REVISTA FACTO
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Abr-Jun 2015 • ANO IX • ISSN 2623-1177
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//Artigo

PROJETO DE LEI Nº 4.961/2005: A INÚTIL UTILIDADE EM ANÁLISE

QUALQUER LEGISLAÇÃO NACIONAL sobre direitos e obrigações de patente de invenção considera objeto de proteção as matérias que atendam aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicabilidade industrial. Assim, qualquer matéria da natureza é um bem livre, exceto quando sofre uma transformação pelo trabalho do homem. Assim sendo, por exemplo, o petróleo, o minério de ferro e a bauxita são bens livres, ou seja, sem a propriedade privada ante facto. Post facto, a indústria petroquímica protege seus produtos e os processos de fabricação; a metalúrgica, a variedade de seus inúmeros tipos de aço e de alumínio. Mas as matérias da natureza, ante facto e/ou ainda que dela isoladas, não são matéria de proteção – o Brasil não é exceção à regra. Todavia, nenhum país está impedido de conferir proteção a qualquer matéria, seja ou não matéria da natureza.

O projeto Thame. O projeto em análise, de autoria do deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB), altera os artigos 10 e 18 da Lei nº 9.279/96, respectivamente referidos a matérias não consideradas invenção e não patenteáveis. Transcrevem-se, in verbis, as emendas aditivas à lei em tela, após as complementações da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável: 

Lei nº 9.279/96 (…) Art.10. Não se considera invenção ou modelo de utilidade: (…), inc. IX – o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.

Art. 18. Não são patenteáveis: (…) inc. III – o todo ou parte dos seres vivos, exceto os micro-organismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade – novidade, atividade inventiva e aplicação industrial – previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta.

Projeto Thame/CMADS (aditados os trechos sem itálico) Art. 10. (…) inc. X – o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais, exceto substâncias e materiais biológicos obtidos, extraídos ou isolados da naturezaa que  atendam aos requisitos de patenteabilidade previstos no art. 8º, atendidas as disposições previstas na legislação de acesso aos recursos genéticosb.

Art. 18. (…) inc. III – o todo ou parte de seres vivos, exceto os micro-organismos transgênicos e as substâncias e materiais biológicos obtidos, extraídos ou isolados da natureza previstos no inciso IX do art.10c, que atendam aos requisitos de patenteabilidade previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta.

A crítica a temas específicos constantes das emendas aditivas, ressaltadas pelas letras justapostas, esclarecerá os objetivos e as impropriedades do projeto de lei em análise: 

a) A possibilidade de um país excepcionar as substâncias e materiais da natureza está prevista no Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (ADPIC), artigo 27.1.3:

“Os Membros também podem considerar como não patenteáveis: (…) (b) plantas e animais, exceto micro-organismos e processos essencialmente biológicos para a produção de plantas ou animais, excetuando-se os processos não-biológicos e microbiológicos”. 

O ADPIC, como todo acordo, é primordialmente contido por obrigações mandatárias, mas, infelizmente, sem obrigações para os titulares de direitos. Em raros casos, é deixada a opção aos países, como na disposição em tela. À época, unicamente a legislação dos EUA permitia a proteção às descobertas, fato também do interesse imediato da indústria farmacêutica, possibilitando a opção aos países. Porque descobertas? De fato, desde a primeira lei de patentes em 1477 na cidade de Veneza, jamais foi concedida a proteção patentária a substâncias ou matérias da natureza, somente às transformações da natureza pelo trabalho do homem. A ausência da proteção se explica: caso protegidas matérias ou substâncias da natureza, se estaria impedindo quaisquer invenções para outros usos – aqui também se explica porque não se confere proteção da mesma patete para outros usos.

Afinal, mas não finalmente, o projeto define a apropriação privada da natureza como invenção, com evidente prejuízo ao desenvolvimento científico e tecnológico.

b) Desde que não atendidas as disposições de nossa legislação de acesso aos recursos genéticos, não se poderá conceder a proteção patentária – é uma disposição colidente com o ADPIC, conforme o artigo 27.1.2:

“Os Membros podem considerar como não patenteáveis (…) desde que esta determinação não seja feita apenas porque a exploração é proibida por sua legislação”.

Assim sendo, o projeto demonstra um claro desconhecimento dos nossos compromissos internacionais.

c) Mais uma vez o projeto se propõe a adotar a opção do ADPIC e transformar descoberta em invenção. Enquanto a nossa lei confere proteção aos micro-organismos transgênicos (invenção, pois transforma a natureza), o projeto objetiva proteger micro-organismos, sem qualquer transformação, meramente por isolá-lo. Será que o conceito de invenção no inciso XXIX, artigo 5º da Constituição Federal, permitia a proteção de descobertas e a Lei nº 9.279/96 não autorizava?

A Proteção no Brasil. A Lei nº 9.279/96 não confere proteção a descobertas, em suma, a uma matéria da natureza, dela extraída ou isolada, por não conter novidade, nem atividade inventiva, ainda que, como qualquer matéria ou substância natural, possa ser utilizada em uma produção industrial. Por conseguinte, o processo adotado para isolar ou extrair uma substância da natureza é passível de proteção, desde que seja uma novidade, haja uma atividade inventiva e tenha aplicação industrial. E, portanto, matérias da natureza, inclusive micro-organismos, não são patenteáveis.

A proteção a matérias da natureza, caso fossem patenteáveis no passado, por certo haveria de impedir o desenvolvimento da humanidade. Assim, por exemplo, a patente do petróleo, por haver sido isolado da natureza, sem dúvida retardaria o desenvolvimento da humanidade. Recentemente, o Supremo Tribunal dos EUA deu os primeiros passos no caso BRAC 1 e 2, negando a proteção patentária. Esperamos que nossos parlamentares sejam minimamente progressistas, negando o projeto em tela.

A.L. Figueira Barbosa
A.L. Figueira Barbosa
Economista de Bio-Manguinhos/Fiocruz.
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