REVISTA FACTO
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Out-Dez 2014 • ANO VIII • ISSN 2623-1177
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PDPs: NOVAS REGRAS
//Artigo

PDPs: NOVAS REGRAS

É inteiramente compreensível e vem em boa hora a iniciativa do ministro Arthur Chioro de consolidar os princípios e os ritos da Política de Desenvolvimento Produtivo, em particular nos capítulos da definição dos produtos estratégicos, da articulação intragovernamental e das PDPs. Num diagnóstico geral do conteúdo da Portaria, deve ser dito que sua publicação fornece mais segurança a todos os envolvidos. Mas ao lado dessa apreciação positiva, emergem algumas dúvidas, bem como a constatação de que certos ângulos da regulamentação apresentada cristalizam pontos problemáticos. O objetivo desse texto é analisar as disposições da Portaria em alguns de seus aspectos. Como elemento organizador dos comentários seguintes, entendemos ser de utilidade elencar as dimensões essenciais da Política de Desenvolvimento Produtivo.

É inteiramente compreensível e vem em boa hora a iniciativa do ministro Arthur Chioro de consolidar os princípios e os ritos da Política de Desenvolvimento Produtivo, em particular nos capítulos da definição dos produtos estratégicos, da articulação intragovernamental e das PDPs. Num diagnóstico geral do conteúdo da Portaria, deve ser dito que sua publicação fornece mais segurança a todos os envolvidos. Mas ao lado dessa apreciação positiva, emergem algumas dúvidas, bem como a constatação de que certos ângulos da regulamentação apresentada cristalizam pontos problemáticos. O objetivo desse texto é analisar as disposições da Portaria em alguns de seus aspectos. Como elemento organizador dos comentários seguintes, entendemos ser de utilidade elencar as dimensões essenciais da Política de Desenvolvimento Produtivo. São elas:

1. A orientação do mercado mediante a publicação do rol de produtos estratégicos para o SUS.

2. A utilização do poder de compra do Estado como ferramenta de desenvolvimento industrial e de ampliação do acesso a produtos industriais de saúde.

3. A articulação da vigilância sanitária com o desenvolvimento industrial em saúde.

4. O desenvolvimento de mecanismos eficientes de avaliação e incorporação de tecnologias.

5. O estabelecimento de acordos tecnológicos e produtivos mediante parcerias público-privadas, cujos principais desafios são:

a – A maximização da taxa de sucesso das parcerias medida pela efetiva entrega dos produtos envolvidos;

b – A maximização da apropriação das tecnologias envolvidas, seja por desenvolvimento local, seja por transferência de tecnologias do exterior;

c – A verticalização dos processos produtivos no País;

d – A garantia da eficácia e da segurança dos produtos envolvidos nas parcerias;

e – A manutenção pactuada de uma trajetória de preços decrescentes, com a devida preservação da sustentabilidade negocial de cada parceria.

Nossa apreciação do esforço do Ministério da Saúde será relativa ao quanto a Portaria se aproxima (ou não) dessas dimensões. A Portaria trata diretamente de três das cinco elencadas acima, a saber: (i) a orientação do mercado; (ii) o estabelecimento de acordos mediante PDPs; e (iii) a articulação da Anvisa e de ministérios com o desenvolvimento industrial em saúde.

A ORIENTAÇÃO DO MERCADO

Quanto à publicação da lista de produtos estratégicos, deve ser mencionado o alargamento do escopo de classes de produtos, abarcando agora a totalidade de produtos finais industriais relacionados à saúde humana, bem como a introdução de produtos intermediários, nomeadamente os casos de software embarcado em dispositivos médicos ou utilizados em sistemas de informação e comunicação voltados à saúde. A lista terá uma atualização anual e sua composição deverá seguir recomendações do Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde (Gecis). Abre-se a possibilidade de modificações ad-hoc da lista e sua divulgação anual deve ser concomitante à divulgação do calendário das reuniões do Gecis naquele ano.

O ESTABELECIMENTO DE ACORDOS POR PDPs

A maioria das disposições da Portaria vincula-se à normatização dos acordos tecnológicos e produtivos mediante parcerias público-privadas (PDPs) e, neste tema, vale analisar o relacionamento dessas normas com os pontos que mencionamos no início do texto.

A Portaria é minuciosa quanto à definição de diretrizes e requisitos para uma PDP (cerca de 30 itens). Merece comentário, entretanto, a definição dos sujeitos participantes da PDP. Está no artigo 9º. Curiosamente, entre os objetivos da participação das entidades privadas, não aparecem as etapas de “pesquisa e desenvolvimento”. Estas só estão presentes no âmbito das instituições públicas. É como se o polo privado da parceria prescindisse de P&D locais.

A despeito da riqueza de diretrizes e requisitos, não existe a previsão de que a empresa privada selecionada seja detentora de unidade fabril com produção regular já estabelecida no País. A ausência dessa orientação abre caminho para que uma instituição pública eleja um parceiro privado sem produção local, o que não nos parece razoável, exceto no caso de vacinas, em que não há produtores privados nacionais. Melhor estaria se o requisito estivesse presente e as parcerias relacionadas a vacinas estivesse ressalvada.

O estabelecimento de uma PDP deve passar por quatro fases, a saber: (i) a proposta de projeto; (ii) o projeto de PDP; (iii) o início efetivo da execução da PDP; e (iv) a conclusão da PDP com a internalização da tecnologia e sua efetiva transferência do parceiro privado ao parceiro público.A PROPOSTA DE PROJETO
A proposta de PDP deve dar entrada (em papel) entre 1º de janeiro e 30 de abril, admitida a possibilidade excepcional (pelo Ministro de Estado) de entrada após esse período. Ausente na consulta pública, vale mencionar o desenvolvimento local do produto candidato, além do mecanismo tradicional da transferência de tecnologia. Essa inclusão enfatiza o desenvolvimento local e a verticalização nas PDPs. Quanto à análise das propostas, são apresentados 15 critérios de mérito. Outro aspecto enfatizado é o grau de integração produtiva embutida na proposta, que deve prever em prazos determinados a progressiva verticalização com a garantia do acesso, pelo laboratório público, do arquivo mestre do produto (no caso de rotas de síntese) ou do banco de células mestre (no caso de rotas biológicas). Quanto ao processo de produção, merece registro a solicitação da especificação dos investimentos necessários (infraestrutura e equipamentos), bem como das despesas de todo o pessoal envolvido no projeto. Entretanto, é curioso observar que o registro dessas despesas não é previsto estar em jogo na definição posterior dos preços de aquisição do produto pelo SUS caso a PDP seja bem-sucedida. Essa dissintonia pode estar relacionada à diferença entre os componentes organizacionais envolvidos nas duas operações. Na análise do projeto, preponderantemente a SCTIE. No processo de aquisição, a Secretaria Executiva e as secretarias finalísticas (Atenção à Saúde e Vigilância em Saúde), com uma participação apenas técnica da SCTIE que é, afinal, a gestora principal da política. Para a estimativa de preços futuros é elencado um conjunto de nove balizadores, a saber: (1) Banco de Preço em Saúde (BPS) e o Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais (SIASG); (2) preço praticado na última aquisição do produto pelo Ministério da Saúde, conforme extratos publicados no Diário Oficial da União; (3) Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS; (4) atas de registros de preços do sítio eletrônico do Portal de Compras do Governo Federal e os sistemas nacionais de informações de saúde do SUS, para os demais produtos de aquisição não centralizada; (5) Sistema de Acompanhamento de Mercado de Medicamentos (Sammed) da CMED; (6) Sistema de Apoio à Elaboração de Projetos de Investimentos em Saúde (Somasus) do Ministério da Saúde; (7) Fundo Rotatório da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas); (8) os preços definidos pela CMED, de acordo com a legislação vigente; (9) preços médios praticados no mercado internacional de países contemplados pela CMED. É lícito supor que a variação de preços entre tantas fontes termine por desorientar os técnicos que vão analisar os projetos. Uma importante formalização na Portaria trata da avaliação e acompanhamento dos projetos, a cargo de Comissões Técnicas de Avaliação (CTA) e do Comitê Deliberativo, aquelas com um corte técnico e este com atribuições finalísticas e recursais. Essa formalização confere maior transparência e padronização ao processo de definição das PDPs. Por outro lado, o número de critérios elencados está claramente inflacionado. São 15 critérios para análise e outros 15 para desempate. Na falta de uma hierarquização da importância de cada um deles, esse grande número de critérios pode dificultar o trabalho das CTAs. A aprovação de um projeto de PDP deve ser coroada com a assinatura de um termo de compromisso entre o(s) laboratório(s) público(s) e o Ministério da Saúde e por um termo de concordância com o mesmo firmado pelo polo privado da parceria.

O PROJETO DE PDP

Essa fase versa apenas sobre as tratativas negociais entre os polos público e privado da PDP. A Portaria admite alterações da proposta de projeto constante no termo de compromisso assinado na etapa anterior, relativas ao cronograma, ao(s) parceiro(s) privado(s) e à(s) tecnologia(s) envolvidas. Essas propostas de alteração deverão ser encaminhadas pelo polo público e devem ser aprovadas pelas CTAs e pelo Comitê Deliberativo.

A Portaria determina ainda que o polo público da PDP deverá encaminhar relatórios quadrimestrais de progresso. Apesar da importância do acompanhamento, vale discutir a exigência de três relatórios por ano. Cem parcerias em andamento hoje gerarão 300 relatórios anuais, que se transformarão em 1500 no período médio de uma parceria. Haja técnicos para que sejam analisados e reuniões para aprová-los ou não.

A PDP PROPRIAMENTE DITA

De acordo com a Portaria, a PDP tem início com o primeiro fornecimento do produto ao Ministério da Saúde, havendo necessidade de demonstração do início da transferência de tecnologia do parceiro privado para o parceiro público. Nesta ocasião, o registro do produto poderá pertencer ao parceiro privado. A segunda compra, entretanto, ocorrerá apenas se o registro feito pelo parceiro público já estiver publicado. Este último registro deverá ter sido peticionado à Anvisa até 60 dias após a data da primeira compra. Por outro lado, a portaria atribui à Anvisa a obrigação de conceder registro (e pós-registros) no prazo de até 60 dias a contar da data do peticionamento. É louvável a imposição de prazos, mas cabe ponderar se isso terá eficácia no ambiente da agência.

Outro aspecto discutível é a disposição de, apenas nessa etapa, ser iniciado o processo de centralização da compra após pactuação da Comissão Intergestores Tripartite. Isto porque será criada uma situação de impasse caso a referida Comissão não esteja de acordo com a centralização. O estatuto da pactuação é correto. O que talvez não seja é o momento indicado pela Portaria.

A principal restrição da ABIFINA ao texto da consulta pública original diz respeito ao dispositivo que trata da reanálise por parte do MS no momento da aquisição de produtos envolvidos em PDPs. Acreditamos que a eventual reanálise das condições de aquisição estabelecidas nos acordos originais da PDP criará um clima de insegurança jurídica que, por certo, prejudicará o estabelecimento de novas parcerias. Embora mantida na Portaria, foi atenuada a total independência entre os preços propostos e aprovados no projeto de PDP e o estabelecimento do preço no momento da aquisição. Essa atenuação está expressa, em primeiro lugar, na valorização dos aportes tecnológicos embutidos na PDP como um balizador de preço.

Na consulta pública, o impacto das despesas com a transferência de tecnologia no estabelecimento dos preços de aquisição era considerada uma possibilidade (“a variação de preço …. poderá considerar o aporte tecnológico associado à internalização da tecnologia …”). Na Portaria, o impacto dessas despesas fica estabelecido como necessário – “… considerarão o aporte tecnológico associado à internalização da tecnologia …”.

Em segundo lugar, a consulta pública previa que a proposta de preços de aquisição do produto constante da proposta inicial serviria “apenas como referencial para a definição do preço de aquisição a ser praticado pelo Ministério da Saúde”. A Portaria determina que a análise de preços referenciada na proposta de projeto da PDP servirá como referencial para definição do preço de aquisição a ser praticado pelo Ministério da Saúde.

Por outro lado, a Portaria prevê que a definição da economicidade e vantajosidade (sic) da compra devem ser analisadas tendo como referência as 10 bases de dados de preço que foram utilizadas na definição do preço no projeto de PDP.

Como um comentário final, mencione-se que uma política dessa complexidade incorpora uma quantidade de alternativas decisórias que não podem ser contempladas num documento. O que a Portaria pode oferecer são disposições gerais para desenvolver a política a partir de sua adesão às dimensões e desafios sintetizados no início deste texto. Restará sempre e em cada caso um amplo espaço decisório que dependerá, no Ministério da Saúde e demais órgãos públicos envolvidos, da vontade política, da competência técnica e, principalmente, da compreensão e aprovação daqueles desafios e dimensões por parte dos tomadores de decisão.

Reinaldo Guimarães
Reinaldo Guimarães
2º vice-presidente da ABIFINA.
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