REVISTA FACTO
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Abr-Jun 2016 • ANO X • ISSN 2623-1177
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O Brasil precisa crescer. Mas não pelo ajuste fiscal
//Entrevista Eduardo Fagnani

O Brasil precisa crescer. Mas não pelo ajuste fiscal

Essa é a visão de Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit).

Essa é a visão de Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit). Em entrevista à FACTO, ele refuta a visão econômica ortodoxa, predominante no País, de que é preciso elevar a taxa de juros para conter a inflação e que o ajuste fiscal constitui a saída para equilibrar as contas públicas.

O economista, que já quebrou mitos com declarações contundentes como a de que não há déficit na Previdência Social, defende que a primeira medida para estancar as despesas financeiras é o governo reduzir a taxa de juros. Fagnani propõe mudanças mais estruturais, focadas na reforma tributária e na retomada dos investimentos públicos e privados. 

Sobre o risco de o governo retomar a visão neoliberal de desenvolvimento, o economista afirma: “Não há, na história econômica do capitalismo, qualquer caso de país que tenha se desenvolvido sem o concurso expressivo de seu Estado nacional.” 

Após vencida a crise política, qual deveria ser a primeira medida do governo para o País sair da crise econômica? 

Não há ajuste fiscal possível em um cenário de recessão e de decrescimento das receitas públicas. O agravamento da situação fiscal se deve particularmente à profunda queda da arrecadação decorrente do baixo crescimento, agravado exatamente pela adoção do ajuste recessivo. Dados divulgados recentemente mostram que a arrecadação fiscal caiu 7% em março de 2015 frente a março de 2014. Nesse contexto, as receitas governamentais declinam num ritmo maior que o corte dos gastos. E o ajuste fiscal das contas primárias (que exclui pagamento de juros) torna-se objetivo inatingível.

Por outro lado, o Brasil pratica taxas de juros elevadas e sem precedentes no mundo. Em função disso, em 2015, a conta dos juros atingiu R$ 500 bilhões (ante R$ 250 bilhões em 2014). Somente parte desse valor é efetivamente pago e, portanto, o déficit nominal (que inclui as despesas financeiras) segue em rota ascendente (saltou de 6% para 9% do PIB entre 2014 e 2015). Isso exige mais superávit primário para pagar uma parte do déficit nominal. Portanto, a primeira medida para estancar essa sangria das despesas financeiras é reduzir as taxas de juros.

Em segundo lugar, o ajuste das contas primárias requer a retomada do crescimento da economia, em função dos seus efeitos na elevação das receitas. Para isso, é preciso destravar os investimentos públicos e privados, ampliando o papel dos bancos públicos nos financiamentos de longo prazo.

Em terceiro lugar, a saída para o ajuste fiscal passa pela ampliação das receitas governamentais, pela recomposição da capacidade de financiamento do Estado.

Como o Estado pode ampliar seus recursos para financiamento no cenário atual?

Isso requer a revisão da desastrada política de renúncias fiscais concedidas nos últimos anos (em 2015, elas totalizaram mais de R$ 280 bilhões, que representam 25% arrecadação tributária federal). Também deve ser feito o combate à sonegação de impostos (a última apuração do Grupo Tax Justice Network, com dados do Banco Mundial, revelou que o Brasil é vice-campeão mundial em sonegação de impostos: 13,4% do PIB). E o País precisa realizar a reforma tributária, buscando aproximar o sistema de impostos ao praticado na maior parte dos países capitalistas. As balizas dessa transformação são aumentar o peso da tributação direta na arrecadação total, em detrimento da tributação indireta (repensar a estrutura do Imposto de Renda da Pessoa Física; aumentar a alíquota máxima do imposto sobre grandes heranças e doações; estabelecer imposto sobre grandes fortunas; tributar lucros e dividendos recebidos por pessoa física; tributar remessa de lucros para o exterior; extinguir a isenção de juros sobre o capital próprio; e reformar a legislação do Imposto Territorial Rural).

O Plano Real reduziu a hiperinflação. Mas seu modelo neoliberal levou a perdas sociais e desindustrialização. É possível conciliar inflação baixa e benefícios sociais?

A recessão é funcional para a agenda liberal e para o aprofundamento do projeto do capital financeiro por três razões: rebaixa os custos do trabalho; combate a inflação pela desaceleração da demanda (queda da renda do trabalho e aumento do desemprego); e fragiliza as receitas governamentais, abrindo espaço para que a “única” alternativa seja a reforma da estrutura dos gastos públicos, suprimindo-se, especialmente, as “despesas obrigatórias”, amparadas pela Constituição de 1988. FHC [Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente] tentou fazer isso. Os programas de governo de Aécio Neves e Marina Silva pregavam isso. E Joaquim Levi, que participou da elaboração do plano de Aécio Neves, fez isso em 2015 no comando do Ministério da Fazenda. Como consequência, a inflação já apresenta trajetória de queda, com custos sociais extremamente elevados.

“Não há, na história econômica do capitalismo, qualquer caso de pa ís que tenha se desenvolvido sem o concurso expressivo de seu Estado nacional”

O que se deve fazer para conciliar inflação baixa, que atenda à meta do governo, com ganhos sociais?

A experiência dos últimos anos demonstra a ineficácia da elevação da taxa básica de juros (Selic) como único instrumento para o combate à inflação. Em grande medida, porque a inflação tem sido gerada pelos chamados “preços administrados”, insensíveis ao aumento da Selic. O mesmo se observa com a inflação decorrente da elevação dos preços dos produtos importados em função da desvalorização do real (taxa de câmbio) ou ainda da abrupta correção de tarifas de alguns setores (petróleo e energia elétrica). Da mesma forma, choques de preços de alimentos, decorrentes de mudanças climáticas ou insuficiência de oferta, não são afetados pela Selic.

Em suma, o argumento da ortodoxia para que sejam mantidas taxas de juros tão altas não encontra nenhuma justificativa pelos seus efeitos numa inflação que é preponderantemente de custos (desvalorização cambial, aumento de preços de bens e serviços monitorados pelo governo, e a própria elevação dos juros), além de decorrer de problemas de sazonalidade (alta dos alimentos devido à seca etc.), e que não responde (ou responde muito pouco) a essa política perversa. No longo prazo, no entanto, seus efeitos podem decretar desindustrialização e estagnação da economia, com o consequente flagelo do desemprego. Os aumentos de juros só se justificam quando a economia está superaquecida, não há capacidade ociosa dos recursos produtivos e há forte pressão da demanda agregada.

“Os aumentos de juros só se justificam quando a economia está superaquecida, não há capa cidade ociosa dos recursos produtivos e há forte pressão da demanda agregada”

Em sua avaliação, o governo já inicia medidas neoliberais?

Infelizmente, o programa do provável futuro governo ilegítimo coordenado por [Michel] Temer vai aprofundar essa estratégia. O Plano Temer (“Uma ponte para o futuro”) não deixa margens para dúvida. Ele sinaliza o aprofundamento radical da política econômica dita de “austeridade” e da privatização do Estado. Essa opção requer a supressão dos direitos sociais conquistados no século 20, com destaque para a cidadania social inscrita na Constituição de 1988.

Portanto, a inflação voltará para o centro da meta (alguns querem reduzi-la para 3,5%). Todavia o custo social será insuportável. Com o golpe na democracia, voltaremos aos anos de 1960. Com o golpe nos direitos sociais, regrediremos ao século 19. Trata-se de uma “ponte” para liquidar o processo civilizatório de um país que viveu quatro séculos de escravidão em seus cinco séculos de existência. A implantação dessa estratégia não será pacífica. A sociedade brasileira de 2016 não é a mesma dos anos de 1950 ou 1960.

Entre 2003 e 2013, o Brasil registrou aumento da população nas classes A, B e C. O que explica isso?

Como consequência da geração de emprego e renda e da ação dos programas sociais, no período entre 2003 e 2013, a mobilidade social ascendente foi proporcionalmente maior nas classes DE (redução relativa de 96,2% para 48,9% do total de famílias), que migraram para a classe C (a participação relativa aumentou de 65,9% para 118%). Em menor escala, também houve mobilidade ascendente dessa classe C para as classes AB (de 13,3% para 29,1%).

Ao contrário da visão liberal corrente, essa mobilidade social ascendente não foi fruto do programa Bolsa Família. O fato decisivo foi que, impulsionado pelo comércio internacional favorável, o crescimento voltou a ser contemplado na agenda e, a partir de 2006, o governo optou por políticas fiscais e monetárias menos restritivas. O crescimento teve repercussões positivas sobre mercado de trabalho, transferência de renda da Seguridade Social e gasto social.

Entre 2003 e 2014, cerca de 22 milhões de empregos formais foram criados. A taxa de desemprego caiu pela metade (de 12,3% para 5,5%) e o salário mínimo cresceu mais de 70% acima da inflação. Entre 2001 e 2012, o total de benefícios diretos da Seguridade Social (Previdência Urbana e Rural; Benefício de Prestação Continuada; e Seguro-Desemprego) passou de R$ 24 milhões para R$ 37 milhões, dois terços dos quais equivalentes ao piso do salário mínimo. De acordo com o Ipea, entre 2004 e 2010, o gasto social federal per capita passou de R$ 2.100 para R$ 3.325, aumento real de quase 60% (valores de 2010); em valores absolutos, passou de R$ 375 bilhões para R$ 638 bilhões; e, em relação ao PIB, subiu de 13,2% para 15,5%. O principal item de ampliação consistiu nas transferências de renda da Seguridade Social, sobretudo em função da valorização do salário mínimo.

Essa melhor articulação das políticas econômicas e sociais contribuiu para melhorar os indicadores de distribuição da renda do trabalho, mobilidade social, consumo das famílias e redução da miséria extrema. Em suma, mesmo sob a hegemonia do neoliberalismo em escala global e do acirramento da competição capitalista mediante os mercados financeiros, foram engendradas, a partir de meados da década passada, brechas ao modelo econômico que vinha sendo implantado desde 1990 e que resultaram na melhoria dos padrões de vida da população. A economia, simultaneamente, cresceu e distribuiu renda, fato inédito na história nacional.

O que seria mais indicado: o regime de livre mercado ou o Estado gestor de políticas públicas?

O fortalecimento do papel do Estado é requisito para um projeto de desenvolvimento nacional de longo prazo? O Estado cumpre, nas sociedades capitalistas, tarefas essenciais no planejamento de ações de longo prazo, financiamento dos projetos estruturantes e coordenação dos investimentos públicos e privados. Não há, na história econômica do capitalismo, qualquer caso de país que tenha se desenvolvido sem o concurso expressivo de seu Estado nacional. Seu papel no desenvolvimento é inquestionável, inclusive nos países do centro do sistema capitalista, como Alemanha, Japão, Inglaterra e EUA. O mesmo se verifica nos casos da Coreia do Sul, de Taiwan e, mais recentemente, da China. Em todas as economias capitalistas, o Estado fez e continua a fazer o que os mercados não fazem. O papel ativo do Estado é encontrado em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Sendo assim, faz-se necessário superar a discussão ideológica sobre excesso ou ausência de intervencionismo estatal e partir para o debate estratégico acerca do papel do Estado nacional no desenvolvimento.

Eduardo Fagnani
Eduardo Fagnani
Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit).
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