o do Brasil. Não é à toa que essas nações tenham mentalidade parecida, defendam posições similares: é que o estágio maduro de suas economias lhes permite adotar atitudes que rejeitavam no passado, quando se encontravam em nível semelhante ao nosso.

Muitos dos membros da OCDE não reconheciam patentes de remédios até os anos 1960 ou 70 (Japão, Suíça, Itália), quando passaram a ter indústrias farmacêuticas fortes. Da mesma forma, inúmeros desses países foram entusiastas praticantes da promoção de indústrias nascentes por meio de subsídios até que esses setores se tornaram capazes de dispensar a proteção.

“Ao contrário da OMC e das entidades da ONU, abertas a todos, a OCDE é um clube fechado, restrito às economias ricas, que já atingiram grau de desenvolvimento econômico e institucional muito mais elevado que o do Brasil”

É por isso que se exige do candidato à adesão modificar suas leis e políticas a fim de adaptá-las a cada um dos comitês da OCDE. Em 2007, mais de dez anos atrás, a Organização indicou ao Brasil 207 normas a serem examinadas. Dessas, somente a metade foi avaliada e constatou-se que haveria grande dificuldade em adotar as mudanças nas áreas de liberalização de capitais, setores de meio ambiente, aspectos fiscais e regulamentação da internet.

Países como o Chile e a Coreia do Sul só aderiram depois de décadas de consolidação de políticas liberais, o que não é o caso do Brasil. Em Washington, quando se indagou ao ministro Ernesto Araújo quais seriam as consequências práticas da capitulação brasileira na negociação com os americanos, ele deu uma resposta espantosa: “A partir de agora é que vamos avaliar quais serão as implicações. ”Isto é, o Brasil fecha o negócio, aceita o preço e só então vai examinar se tem o dinheiro para pagar! Nesse episódio, sim, se aplicaria o bordão do antigo governo: “nunca antes na história deste País!”

Em outras palavras, o sensato seria primeiro avaliar bem os obstáculos, verificar se temos condições de articulação política para aprovar essas mudanças no Congresso e no Judiciário, consultar cada um dos setores a serem afetados e apenas então negociar. Ainda não é tarde demais para fazer agora o dever de casa que fomos incapazes de completar antes da visita presidencial aos EUA.

Rubens Ricupero
Rubens Ricupero
Jurista e ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente.
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