REVISTA FACTO
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Out-Dez 2017 • ANO XI • ISSN 2623-1177
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//Artigo

Inovação industrial e crescimento econômico

É um legítimo anseio de todo povo que o seu país cresça e que desenvolva a sua economia de modo a promover a melhoria das condições de vida através da redistribuição da renda agregada a todos os segmentos da sua população. A questão a discutir é como realizar esse objetivo com eficácia nas condições existentes no país e no mundo.

Para se encontrar novos caminhos, é de fundamental importância rever o percurso trilhado no pós-guerra por países que, antes dominados, passaram a empreender o desenvolvimento próprio, geralmente baseados no processo da industrialização tardia. O Japão teve crescimento singular com base na diversificação da indústria de manufaturas para disputar o comércio mundial.

Já outros países dinâmicos chamados de emergentes, alguns até colônias ou economicamente dominados antes da guerra, se basearam no próprio desenvolvimento tecnológico, gerando e agregando inovações industriais, cujo montante pode ser bem avaliado pelas patentes concedidas a esses países pelo USPTO (sigla em inglês do escritório de patentes americano). Isto porque, como a patente só tem valor territorial, a forma de se comparar é no maior mercado, ou seja, nos Estados Unidos.

Caso do Japão

Por não ter tradição de presença no mercado mundial de manufaturados até a década de 30, o Japão imediatamente no pós-guerra começou a comercializar seus novos produtos, na verdade cópias de baixa qualidade de artigos ocidentais de baixo conteúdo tecnológico, muitos chamados de “bugigangas orientais”. Mas é esse processo de imitação que responde pelo fundamental aprendizado tecnológico, como muito bem explica o grande ideólogo da Coreia do Sul, Linsu Kim, em seu livro “Da Imitação à Inovação”1, e em seus textos a seguir2 (traduçãolivre e destaques do autor):

• “Em países desenvolvidos, ‘aprender pesquisando’ (learning by research) por empresas, universidades e institutos tem um papel dominante na expansão da fronteira tecnológica.”

• “Em países em desenvolvimento, ao contrário, ‘aprender fazendo’ (learning by doing) e engenharia reversa por empresas, com limitada assistência de universidades e institutos, é o padrão dominante de acumulação de competência tecnológica.”

Sob políticas públicas do Miti (sigla em inglês do Ministé- rio do Comércio Exterior e Indústria), esse foi o conceito que o Japão seguiu e que o levou a construir a sua indústria, a sua força tecnológica e a sua riqueza. Foram dé- cadas de imitação com uma contínua introdução de melhorias, isto é, inovações industriais, partindo das mais rudimentares e simples e chegando a grandes sucessos, como o Walkman, as máquinas fotográficas, os instrumentos óticos, robôs e tantos outros, muitos já fora do âmbito manufatureiro e tudo sob o fomento estatal.

Da década de 90 em diante, o Japão tornou-se líder tecnológico em muitos produtos e subsetores. Hoje, o Japão obtém a outorga de mais de 50 mil patentes no USPTO a cada ano, abaixo apenas dos Estados Unidos e quase três vezes mais do que o terceiro gerador, surpreendentemente a Coreia do Sul. O PIB per capita monetário do Japão já está na ordem de US$ 40 mil, um dos mais altos do mundo.

Lições da Coreia

Partindo de uma infraestrutura arrasada por uma guerra local (1950-1953), mas com envolvimento quase mundial, e com uma renda per capita da ordem de US$ 80, a Coreia do Sul decidiu se reconstruir, se desenvolver e crescer para atender às necessidades de seu povo. Seus primeiros esforços foram na restauração de seu capital humano pela educação, inclusive a superior. Para tanto, além das suas universidades tradicionais, criou em 1967 o Kist (sigla em inglês do Instituto Coreano de Ciência e Tecnologia), destinado a formar jovens técnicos, engenheiros e outros com a visão crítica indispensável para inovar. Para orientá-los, promoveu uma diáspora reversa dos professores e pesquisadores coreanos, que resultou num retorno de mais de 1.100 deles para o novo instituto.

Essa política ainda foi considerada insuficiente e, em 1972, a Coreia promulgou a sua Lei de Fomento nº 2.3993 , que a botou na rota da imitação adaptada às suas condições, seguindo os passos do Japão, de quem havia sido colônia por cerca de 40 anos até a II Guerra Mundial. Iniciando com algumas poucas dezenas de grandes grupos empresariais (chaebol), a Coreia lançou uma imediata generalização da sua política de fomento aos médios e pequenos empreendimentos, que hoje são mais de 30 mil participando do programa de inovação industrial. A outorga de apenas três patentes pelo USPTO em 1970 tornou-se mais de 18 mil só no ano de 2015. O valor monetário do PIB per capita médio de seus mais de 50 milhões de habitantes está em cerca de US$ 27 mil anuais. A riqueza chegou em 50 anos: 1967-2017.

Novo conceito de desenvolvimento

O desempenho dos Tigres Asiáticos fez emergirem duas constatações no Brasil. Inicialmente, a necessidade de leis específicas para dar base a políticas públicas de fomento tecnológico. Em segundo lugar, mostrou-se necessário que a atuação individual fosse substituída por uma entidade do setor produtivo com representatividade específica para expressar esse posicionamento.

Para me aprofundar nesses temas, em 1999 visitei a Coreia do Sul e conhecei tanto as políticas públicas de fomento à inovação quanto a entidade Koita4 (sigla em inglês da Associação Coreana de Tecnologia Industrial). Na ocasião, tive um encontro com o professor Linsu Kim, que permitiu uma aprendizagem intensiva sobre a política tecnológica da Coreia.

O que se conclui dos crescimentos rápidos dos países mencionados? Todos deram prioridade ao desenvolvimento de inovações industriais compartilhando o risco tecnológico com as empresas através do subsídio direto, como permite o artigo 8º do acordo que criou a Organização Mundial do Comércio (OMC).

A Tabela 1 resume os resultados obtidos pelos cinco países mencionados em comparação com os nossos resultados na geração de tecnologia, medida pela taxa de patentes outorgadas a cada ano no USPTO.

A pergunta que não quer calar é: qual a justificativa do compartilhamento do risco? Um pequeno ou médio empresário, ou ainda uma grande empresa até então fora do sistema de inovação, não teria fôlego para assumir os custos das atividades de P&D, que têm retorno incerto. Considerando juros, carga tributária e outros, no Brasil a conta ficaria em torno de 38% das receitas. O lucro estimado seria de 8%, com alto risco de sequer haver lucro. A conclusão é que o compartilhamento do risco se faz uma condição necessária para incentivar a inovação na indústria.

Opções brasileiras

O nosso modelo básico no século passado foi o de desenvolver uma indústria local para a substituição de importações e exportar produtos naturais, matérias-primas e produtos primários. Nas últimas décadas, também exportamos alguns produtos industrializados com excedente e outros em que nos tornamos até competitivos em nível internacional.

A comparação com os demais países emergentes, porém, mostra que nos faltavam as políticas públicas indispensáveis de desenvolvimento tecnológico e inovação com a sua condição necessária e suficiente: o compartilhamento do risco tecnológico. Era, portanto, uma questão essencial criar essas políticas pela construção de um marco legal de fomento e estímulo notadamente à criação e agregação de inovações competitivas.

Em 1994, ocorreu a bem-sucedida implantação do Plano Real e a consequente queda vertiginosa da inflação, viabilizando a estabilização econômica e uma mudança de atitude em relação à inovação tecnológica.

A consciência da necessidade de se criar políticas públicas para o fomento ao desenvolvimento tecnológico brasileiro veio, então, com os exemplos de Coreia do Sul, Taiwan e China.

Atendendo a essa demanda, foi criada em 20 de fevereiro de 2002, na sede da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), em São Paulo, a entidade Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec), com 15 associados fundadores, todos entidades industriais. A nova instituição foi recebida pelo presidente da República e imediatamente empreendeu uma campanha pela construção de um marco legal.

Foi incluída a condição necessária e suficiente nesse marco legal: o compartilhamento do risco. Para todas as indústrias inovadoras, inserimos a subvenção econômica (capital de risco) no artigo 19 da Lei de Inovação, revista em 2004 (Lei no 10.973/2004), para apoios a priori. Apenas para as indústrias grandes (as que estão no regime de Lucro Real do Imposto de Renda), foram propostos e aceitos os artigos 39, 40, 42 e 43 da Lei no 10.637/2002 (Minirreforma Tributária), que regulavam o reembolso de parte dos dispêndios em inovações industriais para apoios a posteriori. Esses quatro artigos foram posteriormente transformados no Capítulo III da Lei do Bem (no 11.196/2005), com substancial redução das alíquotas dos seus benefícios. Em 2010, conseguiu- se uma lei especial para as compras públicas (no 12.349/2010), dando uma margem de 25% nos preços dos produtos cuja tecnologia de fabricação fora desenvolvida no País.

Presente e futuro

A subvenção econômica foi oferecida em pequena proporção (apenas 0,005% do PIB, uma amostra) em editais da Finep entre 2006 e 2009, com um conceito de viés acadêmico. Os resultados foram escassos e, com a suspensão posterior dos editais, as empresas pequenas e médias ficaram sem fomento adequado. E não há relatórios críticos dos resultados.

A Lei do Bem tem um conceito correto, mas benefícios pequenos. Está correta porque o seu uso é uma decisão da empresa, atendida a regulamentação. O benefício máximo na versão original (Lei no 10.637/ 2002) era de 67% (ainda abaixo do limite do artigo 8 da OMC: 75%), mas, na transformação para a Lei no 11.196/2005, ele foi reduzido para 34% do investimento em P&D da empresa.

A primeira rodada de uso do benefício foi em 2006, com apenas 130 indústrias. Mas a de 2014 (último dado liberado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações) teve 1.206 indústrias, com um investimento da ordem de R$ 8 bilhões, gerando cerca de R$ 1,5 bilhão de incentivos fiscais para as empresas. Isso representa 0,025% do PIB, o que ainda é outra amostra.

Um montante de impacto no crescimento do PIB seria um incentivo/subvenção de 0,5%, ou seja, 20 vezes maior que o atual. Ante a capacidade ociosa das fábricas, isso acarretaria um crescimento do produto industrial da ordem de 10% no período de 2 a 3 anos, ou 1% do PIB, realimentando um ciclo virtuoso.

O reembolso é um compartilhamento do risco, ainda que a posteriori, e os seus resultados são evidentes no Gráfico 1 das nossas patentes no USPTO. Passamos de uma média de 100/ano para crescimento apreciável, chegando a 323 em 2015.

Outra iniciativa de fomento, a Lei no 12.349/2010 tem sido utilizada pelo Ministério da Saúde e Ministério da Defesa, nos quais se concentram as compras públicas, embora com um viés de encomenda tecnológica. O resultado tem sido satisfatório, propiciando o desenvolvimento tecnológico de algumas indústrias desses setores.

Espera-se que o tema volte à pauta política em 2018 e que surjam candidatos comprometidos com o desenvolvimento tecnológico do País para usufruirmos um crescimento rápido, que reduza efetivamente as desigualdades, como o seu povo merece.

1 “Da Imitação à Inovação: A dinâmica do aprendizado tecnológico da Coreia”, Linsu Kim, publicado pela Editora Unicamp, Campinas, 2005.
2 Em revista “Industry and Innovation”, volume 4, no 2, página 168, Elsevier, 1997.
3 “World Report on Science 1993”, Unesco, Génève, Suiça, 1994.
4 “Livro Branco da Inovação Tecnológica”, Roberto Nicolsky, Protec 2012, pdf em www.protec.org.br

Roberto Nicolsky
Roberto Nicolsky
Diretor presidente da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec).
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