REVISTA FACTO
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Abr-Jun 2018 • ANO XII • ISSN 2623-1177
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//Artigo

MEDICAMENTO COMO DIREITO ESTRATÉGICO PARA A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL

É inegável que o acesso oportuno aos medicamentos é um importante componente das políticas públicas de saúde e elemento fundamental na concretização do direito à saúde. Políticas de prevenção aliadas a ações assistenciais e à disponibilização de tratamento para as pessoas vivendo com HIV, por exemplo, são ações que têm um importante impacto na redução de óbitos e de novas infecções.

No caso do Brasil, a decisão de garantir o acesso universal e gratuito aos medicamentos para o tratamento do HIV logo no início da epidemia foi um dos fatores determinantes para uma redução de 54% no número de óbitos por aids nos últimos 20 anos. Passamos de uma taxa de 9,6 óbitos a cada 100 mil habitantes em 1996 para 5,2 óbitos por 100 mil habitantes em 2016. Isso ampliou inimaginavelmente – para quem, como eu, conheceu o início da epidemia – a sobrevida das pessoas que vivem com HIV. Hoje a expectativa de vida de uma pessoa vivendo com o vírus é praticamente igual à da população geral brasileira, que é de 75 anos. No final dos anos 1980, quando registramos os primeiros casos da infecção, a sobrevida de uma pessoa diagnosticada com o vírus era de apenas cinco meses.

O enfrentamento da epidemia de HIV é um bom exemplo para ilustrar por que é imprescindível que os medicamentos e outros insumos de saúde recebam tratamento diferenciado, considerando suas características mercadológicas especiais, que os distinguem de outros produtos de consumo. Medicamentos são bens essenciais para garantir direitos humanos básicos, como o direito à saúde e à vida. Por isso, é premente e necessário buscar soluções que consigam equacionar justiça social, políticas públicas de saúde e direitos humanos com as leis de mercado e de patentes e os custos de pesquisa, desenvolvimento e produção de medicamentos – principalmente quando discutimos a sustentabilidade de programas centrados no acesso universal à prevenção e ao tratamento, como é o caso do programa de aids brasileiro.

Apesar de todos os desafios a serem superados, a exemplo do aumento de casos de HIV entre os jovens e dos custos crescentes para a aquisição de antirretrovirais mais modernos e seguros, arrisco dizer que, pelos resultados alcançados até aqui, o que temos feito historicamente como resposta nacional à epidemia do HIV serve de exemplo e demonstra que é possível equalizar decisões financeiras e interesses comerciais com a garantia dos direitos individuais e coletivos no enfrentamento de uma questão de saúde pública.

No contexto mundial da pandemia de aids, o Brasil, mesmo sendo um país em desenvolvimento, e talvez justamente por isso, tem se destacado internacionalmente por assumir uma posição de vanguarda na resposta ao HIV/aids, desenvolvendo desde o início da epidemia ações abrangentes de prevenção e ousando garantir o acesso universal às terapias antirretrovirais mais modernas. Mantivemos essa posição mesmo diante das previsões mais pessimistas, que criticavam a decisão do governo brasileiro de adotar a política de tratamento para todos, com o argumento de que ela não seria sustentável ao longo do tempo. Felizmente, passados mais de 30 anos de luta contra a aids, o tempo provou que aqueles prognósticos estavam equivocados. O Brasil segue como protagonista do enfrentamento global à epidemia.

Esse protagonismo se dá justamente pelo papel de liderança internacional em favor do acesso à medicação para o tratamento do HIV, ao diagnóstico e aos insumos de prevenção que o Brasil sempre exerceu. Uma luta que vem desde a descoberta dos primeiros casos de HIV no País, ainda na década de 1980, época que também coincide com o período da redemocratização brasileira, da reforma e anistia política e da realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde – marco na história recente da saúde pública brasileira, que estabeleceu as bases de construção do Sistema Único de Saúde (SUS) e que também fundamentou, na Constituição Federal de 1988, a saúde como um direito de todos e um dever do Estado.

Foi nesse contexto político e de mobilização social pela garantia da saúde como um direito universal que ganharam força as reivindicações da sociedade civil pelo acesso gratuito e universal aos medicamentos antirretrovirais. O ativismo teve papel central no delineamento da resposta nacional à epidemia, especialmente por parte de pessoas vivendo com HIV, que naquela época começavam a se organizar em redes e grupos de apoio, espaços que deram corpo e voz às reivindicações das pessoas soropositivas. Em 1985, surge em São Paulo o Gapa (Grupo de Apoio à Prevenção à Aids), primeira organização não governamental brasileira e da América Latina dedicada à luta contra a aids, seguida pela criação do Grupo Pela Vidda e também pela Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, e outros ativistas, em 1987, no Rio de Janeiro.

Em 1985, o governo criou também o Programa de Controle da Aids, dentro da Divisão Nacional de Dermatologia Sanitária da Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde do Ministério da Saúde. O Programa passa a ser o responsável por coordenar nacionalmente as ações de combate à epidemia. Três anos depois, em 1988, o Ministério da Saúde começa a distribuir medicamentos para o tratamento de doenças oportunistas, secundárias à infecção pelo HIV.

No início dos anos 1990, crescia a pressão, por via judicial, para fornecimento de medicamentos para o tratamento da aids pelo SUS. Em 1991, o AZT (zidovudina), o primeiro medicamento antirretroviral, começa a ser disponibilizado pelo Ministério da Saúde para o tratamento das pessoas que já tinham desenvolvido a aids.

Nesse período, crescem as reivindicações pelo acesso gratuito e universal aos medicamentos antirretrovirais. É também nessa década que ganham força as mobilizações internacionais de grupos da sociedade civil organizada pelo acesso a esses medicamentos, colocando em discussão a legislação sobre propriedade intelectual e industrial, o alto custo desses medicamentos no mercado internacional e seu acesso por países em desenvolvimento.

Seis anos após a criação do Sistema Único de Saúde, é aprovada a Lei n° 9.313, de 13 de novembro de 1996, que garante o acesso gratuito aos medicamentos necessários para o tratamento das pessoas vivendo com HIV. Essa decisão tornou o Brasil um dos poucos países em desenvolvimento no mundo a oferecer terapia antirretroviral de alta potência por meio de seu sistema público de saúde.

Naquela época, duvidava-se de que o Brasil conseguiria sustentar esse acesso gratuito ao tratamento. Com o passar do tempo, conseguimos provar que a política adotada pelo país de garantir tratamento para todos era sustentável – não só do ponto de vista dos direitos humanos, que foi o que moveu os gestores da época a tomarem essa decisão, mas também do ponto de vista da viabilidade econômica.

Entretanto, não é somente pela universalidade e pela integralidade do tratamento antirretroviral que a política brasileira tem apresentado aspectos inovadores, mas também por estimular a produção nacional e por ter assumido posições contundentes relacionadas ao preço e ao licenciamento compulsório de medicamentos.

Em 2007, pela primeira vez, o Brasil determina o licenciamento compulsório do efavirenz – medicamento antirretroviral para tratamento do HIV –, por meio do Decreto nº 6.108, publicado no Diário Oficial da União (DOU) de 7 de maio de 2007, com prazo de vigência de cinco anos. Em 2012, a licença compulsória foi prorrogada por mais cinco anos.

O licenciamento compulsório é uma flexibilidade prevista no artigo 31 do acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionadas ao Comércio (TRIPS, na sigla em inglês), estabelecido pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Essa flexibilização permite aos países signatários adotar medidas que protejam a saúde pública, o que inclui o licenciamento compulsório de medicamentos de interesse público cuja patente ainda esteja vigente.

Um dos argumentos do Brasil para o licenciamento compulsório do efavirenz mencionava o alto custo do medicamento patenteado, o que poderia comprometer a continuidade da resposta brasileira à aids, na garantia do acesso universal ao tratamento das pessoas vivendo com HIV.

Naquela época, um paciente custava U$ 580 mil por ano aos cofres públicos. A partir do licenciamento compulsório, conseguimos comprar o medicamento genérico, inicialmente importado da Índia, gerando um impacto imediato de US$ 31,5 milhões de economia para o País. Na época, metade dos pacientes em tratamento antirretroviral, aproximadamente 75 mil pessoas, utilizavam o medicamento em seus esquemas terapêuticos.

O licenciamento compulsório do efavirenz pelo governo brasileiro só foi possível graças, também, ao envolvimento da sociedade civil organizada, que pressionou e defendeu o interesse público e a importância da medida. Uma das organizações que tiveram papel fundamental nessa mobilização foi a Abia, que, em 2003, coordenou a criação do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), composto por organizações da sociedade civil brasileira e duas internacionais, além de ativistas e pesquisadores do tema. Desde então, o GTPI tem desenvolvido diversas ações na busca de alternativas para minimizar o impacto das patentes farmacêuticas no acesso aos medicamentos essenciais.

Também no ano de 2007, a Fundação Oswaldo Cruz, no âmbito de um projeto de inovação, executou uma pesquisa de avaliação do setor produtivo farmoquímico nacional voltado à capacitação tecnológica e produtiva. Após essa pesquisa, criou-se o Consórcio CNG – Cristália, Nortec e Globe Química – para a produção de insumos farmacêuticos ativos (IFAs) no Brasil.

A partir de 2009, a apresentação farmacêutica mais utilizada do efavirenz começou a ser produzida no Brasil, na forma de genérico. Paralelamente, o laboratório indiano continuou fornecendo o medicamento até 2010, cujos estoques duraram até 2011. A partir daí, a produção passou a ser inteiramente nacional. Em 2012, foram contratados 57 milhões de comprimidos de efavirenz junto ao laboratório Farmanguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz, pelo valor de R$ 76,9 milhões.

Essa decisão significou não só a sustentabilidade da política brasileira de tratamento do HIV, como também representou um grande incentivo à produção nacional de medicamentos antirretrovirais. Das atuais 38 apresentações farmacêuticas para tratamento do HIV fornecidas pelo SUS, 12 são de fabricação nacional, sendo quatro produzidas por laboratórios privados e oito por laboratórios públicos.

A partir de 2014, passamos a tratar todas as pessoas vivendo com HIV. Antes, o tratamento era somente iniciado quando o paciente apresentava um determinado número de linfócitos T-CD4 (células de defesa do organismo), o que já o classificava como um caso de aids. Essa foi uma decisão tomada após a divulgação de novas evidências científicas que mostravam que o tratamento podia beneficiar todas as pessoas vivendo com o vírus, independentemente de já serem ou não um caso de aids. É claro que isso aumentou muito o número de pacientes recebendo tratamento, o que sem dúvida impacta no nosso orçamento.

Em 2017, das estimadas 866 mil pessoas vivendo com HIV no Brasil, 84% tinham sido diagnosticadas e 75% estavam em tratamento, sendo que, destas últimas, 92% haviam atingido supressão viral, ou seja, apresentavam carga viral do HIV abaixo de 1.000 cópias/mL de sangue. Estar em supressão viral é um indicador de sucesso no tratamento, já que, além do impacto positivo sobre a saúde e qualidade de vida das pessoas vivendo com o vírus, há um consenso crescente, entre cientistas, de que pessoas com carga viral indetectável em seu sangue não transmitem o vírus sexualmente. Por essa razão, a sustentabilidade das ações voltadas a manter o acesso ao tratamento antirretroviral é peça-chave no atual cenário de ampliação do número de pessoas em tratamento antirretroviral no país.

DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Historicamente, o Brasil tem demonstrado não apenas sua capacidade de incorporação de novas tecnologias, mas também de produção e distribuição. Um exemplo recente, que comprova a capacidade do SUS de atender às demandas nacionais de produção e abastecimento de medicamentos, foi a aprovação da fabricação, por laboratório público, de medicamentos para a hepatite C e para o HIV. Em 2018, tanto o tenofovir + entricitabina (usados na PrEP) quanto o sofosbuvir (para hepatite C) tiveram seus registros para produção pública aprovados pela Anvisa. Tal produção será possível graças a Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) para a fabricação de medicamentos estratégicos para o Sistema Único de Saúde (SUS), formalizada pelo Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos) da Fiocruz. No caso dos antirretrovirais para PrEP e para hepatite C, a parceria se dará com a empresa Blanver. Além desses dois produtos, a PDP prevê também a produção de mais dois antivirais para hepatite C, o simeprevir e o daclastavir, além do imunossupressor everolimo, usado para evitar rejeição de órgãos transplantados. A partir da produção pública desses medicamentos, estima-se uma economia de cerca de 60% para o Ministério da Saúde em relação aos valores praticados atualmente. A iniciativa permitirá também ampliar o acesso da população a esses tratamentos.

Por fim, é preciso reconhecer o impacto que o tratamento e controle desses agravos trouxe para a saúde pública no Brasil. O fato de o Estado brasileiro ter definido como prioridade de sua política de saúde o controle da epidemia de HIV fortaleceu e impulsionou o SUS a buscar a incorporação de políticas de tratamento de outros agravos, tão complexos e de alto custo quanto a aids. Em um país com marcadas iniquidades sociais – com graus de urbanização, desenvolvimento socioeconômico e acesso a serviços de saúde bastante heterogêneos –, a ideia de se ter cobertura universal para qualquer doença ou agravo é um desafio e uma meta difícil de ser alcançada. O SUS concretizou esse objetivo, começando com o tratamento do HIV/aids. Hoje podemos enumerar uma infinidade de doenças que têm tratamento acessível pelo sistema único de saúde, como é o caso, mais recentemente, da ampliação do tratamento da hepatite C.

Por essa razão, a produção dos medicamentos não pode jamais ser vista tão somente pela ótica do lucro. As indústrias farmacêuticas têm também um papel social a desenvolver, não apenas como fornecedoras dos medicamentos a preços justos mas, sobretudo, como parceiras dos sistemas públicos de saúde para a promoção e a garantia da saúde de todos.

Negociação de preço

Não podemos menosprezar a importância do Brasil para o mercado mundial de medicamentos antirretrovirais. Hoje temos mais de meio milhão de pessoas em terapia antirretroviral e, por essa razão, a decisão governamental de adquirir esses medicamentos de forma centralizada nos permite comprar em escala e negociar preços diretamente com as indústrias.

É justamente por sermos esse grande mercado que conseguimos, em 2017, disponibilizar o medicamento mais moderno para o tratamento do HIV, o dolutegravir (DTG). Na aquisição do DTG, foram comprados 40 milhões de comprimidos para abastecer o País durante um ano. Essa possibilidade de comprar em escala também permitiu que conseguíssemos 85% de redução do preço inicial do DTG oferecido pela indústria. Já expandimos o uso do dolutegravir para quase 109 mil pessoas vivendo com HIV e projetamos alcançar 300 mil até o final de 2018.

Sífilis

Recentemente, atuamos também junto ao mercado farmacêutico para garantir o abastecimento de penicilina, utilizada como tratamento de primeira linha para sífilis congênita e sífilis adquirida. O país vive atualmente uma epidemia de sífilis e o desabastecimento global do insumo farmacêutico ativo para a produção da penicilina fez com que o Ministério da Saúde assumisse a responsabilidade de comprá-la de forma centralizada, já que os estados estavam tendo dificuldades de adquirir o medicamento isoladamente. Essa foi uma compra de difícil realização, incluindo o seguimento de uma logística delicada, que exigiu o cumprimento de uma série de exigências técnicas. Felizmente, o Brasil conseguiu superar os obstáculos e atendeu à demanda de todo o território nacional, adquirindo mais de 2 milhões de frascos-ampola de penicilina, que garantirão o abastecimento em todo País até 2019.

Logística

A distribuição de medicamentos, além do aspecto financeiro, envolve fatores logísticos e estratégicos que, em um país com a dimensão do Brasil, não podem ser minimizados. A estruturação, nos estados e municípios, de uma rede de serviços para oferecer atenção à saúde as pessoas vivendo com HIV de forma gratuita, universal e integral, só foi possível graças, também, à capacitação de recursos humanos do SUS especialmente para viabilizar a realização do diagnóstico precoce, sobretudo por meio de testagem rápida, e a criação de redes nacionais de laboratórios públicos de monitoramento da infecção pelo HIV.

Hoje o Brasil conta com duas redes laboratoriais nacionais: a Rede Nacional de Laboratórios para Contagem de Linfócitos T-CD4+, formada por 92 laboratórios que realizam o monitoramento da evolução clínica de indivíduos infectados pelo HIV, e a Rede Nacional de Laboratórios para Quantificação da Carga Viral do HIV, com 84 laboratórios em todo o País, que conduzem testes para verificar a quantidade de vírus presente em uma amostra de sangue do paciente.

Além disso, o desenvolvimento de sistemas de informação como o Sistema de Controle de Exames Laboratoriais (Siscel) e o Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (Siclom) permitiu a descentralização e a sustentabilidade das ações de prevenção e tratamento do HIV e de outras infecções sexualmente transmissíveis e também o controle dos estoques e da distribuição dos antirretrovirais, além de ter possibilitado a obtenção de informações clínico-laboratoriais dos pacientes e o uso de diferentes esquemas terapêuticos.

Impactos na saúde pública

Quando elaboramos a cronologia dos marcos de acesso ao tratamento, percebemos como estes impactaram no controle das epidemias importantes no Brasil, a exemplo da aids e da hepatite C.

No Brasil, a prevalência de HIV é de 0,4% entre a população geral. Entretanto, o País apresenta uma epidemia concentrada em populações mais vulneráveis à infecção, como gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH), pessoas trans, mulheres trabalhadoras do sexo e usuários de álcool e outras drogas. Nos últimos anos, também temos registrado um aumento no número de casos entre homens jovens de 15 a 29 anos. Tal crescimento nesses grupos é uma característica mundial da epidemia. Justamente por isso, novas estratégias preventivas, para além do uso do preservativo, têm sido recomendadas pela Organização Mundial de Saúde e introduzidas pelos países como parte de sua política de prevenção ao HIV.

Os benefícios alcançados com a oferta das profilaxias pré e pós-exposição ao risco de infecção pelo HIV (a PrEP e a PEP) são muito relevantes para o sucesso da resposta brasileira. A nova abordagem adotada pelo Brasil desde 2013, chamada de Prevenção Combinada, propõe o uso simultâneo de diferentes métodos – conjugando intervenções biomédicas, comportamentais e estruturais – para multiplicar a gama de opções dos indivíduos e populações para se protegerem do HIV, das ISTs e das hepatites virais.

A ideia é oferecer mais alternativas na busca por respostas preventivas adequadas à realidade local e a cada população-chave, grupo social e indivíduo, o que inclui o uso do tratamento como prevenção, a exemplo da PEP e da PrEP, as quais devem ser entendidas e consideradas como novas estratégias preventivas no leque de opções que compõem a Prevenção Combinada.

A profilaxia pós-exposição (PEP) foi implantada, inicialmente, para os profissionais de saúde, em casos de acidentes de trabalho. Em 2011, a PEP foi estendida para vítimas de violência sexual e, em 2012, ampliada para exposição sexual consentida, ou seja, em situações de exposição sexual ao vírus pelo não uso do preservativo ou por algum acidente envolvendo esse insumo. Em 2017, 58% das mais de 87 mil dispensações de PEP realizadas no SUS se destinaram a exposição sexual consentida, demonstrando a importância dessa profilaxia como estratégia preventiva.

No final do ano passado, o Brasil se tornou o primeiro país da América Latina a adotar a PrEP, o que representou mais um passo importante rumo à eliminação da epidemia do HIV e da aids em território nacional. A profilaxia pré-exposição ao HIV consiste no uso de dois antirretrovirais (tenofovir + entricitabina) por indivíduos soronegativos antes da exposição sexual ao HIV. A sua eficácia e segurança já foram demonstradas por diversos estudos clínicos randomizados, tendo-se evidenciado sua efetividade em estudos de demonstração.

Desde dezembro de 2017, a PrEP está disponível em 36 serviços do SUS de 11 estados. A partir de julho de 2018 será expandida a todos os estados, totalizando 65 serviços. Com a implantação da PrEP, mais uma vez, o País ocupa uma posição de vanguarda no tratamento e prevenção do HIV.

Hepatite C

Além do HIV, outra medida para assegurar o acesso ao tratamento de outros agravos com importante impacto no País são as recentes mudanças na política de tratamento da hepatite C, mediante a adoção do “Plano Nacional para Eliminação da Hepatite C” até 2030. Este é mais um passo do Brasil rumo à garantia do amplo acesso ao tratamento das hepatites, com a universalização do tratamento, adotada a partir da mudança, em 2017, do “Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas” (PCDT) para hepatite C.

O novo PCDT ampliou o tratamento a todos os pacientes, independentemente do grau de dano no fígado, oferecendo inclusive alternativas para aqueles que não obtiveram resposta virológica em tratamentos anteriores. A expectativa é tratar 657 mil pessoas nos próximos anos. Já para o final deste ano, a expectativa é ofertar tratamento para mais 50 mil pessoas. A meta ousada foi anunciada pelo Brasil ano passado durante a Cúpula Mundial de Hepatites.

FONTES DE CONSULTA:

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Adele Benzaken
Adele Benzaken
Médica e Diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais do Ministério da Saúde.
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