REVISTA FACTO
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Jul-Ago 2018 • ANO XII • ISSN 2623-1177
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//Artigo

Planejamento estratégico de longo prazo

A descontinuidade em políticas públicas é o fato mais marcante nas sucessivas administrações que têm gerido o Brasil. A cada mandato eleitoral, os novos mandatários fazem questão de formular novas medidas administrativas abandonando aquilo que foi iniciado no período anterior, por mais relevantes que tenham sido seus resultados. E, o que é pior, em vez de serem elaboradas novas políticas públicas a serem cumpridas ao longo do novo mandato, preferem “negociar” a aprovação de emendas parlamentares em conluio com congressistas. Tudo é feito sob a ótica de interesses paroquiais ou pessoais do parlamentar. Evidentemente existe também uma contrapartida do interesse do poder Executivo, embora não dentro de um planejamento global de longo prazo, e sim, caso a caso, para atender demandas de ministérios ou de “amigos da corte”.

“Planejamento de longo prazo não lida com decisões futuras, mas com um futuro de decisões presentes”

Peter Drucker

Talvez a história brasileira tenha contribuído efetivamente para tais fatos que se vê hoje. A independência do Brasil de Portugal resultou de um entendimento entre pai e filho, D. João VI e Pedro I, que resultou na criação do Império do Brasil em 1822. A proclamação da República Brasileira ocorreu em 1889 porque o sistema monárquico não correspondia mais aos anseios da população, sendo instalada a partir de um golpe militar a República Federativa e Presidencialista do Brasil, que ganhou um governo provisório sob a presidência do Marechal Deodoro da Fonseca.

O primeiro voto popular ocorreu no Brasil em 1894. Campos Salles foi eleito presidente. A partir de 1904, iniciou-se o período político que é conhecido como a “Política do café com leite”. Nessa época, mineiros e paulistas revezaram-se no comando do país até 1930 quando, em decorrência da crise na economia cafeeira, surgiu um movimento revolucionário visando extinguir essa falsa alternância política. Assumiu o poder nacional Getúlio Vargas, ali se mantendo até 1945, quando foi deposto por iniciativa militar.

Com o pós-guerra, surgiu no País uma democracia representativa, que foi interrompida em 1964 pelo regime militar que perdurou até os anos 80. Este foi então derrubado quando se conduzia um processo democratizante que foi concluído em 1988, com a aprovação de nova Constituição Brasileira por uma Assembleia Nacional Constituinte. A partir daí, o poder político vem se mantendo sem interferência da área militar.

Essa breve recapitulação histórica destina-se apenas a destacar um fato relevante: em nenhum momento de nossa história ocorreram movimentos políticos tendo em vista a implantação de um Projeto de Nação, com um acentuado viés industrial e econômico. Pontualmente, pode-se lembrar algumas medidas industrializantes de maior impacto com Vargas, Juscelino Kubitschek e, muito claramente, com Ernesto Geisel, quando foi elaborada uma política industrial a ser mantida no longo prazo.

A Constituição Brasileira de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, para se contrapor ao arbítrio nocivo característico do regime ditatorial, entendeu que os abusos daquele regime resultavam da centralização administrativa verificada no período militar. Partindo desse pressuposto, a nova Constituição exagerou em seu detalhamento e descentralização, constituindo-se assim no grande fator impeditivo da definição de um planejamento econômico de longo prazo.

Em decorrência desse fato, no Brasil de hoje não existe mais um Estado Nacional, com objetivos permanentes e de longo prazo, mas sim um conjunto desarticulado de estados e municípios. A federação passou a ser gerida por meio de negociações políticas pontuais, ao sabor de interesses paroquiais, muitas vezes ilegítimos.

O Congresso Nacional não é formado por partidos políticos reunidos em torno de ideologias ou programas. Nossos partidos constituem agregados de pessoas que se unem em torno de interesses particulares ou regionais. Cada um dos 594 parlamentares, além de constituírem o segundo Parlamento mais caro do mundo – perde apenas para os Estados Unidos –, tem direito a fatiar o orçamento público com “emendas parlamentares” para municípios em troca de votos para o poder Executivo. Já o nosso Ministério do Planejamento e Gestão é apenas um órgão burocrático que acompanha o desempenho das contas públicas, sem nenhuma ação em termos de planejamento nacional.

Diferentemente do Brasil, a independência dos Estados Unidos em relação à Inglaterra ocorreu entre 1783 e 1815. A partir de 1783, o Reino Unido, após muitos anos de lutas em território norte-americano, assumiu a sua derrota face às treze colônias britânicas então existentes nesse território. A verdadeira criação do governo norte americano se lastreou em uma Constituição Federal, na Carta de Direitos (Thomas Jefferson) e no Orçamento Único da União (Alexander Hamilton).

Alexander Hamilton, no exercício de seu cargo como Primeiro Secretário do Tesouro norte-americano (que hoje no Brasil seria visto como um ministro do Planejamento e da Fazenda), implantou um verdadeiro Projeto de Nação, partindo do pressuposto de que nenhum país é soberano sem possuir localmente uma sólida indústria manufatureira. Nesse contexto, vale lembrar a consistente e bem formulada política industrial elaborada por Hamilton no final do século XVIII que definiu princípios e objetivos claros que vieram a nortear o desenvolvimento econômico dos treze estados combalidos na Guerra da Secessão, da qual resultou a criação do gigante Estados Unidos da América. Graças ao planejamento de Hamilton (Relatório sobre as Manufaturas), a partir do século XIX o país veio a se tornar a maior nação capitalista do planeta.

Em termos de gestão administrativa, o Brasil necessita reduzir a carga tributária atribuída às empresas privadas – mais de 35% do PIB, uma das mais altas do mundo, quando nos países desenvolvidos é inferior a 20%. Além disso, mais de uma dezena de tributos regionais e federais, pagos a diferentes agências e com datas de vencimento diversas, bem como os benefícios incidentes sobre a folha salarial, requerem das empresas um controle administrativo muito dispendioso, gerador de elevados custos. Esse fato contribui enormemente para reduzir a competitividade brasileira no mercado internacional.

Nesse cenário, temos que olhar também para a nossa sufocante burocracia estatal. O excessivo número de leis, decretos e regulamentos – extremamente detalhados e, muitas vezes, até mesmo conflitantes – forma um arcabouço legal impeditivo do desenvolvimento de projetos de investimento realmente expressivos e eficazes. Para ilustrar, um simples pedido de licença para abertura de uma empresa, com suas inscrições requeridas nos diversos entes públicos sem nenhuma interação entre eles, como Receita Estadual e Federal, Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), órgãos controladores como Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e Polícias Federal, Estadual e do Exército, demanda meses para ser resolvido. E muitos desses documentos devem ser renovados anualmente.

Esse simples fato serve para ilustrar a existência da famigerada burocracia brasileira, geradora de elevados e desnecessários custos que afetam gravemente a competitividade internacional das empresas nacionais, conforme é demonstrado no ranking de competitividade global elaborado pelo Fórum Econômico Mundial.

“O excessivo número de leis, decretos e regulamentos forma um arcabouço legal impeditivo do desenvolvimento de projetos de investimento realmente expressivos e eficazes”

“A atual crise econômica e social do País somente poderá ser superada quando o atual sistema político, que é baseado no troca-troca de favores entre representantes dos poderes Executivo e Legislativo, for substituído pela implantação de um planejamento de longo prazo“

Finalmente, cabe destacar que não é possível um país ter uma economia forte, com renda per capita elevada e boa distribuição de renda, mantendo-se apenas como um grande produtor e exportador de commodities agrícolas. Todos os países avançados no mundo, que apresentam altas taxas de crescimento, dispõem de uma moderna e diversificada indústria, com forte presença em segmentos de maior intensidade tecnológica. Mas, para atingir status de país industrializado, é indispensável que, a longo prazo, possa contar com uma política cambial favorável ao setor produtivo interno, administrando-se políticas compensatórias à apreciação do real e às grandes variações na taxa cambial, e que tenha por objetivo, além da contenção do processo inflacionário, também defender a produção interna e incentivar o investimento local.

A atual crise econômica e social do País somente poderá ser superada quando o atual sistema político, que é baseado no troca-troca de favores entre representantes dos poderes Executivo e Legislativo, for substituído pela implantação de um planejamento de longo prazo, adequando as imprescindíveis reformas de base tão faladas e pouco executadas, a um real Projeto de Estado que vise atingir metas econômicas e sociais no longo prazo.

Nelson Brasil de Oliveira
Nelson Brasil de Oliveira
Vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA.
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