REVISTA FACTO
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Jan-Mar 2016 • ANO X • ISSN 2623-1177
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A ABIFINA E A POLÍTICA BRASILEIRA DE PROPRIEDADE INTELECTUAL
//Artigo

A ABIFINA E A POLÍTICA BRASILEIRA DE PROPRIEDADE INTELECTUAL

Em junho próximo, a ABIFINA estará comemorando o seu 30º aniversário. E é correto afirmar que, dentro do amplo leque de temas relativos ao setor de química fina que tem sido objeto de sua atuação, a política de propriedade intelectual ocupa um lugar de grande destaque.

Em junho próximo, a ABIFINA estará comemorando o seu 30º aniversário. E é correto afirmar que, dentro do amplo leque de temas relativos ao setor de química fina que tem sido objeto de sua atuação, a política de propriedade intelectual ocupa um lugar de grande destaque. Entre outros aspectos, a atuação da ABIFINA foi importante nos debates sobre o acordo TRIPs (1994) e sobre a fixação da norma legal brasileira dele decorrente (1996), sobre as flexibilidades daquele acordo relacionadas à saúde humana (2001), sobre a oportunidade da proposta de adesão do Brasil a um acordo plurilateral de livre comércio na América do Sul (Alca – 1994-2005) e, mais recentemente, sobre a adesão do País ao Patent Prosecution Highway (PPH) e ao Trans-Pacific Partnership (TPP). Por ocasião desse relevante aniversário, penso que vale a pena apresentar de modo sintético as posições da ABIFINA sobre a política brasileira de propriedade intelectual, que se fundamentam em cinco premissas conceituais. São elas:

1. A afirmação de que, a despeito da globalização econômica e financeira, cabe aos Estados Nacionais uma posição soberana na definição de suas políticas industriais, recusando a existência de duplos-standards jurídico-legais nessas políticas, como os que estão habitualmente presentes nos acordos bilaterais e plurilaterais de livre comércio celebrados nos últimos anos. O corolário dessa premissa é reiterar a relevância da arquitetura multilateral de solução de controvérsias representada pela Organização das Nações Unidas e, em especial no caso em tela, pela Organização Mundial do Comércio e pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual. Isso, naturalmente, não implica em ignorar os movimentos bilaterais e plurilaterais em curso e os que virão.

2. A necessidade de lutar para uma integração adequada da indústria brasileira de química fina e de biotecnologia às cadeias produtivas globais, procurando sempre abraçar os elos das cadeias que detenham maior agregação de valor.

3. A reafirmação do compromisso de estimular e defender a produção local como um traço essencial para o desenvolvimento da química fina e da biotecnologia no Brasil. Nesse particular, adquire especial importância a eleição prioritária para a produção local daquelas etapas tecnológicas e produtivas que possam colocar, sempre que possível, as empresas nacionais no comando ou em posições privilegiadas em termos de agregação de valor nas cadeias produtivas internacionalizadas.

4. A compreensão da inovação tecnológica como um processo sine qua non para o desenvolvimento industrial contemporâneo, no qual cabe às empresas um papel central, determinante e insubstituível. Mais ainda, compreendê-la de forma ampla e adequada ao estado de desenvolvimento atual da química fina e da biotecnologia nacionais, no qual as inovações incrementais possuem uma enorme relevância.

5. No que se refere mais especificamente à política de propriedade intelectual, a convicção de que o que foi estabelecido no acordo TRIPs, em 1994, e na Declaração de Doha sobre o Acordo TRIPs e a Saúde Pública, em 2001, permanece como o limite bastante para balizar um regime de patentes, marcas e copyright que seja capaz de promover o equilíbrio entre interesse comercial, interesse público, monopólio e concorrência e que, portanto, governe as obrigações internacionais e a legislação brasileira de proteção à propriedade intelectual.

Enquanto afirmação genérica, parece-nos correta a proposição de que a propriedade intelectual é determinante para o aumento do investimento empresarial em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Entretanto, nem de longe é o único determinante, nem mesmo o mais importante. Um olhar sobre o marco regulatório brasileiro para a inovação – que, aliás, é muito recente e ainda não está totalmente desenvolvido – demonstra cabalmente esse fato. Benefícios fiscais para a inovação, fortalecimento dos vínculos entre instituições de pesquisa e empresas, estratégias de off-set em projetos de internalização de tecnologias, novos programas de crédito e subvenção econômica para projetos inovadores, políticas setoriais verticais de estímulo à inovação (petróleo e gás, defesa, saúde, agropecuária), entre outras normas legais e infralegais, nos parecem ser bem mais decisivas do que a propriedade intelectual como ferramentas de estímulo à inovação. Mas, além disso, deve ser enfatizado que a relevância dessa última se altera muito dependendo do caso concreto a ser examinado. Por exemplo, desde o início deste milênio os investimentos realizados pelas empresas farmacêuticas brasileiras foram destinados em boa parte à produção de medicamentos genéricos, similares e, mais recentemente, à proposta dos biossimilares, que, por definição, são isentos de patentes. Neste caso, importantíssimo para a indústria brasileira e para a saúde pública, a decisão de investir não respondeu ao enrijecimento das regras de propriedade intelectual previstas na Lei de Patentes de 1996. Pelo contrário, o enrijecimento prejudicou as iniciativas de investimento em decorrência das estratégias de evergreening colocadas em pauta pelos detentores de patentes. Mas também é verdade que, nos últimos anos, os medicamentos inovadores têm ocupado um lugar cada vez mais importante nas estratégias empresariais brasileiras através da exploração bem-sucedida de inovações incrementais e, nesse caso, a ligação entre patentes e inovação cresce de valor. Mas mesmo nessa circunstância permanece válida a indagação sobre qual é o “ótimo” em termos de política de propriedade intelectual, de modo que a proteção da invenção se equilibre com o estímulo à concorrência e não prejudique a ampliação do acesso da população a produtos industriais de saúde.

Resta ainda uma observação sobre esse tema. Argumenta- -se que uma estrutura mais firme na defesa dos direitos de patente seria uma condição essencial para que investimentos produtivos externos fossem canalizados ao Brasil. Muito embora seja compreensível, essa afirmação esbarra em evidências contrárias na nossa história recente, haja vista que, aqui, o desinvestimento produtivo externo nesse setor foi concomitante à aceitação, pelo Brasil, do patenteamento de medicamentos expresso na nossa Lei de Patentes de 1996, decorrente das disposições de TRIPs. A abertura comercial dos anos de 1990, marco político geral do qual a Lei de Patentes foi parte, gerou o fechamento de unidades produtivas de empresas multinacionais, o aumento estratosférico da importação de medicamentos acabados expresso hoje no grande déficit da balança comercial nesse setor e a perda de competência tecnológica farmoquímica adquirida nas décadas anteriores, cujo melhor exemplo está na produção de antibióticos.

O crescimento da relevância da inovação tecnológica nas economias nacionais tem feito com que as políticas de propriedade intelectual nos países industrializados venham cada vez mais se deslocando para o centro das decisões políticas nacionais. Esse fato pode ser claramente observado nos países que se industrializaram recentemente e com grande sucesso, como o Japão e, ainda mais recentemente, a República da Coreia. Contrastando com essa evidência, a nossa política de propriedade intelectual tem ocupado um lugar muito abaixo do necessário frente ao tamanho e à complexidade da indústria brasileira. Mais especificamente no lado da execução da política, a atuação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial tem sido um tema recorrente, haja vista a situação de imensa dificuldade operacional a que foi levado nos últimos anos. É ocioso repetir os indicadores dessa dificuldade, que pode ser expressa sinteticamente no gigantesco estoque de pedidos de patentes, marcas e copyrights não examinados. A superação dessas dificuldades é essencial e, no nosso ponto de vista, não deveria admitir nem atalhos institucionais, nem a redução do nível de rigor no exame dos pedidos. Em 2015, foi apresentada uma proposta de ser constituída uma organização social (OS) que pudesse complementar ou mesmo substituir o INPI no exame de patentes no Brasil. Isso não nos parece adequado, essencialmente por retirar do Estado brasileiro uma atribuição que lhe cabe com exclusividade. Além disso, ela trafega em sentido oposto ao deslocamento da política de propriedade intelectual para o centro das decisões nacionais observado em outros países. A proposta da OS parte de uma premissa equivocada em relação à gênese das dificuldades do INPI, as atribuindo ao seu caráter estatal e não à falta de apoio governamental, à negligência, aos equívocos gerenciais e, eventualmente, ao conflito de interesses por vezes observado em sua operação, que “magicamente” desapareceriam com a criação da OS. Entendemos que a recuperação do INPI não comporta soluções dessa natureza. Diferentemente, consideramos que o INPI deva ser recuperado a partir de uma nova perspectiva do governo federal quanto à política de propriedade intelectual, elevando seu status no rol de políticas públicas essenciais ao Brasil. E que, operacionalmente, sejam dadas ao INPI as condições materiais, financeiras e institucionais para que ele volte a cumprir a sua missão legal. Supostamente com o mesmo objetivo da sugestão anterior, tem sido proposto que o INPI reduza, por decisão legal ou administrativa, o tempo de exame de patentes. Há um projeto de lei no Congresso que propõe que o prazo máximo para decisão sobre uma patente seja de seis meses (!!). Outra sugestão que circula é a redução do tempo de exame para, no máximo, quatro anos, a ser implantada no prazo de quatro anos. Não se pode esquecer que o exame de patentes é uma operação tecnicamente qualificada, para a qual é necessário um treinamento especializado, independentemente da qualificação acadêmica prévia do candidato a examinador. Não haverá quaisquer condições de encontrar no mercado de trabalho as duas ou três centenas de examinadores treinados necessários para tornar viável a proposta dos quatro anos de exame em quatro anos de gestão. Nem no INPI, muito menos na OS. Exceto se o rigor do exame for radicalmente reduzido, o que não é admissível.

Cresce entre nós uma corrente de pensamento que pretende tornar ainda mais rígidas as disposições legais na defesa das patentes como garantia de direito de propriedade. Nessa corrente, destaca-se a defesa da admissibilidade de patenteamento de seres vivos, de modelos de negócio, de algoritmos e de softwares. O resgate do disposto na quinta premissa apresentada no início deste documento, na qual propomos que as disposições do TRIPs sejam o balizador ótimo para o regime brasileiro de propriedade intelectual, nos leva a ver com grande preocupação essas proposições que, claramente, vão muito além do TRIPs. Enfatizamos aqui aquela que, entre as propostas, atinge mais diretamente o segmento da indústria de produtos para a saúde, qual seja o patenteamento de seres vivos. Há hoje uma preocupação global com esse tema, que encerra ameaças importantes ao acesso a tecnologias e produtos essenciais no cuidado à saúde. Mesmo no país mais liberal em temos de propriedade intelectual, os Estados Unidos da América, crescem as dúvidas sobre os benefícios dessas práticas. O exemplo mais relevante em termos de manifestação de dúvidas veio do veto da Suprema Corte norte-americana ao patenteamento das proteínas BRCA-1 e BRCA-2, cuja presença aumenta o risco de câncer de mama e ovário e que, caso fossem patenteadas, restringiriam o acesso ao diagnóstico da doença, baseado na presença das mesmas, durante os 20 anos ou mais do período de monopólio. 

A cooperação internacional no campo de patentes é tradicional e positiva. Sua relevância em nível multilateral foi concertada em 1970 pelos países-membros das Nações Unidas com a fundação da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), que criou o Patent Cooperation Treaty (PCT) como instrumento de cooperação no exame de patentes. Não é novidade o enfraquecimento da arquitetura multilateral do sistema das Nações Unidas no âmbito da globalização financeira e econômica, em particular no que diz respeito às instâncias de regulamentação comercial. A substituição da Organização Mundial do Comércio por acordos bilaterais e plurilaterais de livre comércio é o principal indicador desse fato. O movimento correspondente no caso da OMPI é a criação de mecanismos paralelos de cooperação denominados genericamente de Patent Prosecution Highway (PPH), que propõem a utilização de exames já realizados em um escritório nacional de patentes por escritório de outro país. A primeira versão data de 2006 e hoje há três modelos concomitantes.

O grande desafio da adesão ao PPH é a possibilidade de uma mudança da cultura institucional dos escritórios nacionais de patentes numa situação de assimetria no processo de trocas de “primeiros exames”. Como se sabe, mais de 80% dos pedidos de patentes são hoje em dia depositados em cinco escritórios nacionais – EUA, China, Japão, União Europeia e República da Coreia. Isso provavelmente fará com que a via de trocas de exames com o Brasil se faça quase sempre em apenas uma “mão” e não, como seria desejável, na “mão dupla” sugerida pelo próprio nome do acordo. Daí que a decisão do nosso Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) em assinar um acordo com os EUA em caráter experimental, com prazo estabelecido para análise de resultados (dois anos ou até que se atinja a meta de 150 pedidos dentro do plano) e restrito a um setor industrial em que há alto grau de simetria tecnológica entre os dois países – petróleo e gás –, revela uma correta atitude prudencial.

Pelo seu profundo impacto nas políticas nacionais de propriedade intelectual, vale mencionar o recém-anunciado (embora ainda não em exercício) Trans-Pacific Partnership (TPP). Os seus signatários originais e os que eventualmente venham a sê-lo serão compulsoriamente enquadrados em um regime comum de propriedade intelectual que vai muito além das disposições previstas no TRIPs e mesmo além do disposto nos acordos de livre comércio bilaterais e plurilaterais assinados até agora. Por exemplo, o TPP impõe a regra de ajustamento do período de proteção ao tempo gasto pelos escritórios nacionais em examinar as patentes – o que significa uma harmonização, entre os signatários, de mecanismo similar ao já existente na Lei de Patentes brasileira no § único do seu artigo 40. Impõe também uma novidade, que é o ajuste do período de patentes (extensão) em decorrência de eventuais atrasos na concessão da autorização para comercialização pela autoridade sanitária (registros). Finalmente, o TPP impõe aos signatários uma proteção de dados de testes clínicos por cinco anos para medicamentos em geral e de oito anos para medicamentos biológicos. Fora do campo estrito da propriedade intelectual, vale mencionar a ruptura do conceito de soberania nacional no dispositivo do TPP segundo o qual empresas que descumprirem alguma de suas normas num determinado país signatário possam ser judicialmente acionadas sob o arcabouço legal de outro país1.

1 – U.S. businesses and investors operating abroad often face a heightened risk of bias and discrimination. Investor-state dispute settlement (ISDS) is a mechanism that provides neutral international arbitration to ensure that Americans doing business abroad receive the same kinds of protections — such as protection from discrimination and expropriation without compensation — that are available to companies and investors doing business in the United States under U.S. law”. Disponível em: https://ustr.gov/sites/default/files/TPP-Upgrading-and- -Improving-Investor-State-Dispute-Settlement-Fact-Sheet.pdf.

Reinaldo Guimarães
Reinaldo Guimarães
2º vice-presidente da ABIFINA.
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