REVISTA FACTO
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Jul-Set 2017 • ANO XI • ISSN 2623-1177
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//Artigo

Para onde vai o INPI?

“É fato que o problema do backlog atingiu números cuja solução não é alcançada a partir da adoção de uma medida confortável. Qualquer que seja a solução, ela será excepcional e de elevado custo financeiro e institucional. Diante desse quadro grave e oneroso para o País, não se vislumbra uma medida que não seja pontual e excepcionalíssima”. Este trecho foi retirado da justificativa do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI) a respeito da proposta que visa eliminar o backlog das patentes, contida numa Consulta Pública recente, a de nº 2, de 27 de julho de 2017. A ideia, que poderá ser publicada como portaria, decreto, medida provisória ou projeto de lei, prevê a concessão de todas as patentes depositadas no órgão até 90 dias após sua publicação. Um exame sumário da patente vai preceder a concessão, exceto se o titular do pedido solicitar a exclusão do mecanismo. Peço ao leitor reter a afirmação de que o mecanismo proposto de instituir a concessão em massa de patentes deve ser entendido como pontual e excepcionalíssimo.”

Há muito é sabido que o INPI apresenta enormes dificuldades para o efetivo cumprimento de sua missão. No plano operacional, há grande carência de recursos materiais, humanos e de gestão que resultam num tempo inadmissivelmente longo entre o depósito e a decisão final quanto ao patenteamento de produtos ou processos. Segundo documento recente do próprio órgão, o denominado backlog está acima de 14 anos para medicamentos, bem como no campo das telecomunicações. Em outros segmentos industriais relevantes, o número não é muito diferente. Ainda de acordo com o estudo, embora venha se desenvolvendo há muitos anos, o backlog acelerou intensamente na última década. Entre 2007 e 2017, o estoque de pedidos de patentes pendentes aumentou de 126 mil para 231 mil, em números redondos.

Concessões massivas de patentes sem exame criterioso sobre seus impactos na economia do País implicam perda importante de soberania em uma área na qual ela deveria ser compulsória e estrita, tal qual se apresenta nos países industrializados de economia complexa. É bem conhecido o crescimento das pressões oriundas destes “campeões de patentes” para harmonizar globalmente os critérios e a cultura patentária segundo seus interesses comerciais.

Poucos países de porte, industrializados ou em processo avançado de industrialização, possuem políticas de propriedade intelectual que dispensem um exame substantivo com vistas à concessão de patentes. Um deles é a África do Sul que, tradicionalmente, faz apenas o exame de aspectos formais dos pedidos em um sistema exclusivamente cartorial (depository system)1. Pois mesmo lá, o governo tem se empenhado em modificar a política na direção de abandonar o cartório e passar a ter um sistema de exames substantivos visando equilibrar interesses comerciais e o interesse público.

A proposta apresentada pelo INPI caminha no sentido oposto: de um sistema de exame substantivo para um sistema cartorial, no qual seriam examinados exclusivamente aspectos formais dos pedidos com o objetivo de eliminar rapidamente o backlog. Entretanto, o próprio INPI pondera que essa proposta deve ser entendida como “pontual e excepcionalíssima”, o que significa que deverá ser aplicada para debelar uma crise (Em quanto tempo? Por dois ou três anos até a concessão da carta-patente?), e abandonada em seguida. Em outros termos, corrigir o passado para que o futuro, sem backlog, possa ser manejável. Mas é razoável argumentar que, voltando ao sistema de exame substantivo com mais de 30 mil novos depósitos ao ano, o backlog tenderá a se recompor caso outras medidas não sejam tomadas no plano administrativofinanceiro. Se isso se confirmar, a medida “pontual e excepcionalíssima” poderá se tornar permanente, instituindo-se no País um novo padrão de política de propriedade intelectual no que se refere a patentes, agora definitivamente cartorial.

No campo de comentários gerais do ‘Formulário de Comentários e Sugestões’ integrante da Consulta Pública, a ABIFINA declarou que, “mesmo admitidas essas ressalvas e contribuições [feitas em outros campos do formulário], a proposta em Consulta Pública deve ser considerada uma medida emergencial, não devendo ser estendida ou retomada. A volta à normalidade no processo de exame de patentes é uma imposição legal que deve ser respeitada. Para tanto, ao lado dessa medida emergencial devem constar do documento normativo [que implantará a norma] medidas concretas de reestruturação do INPI nos planos financeiro (sua transformação em autarquia especial), organizacional (contratação de examinadores em número adequado) e patrimonial (solução definitiva do problema de sua sede).”

Entre as prerrogativas de uma autarquia especial está a expectativa de poder utilizar direta e integralmente as receitas oriundas de sua atuação, sem intermediação do Tesouro Nacional. A Lei Orçamentária Anual de 2017 estimou a receita do INPI em R$ 422,4 milhões e autorizou a dotação anual das despesas de custeio e investimento do órgão em apenas R$ 90,8 milhões2, sem levar em conta os contingenciamentos e tetos financeiros incidentes de modo disseminado no orçamento federal neste ano de 2017. No INPI, os cortes resultarão em singelos R$ 50,2 milhões para custeio e investimento – quase metade do orçado – e apenas 11,9% dos recursos arrecadados ao prestar serviços descritos em sua missão institucional. Trata-se obviamente de uma iniquidade intolerável e de um indicador da negligência com que a política de propriedade industrial tem sido tratada por sucessivos governos brasileiros. Para corrigir esse problema, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 62/2017, proposto pelo senador Agripino Maia, que altera a Lei nº 5.648/1970 e determina que os valores arrecadados com prestação de serviços sejam reinvestidos no próprio Instituto, sem o repasse para o Tesouro Nacional que é feito atualmente. Vejamos se o Ministério da Fazenda estará de acordo com a sua aprovação e sanção presidencial.

“Concessões massivas de pa tentes sem exame criterioso sobre seus impac tos na economia do País implicam perda importante de soberania em uma área na qual ela deveria ser compulsória e estrita”

Em junho de 2015, aqui nessa mesma FACTO, este autor alertava que “a despeito da dedicação de seu quadro técnico, o INPI sofre várias deficiências no terreno de pessoal e esse problema é, provavelmente, o principal componente do crescimento do backlog. Essa deficiência decorre de uma baixa atratividade da carreira em termos salariais, o que implica alta taxa de rotatividade de examinadores recém-admitidos. Acrescem à deficiência quantitativa os handicaps qualitativos provocados pela demissão de examinadores recém- -treinados, decorrentes da baixa atratividade salarial da carreira”3. A maior evidência da escassez de examinadores está na comparação da relação entre depósitos por examinador por ano do INPI e o do escritório norte-americano de patentes (USPTO, na sigla em inglês). Em 2016, essa relação foi de cerca de 114 depósitos por examinador no Brasil. No USPTO, foi de cerca de 64, pouco mais da metade.

Vale notar que o INPI não está alheio a essas dificuldades. A disposição de enfrentá-los sem abrir mão de suas competências e métodos de trabalho tradicionais ficou nítida em maio de 2017, quando foi apresentado ao ministro do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) seu plano de trabalho para o ano4. Nele, foram destacados “o enfrentamento do backlog (com priorização do exame em segunda instância), a solução dos problemas imobiliários e a valorização dos servidores e da carreira do INPI”. Com relação especificamente ao backlog de patentes, o plano previa:

  1. Redução de 44% do backlog e aumento de 234% da produção técnica e de recursos e processos administrativos de nulidade (segunda instância), em relação ao ano anterior;
  2. Aumento de 60% da produção de decisões técnicas de pedidos de patentes, em primeira instância, sobre 2016, e de 93% em relação a 2015;
  3. Aumento de 57% na produtividade individual dos examinadores de patentes, em primeira instância, em comparação com 2015.

Não havia, então, menção a propostas de mudanças estruturais radicais como a contida na Consulta Pública aqui comentada. A pergunta que fica é por que esse corajoso plano de trabalho foi substituído por uma proposta tão problemática e inusitada, que transforma o INPI em pouco mais do que um escritório notarial? Por que, no curto espaço de tempo entre maio e agosto de 2017, a direção do órgão se convenceu ou foi convencida de que, em vez de perseverar no exame substantivo de patentes e continuar a perseguir as medidas de reestruturação institucional com as quais acredito que esteja de pleno acordo, decidiu pelo caminho de uma “cirurgia de alto risco”? Por que escolheu esse caminho que, na melhor das hipóteses, se efetivamente for “pontual e excepcionalíssimo”, deverá estabelecer um notável aumento de demandas judiciais decorrentes de disputas entre patentes por reivindicações similares sendo concedidas e, principalmente, por uma enxurrada de patentes muito frágeis do ponto de vista substantivo, portanto passíveis de contestação judicial? E, na pior das hipóteses, caso seja acionado a cada vez que o backlog for reconstituído pela dinâmica tecnológica global, resultará numa confissão de que, também no campo da política de propriedade industrial, o Brasil deixará de ser um país industrializado soberano.

Dando à direção do INPI o benefício da dúvida que é mister conceder a uma equipe séria e profissional, especulo que essa opção possa ter sido trazida por instâncias superiores a serviço de um governo central cada vez mais frágil e isolado, à procura de “fatos” positivos de que tanto necessita para melhorar sua legitimidade. No caso, trombetear “o fim do backlog do INPI”. As consequências? Essas não vêm ao caso, pelo menos para essas instâncias superiores. Para o INPI, sua direção e corpo técnico, restará o risco de ter que responder à nova norma sem ter as mínimas condições de pessoal, tecnologia e instalações físicas para fazê-lo adequadamente.

Finalizo comentando o dispositivo constante na proposta em consulta, que retiraria do mecanismo cartorial os pedidos de patentes referentes a medicamentos. Sobre ele, faço duas observações:

  1. a cadeia produtiva de medicamentos é complexa e há muitos pedidos depositados fora desta categoria que poderão fazer parte dela. Não será trivial identificar esses pedidos a partir do exame dos seus quadros reivindicatórios – a ABIFINA também registrou esse problema em suas manifestações;
  2. interesses da indústria farmacêutica que importa medicamentos acabados certamente pressionarão para que qualquer excepcionalidade seja retirada da versão final da portaria ou decreto a ser assinado e sancionado. A ver.
Reinaldo Guimarães
Reinaldo Guimarães
2º vice-presidente da ABIFINA.
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