REVISTA FACTO
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Jan-Mar 2015 • ANO IX • ISSN 2623-1177
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//Artigo

O DESAFIO DE AGREGAR VALOR À INDÚSTRIA

A degradação do valor das exportações brasileiras, decorrente de um persistente processo de desindustrialização deflagrado no início da década de 1990, precisa ser detida o quanto antes, sob pena de causar um grave desequilíbrio nas contas externas. Algumas recentes experiências em política industrial – no setor farmacêutico, por exemplo – mostraram que a preferência para produtos fabricados no País, embora indispensável, é insuficiente para reverter essa tendência. O cenário é preocupante.

“Não vejo outra saída que não seja a ampliação das atuais políticas industriais, numa política de Estado voltada para o desenvolvimento tecnológico do País em diversas áreas do conhecimento” – afirma o presidente da Nortec Química, Nicolau Lages. “É claro que país nenhum consegue tornar-se tecnologicamente desenvolvido de um ano para o outro e nem de uma década para outra, mas também é verdade que nenhum país conseguirá se desenvolver sem perseguir esse objetivo”. A reportagem a seguir apresenta as inquietações e sugestões de executivos e especialistas das diversas áreas da química fina sobre o caminho que o Brasil deve trilhar para uma reindustrialização de qualidade, compatível com a atual “economia do conhecimento”.

O CUSTO DE PRODUZIR NO BRASIL

Sergio Frangioni, CEO da Blanver, indústria de excipientes para medicamentos, entende que a indústria deve aproveitar os bons momentos da política industrial para investir proativamente em inovação tecnológica. “A Blanver, antes de começar a exportar, criou um mercado interno e isto foi feito a partir dos anos 1980. Naquela época, a política nacional consistia em aumentar tarifas de importação para proteger a indústria nacional. A questão é que muitas empresas não investiram nos seus negócios, achando que a política de tarifar os produtos importados seria interminável. Foi justamente nesse período que investimos no nosso negócio, focando especialmente em tecnologia e inteligência para ampliar nossa produtividade. Por isso ganhamos escala na nossa produção, o que é um primeiro passo para exportar”.

Para Frangioni, a política industrial dos anos 1980 no Brasil foi “um embrião, e as PDPs atuais são políticas que estão dando muito certo. O próximo passo para a indústria nacional é investir constantemente em inovação, porque sem inovação o preço agregado do produto vai decaindo ao longo do tempo, até que ele se torne uma commodity”.

Outros entrevistados chamam atenção para as dificuldades que um cenário macroeconômico adverso impõe ao impulso inovador das empresas. “Alta inflação, altos juros e impostos crescentes são inimigos de qualquer empresa que se disponha a investir em inovação” – pondera Flávio Cavalcanti, diretor industrial da Oxiteno. Rodrigo Pinto, diretor da Fábrica Carioca de Catalisadores (FCC), aponta o problema dos custos de produção como o maior obstáculo. “O que tem impacto muito forte na nossa área são os custos relacionados à carga tributária e os custos de importação e exportação”.

Hoje, produzir um catalisador industrial no Brasil custa 70% mais que nos EUA e na Europa, segundo os cálculos do diretor da FCC. “Por que nosso custo é alto? Todos os nossos fornecedores de matérias-primas e utilidades, que em sua grande maioria são nacionais, arcam com custos muito elevados que vão se somando na cadeia produtiva e pesam nas nossas aquisições; principalmente as utilidades – gás natural e eletricidade, fornecidos por monopólios privados no País e pelos quais pagamos sete a oito vezes mais que nossos congêneres estrangeiros”. Os altos custos dos sistemas de importação e exportação, por sua vez, fazem com que “catalisadores produzidos nos Estados Unidos e na Europa cheguem à Argentina com preços inferiores aos nossos, apesar da distância muito maior”.

O presidente da Globe Química, Jean Peter, também vê o custo de produção como um grande empecilho à inovação tecnológica. “Temos um Estado ineficiente, que custa muito à sociedade brasileira – quase 40% do PIB. Não há economia que aguente. Temos uma burocracia à qual poucos países se igualam, e uma política de meio ambiente sueca numa realidade tropical. Então, temos um Custo Brasil monumental sobre a indústria”.

Peter menciona também como um problema crucial “nossa legislação trabalhista irreal. É equivalente à espanhola e à italiana, mas se formos comparar com os países que estão avançando, como Coreia, China e Indonésia, estamos muito atrás. Mesmo os Estados Unidos hoje têm uma legislação trabalhista mais realista do que a nossa”.

Na opinião de Peter Andersen, presidente do grupo Centroflora, o considerável gap do Brasil na agregação de valor à indústria tem uma dimensão cultural, “pois ainda está impregnada no País a cultura das grandes commodities, sejam agrícolas ou minerais”. Por outro lado, ele afirma que as agências de fomento estão excessivamente concentradas nas grandes empresas nacionais, “o que está longe de ser uma política de estímulo ao crescimento sustentável do País”.

Na indústria agroquímica o cenário é desalentador. Para Jurandir Paccini, presidente da Ourofino Agrociência, o setor “carece demais de políticas públicas específicas. A importação de defensivos agrícolas bateu novo recorde e o déficit da balança comercial brasileira nessa área, que era de US$ 1 bilhão em 2005, pulou para US$ 5 bilhões em 2013 e para mais de US$ 7 bilhões em 2014. Isto demonstra a fragilidade da indústria nacional e a total dependência da importação desses insumos”.

A indústria farmacêutica, por sua vez, embora também tenha dificuldades no processo de agregação de valor, mostra- se em geral mais otimista, por estar sendo diretamente beneficiada pelo programa das PDPs. “Há um esforço para se criar efetivamente um sistema de inovação no Brasil” – afirma Reginaldo Arcuri, presidente do grupo Farmabrasil. “Entretanto, temos ainda alguns problemas fundamentais. O primeiro é uma necessidade de aprimoramento da coordenação entre órgãos, entidades e recursos disponíveis pelo setor público para inovação. Diversos órgãos com missões muito díspares, como o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o Ministério do Desenvolvimento, o BNDES e o Sebrae, de uma forma ou de outra têm estruturas para o apoio à inovação na indústria. No entanto, se considerarmos os números da inovação no Brasil, seja o percentual do PIB que é investido em P&D, seja o número de patentes geradas, veremos que o resultado desse esforço ainda está aquém do que o País precisa”.

“O PRÓXIMO PASSO PARA A INDÚSTRIA NACIONAL É INVESTIR CONSTANTEMENTE EM INOVAÇÃO, PORQUE SEM INOVAÇÃO O PREÇO AGREGADO DO PRODUTO VAI DECAINDO AO LONGO DO TEMPO, ATÉ QUE ELE SE TORNE UMA COMMODITY ”. – SERGIO FRANGIONI

Ainda assim, o setor farmacêutico é hoje, na opinião de Arcuri, “o melhor exemplo de articulação de vários mecanismos e efetiva aplicação do poder de compra governamental. Nas PDPs, combinou-se de forma virtuosa o aperfeiçoamento do marco regulatório com o uso do poder de compra. O fato de a saúde ser uma garantia constitucional no País, sustentada por um sistema público e universal, faz com que efetivamente se possa usar esse conjunto de ferramentas para gerar um desenvolvimento significativo da cadeia de fármacos e medicamentos no Brasil”.

Os resultados são inquestionáveis, ao menos no que tange à nacionalização da produção industrial. Hoje a indústria brasileira já abastece mais da metade do mercado interno e, segundo Arcuri, concentra a produção de fármacos e a pesquisa inovadora nesse setor. “Por isso, o setor farmacêutico nacional é forte candidato a um salto tecnológico em curto prazo, tão importante quanto os setores de petróleo, aeronáutica e agricultura”.

O presidente da Nortec também considera que, mesmo no aspecto tecnológico, o programa de PDPs tem sido muito vantajoso para o País. “A tecnologia é transferida para o laboratório público rapidamente, o que representa um ganho relevante, porque o Ministério da Saúde precisa atender a uma demanda muito grande de medicamentos para o SUS e os laboratórios oficiais não têm tecnologia para formular. Ao mesmo tempo, se o laboratório privado for dono da tecnologia de fabricação do princípio ativo, ele é obrigado a transferi-la para uma farmoquímica nacional, que absorve a tecnologia e passa a explorá-la comercialmente”.

“O IDEAL SERIA CONCEBER O PROGRAMA DAS PDPs DE UMA FORMA BASTANTE AMPLA, INCLUINDO MEDICAMENTOS INOVADORES, QUE AINDA NÃO ENTRARAM NA LISTA DE PRIORIDADES, MAS QUE SÃO DE GRANDE IMPORTÂNCIA PARA A SOCIEDADE”. – MARCIA BUENO

Por outro lado, a sustentabilidade da absorção de tecnologia está longe de ser assegurada pela simples oficialização de uma PDP. De acordo com Lia Hasenclever, professora do Instituto de Economia da UFRJ, a transferência de tecnologia para o laboratório nacional produtor do IFA e para o laboratório produtor do medicamento “não se dá espontaneamente. A empresa receptora tem que fazer investimentos no sentido de absorver a tecnologia. Se não houver um esforço nessa direção, quando for necessário ampliar a capacidade produtiva ou fazer inovações no entorno da tecnologia recebida, tudo será difícil”. Esta preocupação foi acolhida pelo Ministério da Saúde e, segundo a professora, “agora está explícito que deve haver investimento na capacidade de absorção de tecnologia das empresas nacionais, públicas ou privadas. Esse investimento passa pelo treinamento dos funcionários na nova tecnologia e pela adequação física da empresa”.

A capacitação de recursos humanos é percebida por diversos entrevistados como uma questão crucial. Peter Andersen afirma que as tentativas de aumentar a competitividade da indústria brasileira ainda esbarram no “conhecido problema da mão de obra qualificada”. Mas não é só isto. Na opinião de Jean Peter e Reginaldo Arcuri, é forçoso reconhecer que o Brasil ainda carece de uma educação básica de qualidade. Segundo o presidente da Globe, “se compararmos o Brasil com os países que estão se desenvolvendo, como a Coreia e a China, nossa educação básica é péssima. Este é um problema cultural, que vem desde a época colonial. É conveniente não educar as pessoas porque assim elas não questionam, não têm opinião própria”.

COMO AGREGAR VALOR À INDÚSTRIA

Países interessados em agregar valor à sua produção industrial adotam, invariavelmente, um conjunto de políticas públicas para estimular esse viés. Os instrumentos mais comuns são tarifas de importação sobre os produtos estrangeiros concorrentes; marcos regulatórios sanitário, ambiental e de propriedade intelectual favoráveis à indústria local; incentivos fiscais; financiamento público atrativo; preferência para produtos nacionais nas compras governamentais e parcerias público-privadas para o desenvolvimento tecnológico de segmentos industriais considerados estratégicos.

A indústria de catalisadores industriais, segundo o diretor da FCC, necessita apenas de redução da carga tributária e dos custos de importação e exportação para se desenvolver plenamente e agregar ainda mais valor à produção local. “Estamos trabalhando com uma tarifa de importação muito baixa, da ordem de 4%. Não existe proteção ao nosso negócio. Por outro lado, a redução dos custos de exportação teria um impacto importantíssimo”.

Já na indústria de aditivos químicos, uma política de inovação demandaria, além de incentivos fiscais, financiamento subvencionado para programas de cooperação científica e tecnológica. Segundo Flávio Cavalcanti, da Oxiteno, “o desenvolvimento da competência científica e tecnológica brasileira, já apreciável no que tange a alguns segmentos-alvos da indústria de especialidades, deve ser acelerado e estendido a todos os demais segmentos, principalmente através da cooperação científica de universidades e instituições de pesquisas brasileiras com as de países que se destacam em cada segmento específico”.

Tais programas, na visão do diretor da Oxiteno, devem ser prioritariamente financiados pelo governo, “mesmo quando seus objetivos estejam – como deve ser, aliás – alinhados aos interesses de empresas brasileiras. Esses financiamentos devem ser oferecidos na modalidade ‘subvenção a fundo perdido’, com compensação apenas no caso de sucesso comercial do programa”. Porém, como o conhecimento científico e tecnológico não gera, por si só, inovação nem agregação de valor à produção, é necessário também, acrescenta Cavalcanti, desenvolver competência comercial, “isto é, o domínio completo das melhores práticas de manufatura, comercialização, cadeia de suprimentos, logística, inteligência de mercado, monitoramento de desempenho etc.”

Nicolau Lages considera válido todo instrumento indutor de agregação de valor à indústria doméstica. “Diversos mecanismos vêm sendo utilizados ao longo da história da indústria, cada um com sua eficácia específica em determinadas condições e de acordo com os objetivos visados. Em primeiro lugar, precisamos analisar o potencial do mercado brasileiro privado e público para cada segmento. O governo deverá usar o seu poder de compra para estimular o desenvolvimento através de parcerias público-privadas, principalmente para as encomendas tecnológicas. Deverá, também, usar as agências reguladoras para criar um ambiente isonômico e propício ao investimento local. Havendo o mercado, a boa formação escolar e um ambiente estável, propício à produção local, os investimentos virão”.

Para Marcia Bueno, diretora de Relações Institucionais da Libbs Farmacêutica, a eficácia da política industrial depende principalmente da articulação entre os instrumentos, além de uma adequada divisão de atribuições entre os agentes públicos e privados. “A PDP é um modelo a ser valorizado, porque cria sinergia. O ideal seria conceber esse programa de uma forma bastante ampla, incluindo produtos muito inovadores, que ainda nem entraram na lista de prioridades, mas que já deveriam receber alguns estímulos desse modelo. A produção deve ficar sempre com o parceiro privado, enquanto o parceiro público deve permanecer focado no desenvolvimento ou na absorção da tecnologia. Talvez o mais importante no final nem seja a produção, mas sim o conhecimento tecnológico, o desenvolvimento de linhas de pesquisa que articulem o conhecimento acadêmico com o industrial – em suma, a gestão da inovação. Esta linha de atuação é que pode agregar valor, e não a reserva de mercado”.

A professora Lia Hasenclever chama atenção para a relação entre o aspecto econômico da evolução das PDPs – especificamente o preço fixado para aquisição do produto pelo Ministério da Saúde – e o estímulo à inovação. “O cenário não está sendo analisado do ponto de vista do tempo de vigência da patente em questão. A literatura mostra que os preços de medicamentos patenteados caem à medida que se aproxima o término da proteção de patente. Então, se negociamos o preço de uma parceria envolvendo patente que acabou de ser lançada e terá quatorze anos de vigência, o preço deve ser mais alto do que no caso de uma patente com seis meses para vencer”.

Esta discussão foi suscitada a partir de uma pesquisa de doutorado em andamento, de autoria de Gabriela Chaves (Ensp/Fiocruz), que acompanhou a flutuação dos preços de um medicamento objeto de PDP – o Atazanavir. “Observamos um comportamento estranho. O preço vinha descendo, depois subiu, e nesse momento foi negociada a parceria. Pela regra então vigente, que determinava 5% de redução do preço a cada ano, no final dos cinco anos da PDP o produto ficaria com um preço mais alto que o que vigorava anteriormente à assinatura da parceria. Ora, o que ganhamos com isso?” – questiona a professora.

Mesmo apontando essa distorção – “damos uma garantia de compra que tem valor no mercado, e precisamos exigir a contrapartida desse valor, que é a redução do preço” – Hasenclever entende que a credibilidade do programa não está comprometida. “A política das PDPs é muito bem pensada e articulada. Temos a demanda atendida e a melhoria da produção nacional com transferência de tecnologia, portanto com upgrade no sentido de uma produção mais qualificada. Do ponto de vista do financiamento, temos o Procis, programa de equipamento dos laboratórios públicos. Do lado dos laboratórios privados tem havido, com apoio do ProFarma/BNDES, investimentos significativos em capacitação tecnológica e industrial. Estão presentes todos os elementos necessários, inclusive articulação com a parte regulatória, já que a Anvisa tem feito fast track para todas as parcerias”.

“TEMOS QUE CONTEMPLAR O MERCADO INTERNO NUMA POLÍTICA DE LONGO PRAZO, MAS SE QUISERMOS RETORNO EM PRODUÇÃO INDUSTRIAL É PRECISO EXPORTAR”. – AKIRA HOMMA

O presidente do Conselho Político e Estratégico do laboratório público Bio-Manguinhos, Akira Homma, já está pensando no futuro próximo do programa das PDPs. “Trabalhar com medidas para desburocratização da exportação e com programas de financiamento à exportação da indústria, como o governo está fazendo nesta nova fase, são maneiras de facilitar as coisas. Na química fina, e na área biotecnológica, o governo como um todo deve buscar uma política visando à exportação. Todos os grandes países exportadores atingiram alta competitividade no mercado internacional porque contaram com uma política de Estado apoiando a produção. Evidentemente, temos também que contemplar o mercado interno, numa política de longo prazo, mas se quisermos retorno em produção industrial é preciso exportar”.

Foco na exportação é também a recomendação do presidente da Centroflora. “Programas como a Lei do Bem, Reintegra, isenção de impostos nas exportações e ZPEs, entre outros, são importantes instrumentos para que as empresas mudem suas estratégias em direção ao desenvolvimento da propriedade intelectual brasileira e se dediquem mais à competição no mercado internacional. Apesar das dificuldades, não devemos ficar presos dentro da estratégia atual, que fatalmente nos trará índices de crescimento pífios”.

Andersen adverte para a importância de o País encontrar uma solução para o impasse da lei de acesso à biodiversidade. “A exploração dessa riqueza será um caminho muito promissor para a criação de moléculas brasileiras, não apenas para o mercado farmacêutico, como também para os segmentos alimentício, cosmético, veterinário etc. Acredito na biodiversidade como um mecanismo de geração de propriedade intelectual – talvez o mais viável para o Brasil, no momento”.

“A MESMA REGRA APLICADA AO NACIONAL TEM QUE SER APLICADA AO ESTRANGEIRO, TANTO NO ASPECTO SANITÁRIO COMO NO AMBIENTAL. SÓ ASSIM TEREMOS EFETIVA ISONOMIA REGULATÓRIA”. – JEAN PETER

Além da aposta na vantagem competitiva representada pela rica biodiversidade brasileira, Andersen faz as seguintes sugestões para uma estratégia de agregação de valor à indústria nacional: política de fomento voltada para as médias e pequenas empresas nacionais – “afinal, de onde estão saindo boa parte das inovações do setor farmacêutico senão das pequenas biotecs, que depois são compradas pelas grandes?”; política de popularização e simplificação dos instrumentos de redução da carga tributária para empresas inovadoras e exportadoras, dado que “pouquíssimas empresas se valem da Lei do Bem”; capacitação de mão de obra técnica, começando pela importação de talentos, “modelo usado até hoje pelos EUA”; esforços concentrados visando a uma mudança de cultura que promova maior internacionalização das empresas brasileiras, pois “somos vistos no mundo apenas como ‘mercado potencial’ e não como geradores de riqueza”; e fortalecimento das redes de PD&I, tendo em vista que “o País investiu fortemente em estrutura tecnológica, mas persiste a dificuldade de ligar os elos e firmar parcerias sinérgicas entre o setor público e o privado”.

FALTA DE ISONOMIA É O GRANDE OBSTÁCULO

A política econômica neoliberal dos anos 1990 deixou uma herança maldita que, a despeito dos avanços logrados na última década, continua solapando os esforços de reindustrialização do País. Ao contrário de todos os países desenvolvidos e da vanguarda dos emergentes, o Brasil não tem tido grande sucesso na consolidação de políticas que favoreçam a agregação de valor ao produto nacional. O tratamento isonômico em relação aos importados ainda é uma causa pela qual se luta, e que afeta todos os segmentos da indústria em maior ou menor grau.

Em setores industriais não submetidos a órgãos reguladores, o problema da falta de isonomia concentra-se na esfera tributária. “O marco regulatório, tanto sanitário como de propriedade intelectual, não afeta nossa indústria” – afirma o diretor da FCC. “Por ser um produto para consumo industrial, e não para consumo humano direto ou indireto, o catalisador está sujeito a muito menos regulamentação”.

Na indústria agroquímica esse problema ganhou proporções escandalosas. Segundo Jurandir Paccini, “por uma aberração tributária, hoje o imposto de importação sobre um defensivo formulado é zero, enquanto que a importação de matéria-prima para formular esse mesmo produto no Brasil é gravada com um imposto de 8 a 14%. Desde 2005, quando essa distorção entrou em vigor, está havendo uma escalada brutal nas importações de defensivos prontos para uso. A primeira medida, então, é reajustar as tarifas de importação usando os mesmo critérios que o governo usa em outros produtos: quanto mais importações de produtos prontos para uso, menos valor se agrega no Brasil, portanto o imposto tem que ser maior”.

Nos setores agroquímico e farmacêutico a regulação sanitária é um fator decisivo para a competitividade, que pode funcionar como estímulo ou como barreira à inovação, conforme a capacitação técnica das agências envolvidas e as políticas públicas que orientam suas atividades. “Sem a Anvisa não se produz um miligrama sequer de fármacos e medicamentos” – afirma Reginaldo Arcuri. “A pesquisa não se transforma por si só em medicamento acessível à população, mas sim quando seu resultado dá origem a um produto que será analisado pela Anvisa. É assim em qualquer lugar do mundo. Se não houver uma agência capaz de aprovar os projetos de desenvolvimento de medicamentos inovadores, não se faz inovação alguma”.

O presidente da Globe lembra que não se garante isonomia regulatória somente com atos normativos, mas sim com fiscalização generalizada, que obriga o importador a fornecer produtos de qualidade e ajuda a equilibrar a competição. “A mesma regra aplicada ao nacional tem que ser aplicada ao estrangeiro, tanto no aspecto sanitário como no ambiental. Só assim teremos efetiva isonomia regulatória. Deveríamos estar trabalhando junto com a Anvisa para ter um regulatório severo, praticado interna e externamente. Os produtos farmoquímicos chineses que vêm para o Brasil, por exemplo, não são vendidos nos EUA”.

Se a regulação sanitária brasileira ainda é um obstáculo à agregação de valor na cadeia produtiva de medicamentos, que é um dos setores prioritários na atual política industrial, na cadeia agroquímica, e mais especificamente no segmento de defensivos agrícolas, o cenário é bem pior. Nele a regulação tem funcionado como um estímulo ao aumento das importações, agravando o gigantesco déficit comercial do setor. “Há muita incerteza e dificuldade para a indústria que produz no País obter registros de defensivos” – afirma o presidente da Ourofino. “A exemplo do que ocorre na área da saúde humana, deveríamos ter prioridade no registro de produtos de fabricação local”.

Júlio Sergio de Britto, coordenador geral de Agrotóxicos e Afins do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), informa que já está em fase de elaboração uma lista de insumos estratégicos, entre eles os defensivos agrícolas, para que tenham avaliação priorizada na Anvisa e no Ibama. “O procedimento tem em vista identificar prioridades para avaliação de produtos não apenas para atender a demandas emergenciais da agricultura, mas também para estimular o aumento da competitividade dessas indústrias, com consequente redução de custos e preços para o agricultor”.

“O QUE PEDIMOS É QUE A PRODUÇÃO SEJA BRASILEIRA. HOJE IMPORTAMOS TUDO, E O QUE SOBRA PARA O BRASIL É APENAS TRATAR DO LIXO, ISTO É, DO RESÍDUO DAS EMBALAGENS”. – JURANDIR PACCINI

Existe também, segundo Britto, a preocupação de fomentar produtos atualmente fabricados no País, priorizando-se aqueles que tenham formulação ou síntese local, de forma a ampliar a oferta desses produtos a custo competitivo e incentivar a produção local. As prioridades envolvem três linhas de produtos para combater pragas. “Uma delas, antiga, mas persistente, é a ferrugem da soja. Embora haja muitos produtos para controle dessa doença, ela causa grandes danos e é sempre interessante incentivar novas tecnologias que possam auxiliar o agricultor no momento de rever suas estratégias. A segunda linha contempla duas emergências fitossanitárias declaradas: a da lagarta Helicoverpa armigera e a da broca do café, que atinge lavouras em Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo. Em ambos os casos temos vários pedidos de registro de produtos cuja análise deve ser priorizada. Temos também demandas relativas a culturas que não estão recebendo suporte fitossanitário adequado – as chamadas minor crops, que contam com poucos produtos registrados para o controle de pragas e doenças que as afetam. Esse segmento também terá prioridade na avaliação”.

No caso do café, a emergência fitossanitária acabou surgindo após o banimento, em 2013, do endosulfan, que era um produto bem sucedido no controle de pragas do café. “A partir daí os agricultores passaram a ter dificuldades com produtos registrados à base de outros ativos, que não estão apresentando bons resultados agronômicos”, afirma o executivo do Mapa. O problema é que a maioria dos novos pedidos de registro de produtos para combater a broca do café vem de fora do País. Como evitar a desnacionalização crescente do abastecimento de defensivos nesse segmento? Britto esclarece que será estabelecido “um item a mais na lista de prioridades, que de certa forma será uma garantia de oferta mais rápida para o produto de fabricação nacional”.

O fato é que a indústria nacional de defensivos vem perdendo terreno, aceleradamente, no mercado interno. Na fila da Anvisa encontram-se em torno de 750 processos para registros de novos produtos técnicos por equivalência (genéricos), cerca de 800 pedidos para registro de novas formulações e cerca de 1.700 para alterações técnicas em produtos já registrados. A grande maioria desses pedidos vem de estrangeiros, porque, segundo Britto, “nossa linha de síntese desses produtos ainda é muito pequena. Precisamos de um incentivo maior para a síntese. Temos muitas plantas formuladoras, mas dependemos do produto técnico, que é importado”.

Jurandir Paccini considera essa evolução uma conseqüência natural da condição do Brasil de maior mercado de defensivos agrícolas do mundo. “Por isso é que há interesse de empresas do mundo todo em estarem presentes aqui. Como ainda existe a facilidade de exportação para o Brasil sem tributação, acaba ocorrendo maior número de registros”.

Por outro lado, essa condição só pode ser vista como “natural” quando se leva em conta que não há nenhuma proteção à fabricação local de defensivos agrícolas. “Não temos nada contra empresas estrangeiras registrarem produtos no Brasil. O que pedimos é que a produção seja brasileira. Hoje importamos tudo, e o que sobra para o Brasil é apenas tratar do lixo, isto é, do resíduo das embalagens” – lamenta Paccini.

O quadro atual de desagregação de valor na cadeia produtiva do agronegócio pode ser radicalmente alterado sem necessidade de medidas complexas. Paccini acredita que, “se o governo corrigir o desequilíbrio do imposto de importação e priorizar o registro para produtos feitos no Brasil, no prazo de três anos será possível ter uma redução de 60 a 70% no déficit da balança comercial do setor. Estamos falando de uma economia de US$ 5 bilhões com duas medidas relativamente simples. Considerando que a balança comercial brasileira fechou 2014 com déficit de US$ 3,5 bilhões, só com essas medidas se poderia reverter o saldo negativo”.

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