REVISTA FACTO
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Jan-Mar 2014 • ANO VIII • ISSN 2623-1177
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//Artigo

PARCERIAS SUSTENTAM DESENVOLVIMENTO NA ÁREA DA SAÚDE

Criado pela Portaria nº 837 do Ministério da Saúde (MS) em 18 de abril de 2012, o programa Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) é produto de um processo evolutivo de revalorização da indústria farmacêutica nacional que já dura uma década. Articulado com um princípio constitucional da maior relevância, o de que o acesso à saúde é um direito de todos os cidadãos e um dever do Poder Público, o programa teve seu escopo ampliado em 2013, o que resultou na formação de PDPs para produzir também dispositivos e equipamentos médicos até então importados.

Mais de cem acordos de parceria já foram firmados sob a supervisão do Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde (Gecis), e a partir deste ano os primeiros medicamentos e dispositivos estarão sendo disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) à população. A lista de produtos essenciais para o SUS passou a contar com quase 200 itens, a serem fabricados no País e com tecnologia preferencialmente nacional. Esta medida gerou uma intensa procura por financiamento a projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Segundo Carlos Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do MS, a área da saúde foi a que mais cresceu na Finep/MCTI. “A demanda de projetos foi três vezes maior que a disponibilidade de recursos, e 95% das propostas apresentadas à Finep se referem à lista dos produtos estratégicos no âmbito do Gecis”.

Em outra vertente, mas em total sintonia com o estabelecimento das PDPs, devem ser destacadas a Lei 12.349, de 15 de dezembro de 2010, e a sua regulamentação pelo Decreto 7.713, de 3 de abril de 2012, que estabeleceram margens de preferência nas aquisições públicas de produtos manufaturados no País destinados à área de saúde, bem como a Lei 12.715, de 17 de setembro de 2012, que alterou o artigo 24 da Lei de Licitações (8.666/93) pela introdução neste de um inciso (XXXII) que inclui entre as situações passíveis de dispensa de licitação as contratações nas quais haja transferência de tecnologia envolvendo produtos estratégicos para o SUS. Cumpre ressaltar que, evidentemente, esses dispositivos vêm a fortalecer sobremaneira as políticas de desenvolvimento produtivo do País e de assistência farmacêutica do SUS. Esse conjunto de normas objetiva equilibrar as condições de concorrência, fortemente desequilibradas em favor dos importadores durante o período da abertura comercial descontrolada nos anos 1990.

Nesta reportagem, empresários e executivos da área da saúde, atuantes nos setores público e privado, apresentam suas expectativas e sugestões para o aprimoramento da gestão do programa.

2013: AVANÇOS E DESAFIOS.

Na percepção da indústria, o programa das PDPs produziu avanços expressivos em 2013. Segundo Alcebíades Athayde Junior, presidente do laboratório Libbs, “a atuação sinérgica de diversos agentes – Ministério da Saúde, MDIC, Anvisa, BNDES, Finep, laboratórios oficiais e privados – está criando um ecossistema voltado para o desenvolvimento de produtos e tecnologia que vai se tornar a base para o estabelecimento de uma indústria nacional forte e competitiva”. O mecanismo essencial desse sistema, explica Athayde, é “o uso do poder de compra do Estado para gerar benefícios duradouros à comunidade, por meio de um ciclo virtuoso de desenvolvimento e crescimento que permitirá o salto tecnológico para a esfera mais cobiçada da inovação”.

O presidente da Libbs enfatiza que houve um progresso contínuo, nos últimos governos, nas políticas de desenvolvimento para a área da saúde. Ações como a publicação de diretrizes para a Política Nacional de Medicamentos, a criação da Anvisa, a promulgação da Lei de Medicamentos Genéricos, o marco regulatório de 2003 (adequação dos medicamentos similares) e linhas de fomento para o desenvolvimento do setor, como o Profarma do BNDES, revolucionaram o parque industrial e o mercado farmacêutico brasileiro. “Vale a pena destacar, também, a intensa formação de recursos humanos em áreas técnicas como P&D, garantia de qualidade, produção e controle, pesquisa clínica, assuntos regulatórios, farmacovigilância, bioequivalência e desenvolvimento analítico, todos praticamente inexistentes há 15 anos”.

Por outro lado, Athayde lembra que 2013 foi também um ano marcado por grandes questionamentos das PDPs, através da imprensa e dos poderes Legislativo e Judiciário, “movidos por empresas que não acreditaram no sucesso dessa política e foram surpreendidas pela perda de mercados importantes. No entanto, o governo tem agido com rigor para manter e fortalecer essa exitosa política de ampliação de acesso com desenvolvimento tecnológico do setor industrial farmacêutico nacional”.

Os números confirmam que em 2013 o programa avançou, na avaliação do presidente da Nortec Química, Nicolau Pires Lages. “Primeiramente porque se alcançou o expressivo número de 104 PDPs, das quais 81 para medicamentos, e também porque se ampliou a lista de produtos farmacêuticos considerados essenciais para o SUS, que em 2010 tinha 83 produtos e passou para 187 em 2013”. O melhor de tudo, em sua opinião, é que o Gecis aprimorou a definição dos critérios para que determinado produto possa ser objeto de uma PDP.

Do lado dos laboratórios públicos também se observa uma grande satisfação quanto à condução das PDPs. Bernardo Horta, vice-presidente do Instituto Vital Brazil (IVB), assinala que “o programa Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo veio para fomentar a produção nacional de medicamentos estratégicos de forma verticalizada. Por meio das parcerias, os laboratórios públicos poderão adquirir a competência tecnológica necessária para produzir medicamentos de alta complexidade e alto valor agregado”.

Entre as novas parcerias firmadas em 2013, oito incluem o IVB, que aumentou sua participação para 13 PDPs. “As parcerias em vigor destinam-se à produção de 97 produtos de saúde em território brasileiro, envolvendo 19 laboratórios públicos e 60 privados – sendo metade de capital nacional e a outra metade de estrangeiros. A expectativa é que, em cinco anos, a produção nacional desses itens gere economia de R$ 5,5 bilhões para os cofres públicos”, comemora Horta.

Segundo Carlos Gadelha, o programa tem sido considerado uma das políticas mais bem sucedidas no âmbito do governo federal, uma vez que permite a mobilização coordenada do poder de compra do Estado com financiamento, infraestrutura tecnológica e atividades regulatórias. “Há uma articulação virtuosa, tendo o SUS como fio condutor de toda a política. Porque o maior risco para a inovação é o de mercado. Na medida em que conseguimos, por uma mudança na lei de compras, dar estabilidade ao uso do poder de compra do Estado, essa política se torna um modelo de política pública para o desenvolvimento industrial”.

Em 2013, dois grandes marcos merecem destaque, na opinião de Gadelha. O primeiro foi o lançamento do Gecis da Biotecnologia, que envolve 15 ministérios e instituições públicas. “Esse grupo executivo provocou uma inflexão na política para o Complexo Industrial da Saúde, levando a questão tecnológica e da inovação a ganhar prioridade frente à estratégia anterior focada na substituição de importações. Sob essa nova diretriz foram formalizadas 27 parcerias para desenvolver e produzir 14 produtos biotecnológicos”.

Esses produtos estão em fases diversas de desenvolvimento e os resultados serão praticamente imediatos, garante o secretário. “Logo que nos capacitamos, podemos começar a produzir para a população brasileira. Por exemplo, neste semestre meninas na faixa etária entre nove e 11 anos começaram a ser imunizadas contra HPV. Em vez de investirmos em pesquisa para ter o produto daqui a dez anos, estabelecemos parcerias com quem tem a melhor tecnologia no mundo e nos colocamos mais rapidamente em condições de oferecer o medicamento à população. É um processo de internalização que nos confere autonomia tecnológica em todo o ciclo produtivo. Conjugamos a política de inovação com a de desenvolvimento industrial. É uma estratégia inédita no complexo da saúde.”

Nesse tipo de parceria o Ministério da Saúde introduziu mecanismos de competição. Muitas vezes mais de uma PDP concorre para o desenvolvimento e fabricação de um mesmo produto. “Dessa forma nos diferenciamos da política dos anos 1970 e entramos numa segunda geração de política industrial, com foco na inovação e na competitividade tecnológica”, assevera Gadelha.

O segundo grande marco de 2013, de acordo com o secretário do MS, foi o lançamento de PDPs na área de equipamentos e materiais para saúde. “Estamos lidando com um complexo produtivo e isto significa que os setores são interdependentes. Por exemplo, um equipamento faz o diagnóstico utilizando um produto biotecnológico que permite conhecer o antígeno e o anticorpo, ou o DNA de um vírus ou bactéria. Foi então lançada uma segunda rodada envolvendo 11 PDPs e 15 produtos aprovados, tais como marcapasso e stent, e até equipamentos sofisticados como tomógrafo computadorizado. São iniciativas que têm grande importância para a população. Dois produtos nessa área – o DIU e o aparelho auditivo – já estão registrados na Anvisa e têm entrega prevista para 2014”.

Enxergar o setor de saúde como um elo vital para a política de desenvolvimento industrial é uma grande virtude da ação do atual governo, na opinião do presidente da Anvisa, Dirceu Barbano. “O programa das PDPs tem sido eficiente na garantia de oferta de medicamentos e dispositivos médicos nas compras públicas, diminuindo vulnerabilidades no acesso aos produtos e gerando importante redução nos preços concedidos. Tornou-se uma importante ferramenta de fortalecimento dos laboratórios farmacêuticos oficiais, que recebem as tecnologias transferidas por indústrias farmacêuticas privadas, nacionais e estrangeiras. As PDPs estimulam, ainda, a verticalização da cadeia produtiva e a consolidação do ambiente de negócios para a indústria farmoquímica. Ou seja, oferta organizada em torno das necessidades da política pública de saúde, estruturada na transferência de tecnologias do setor privado para o público, e indutora de novas capacidades para a indústria de medicamentos, insumos e dispositivos médicos”.

EM 2014, OS PRIMEIROS FRUTOS

O presidente da Anvisa espera, para 2014, a ampliação do número de PDPs, envolvendo outros medicamentos e dispositivos médicos, bem como a consolidação das parcerias já formalizadas e iniciadas. “Há um conjunto de registros de produtos, cujas parcerias já se encontram em andamento, que deverão ser obtidos em 2014, permitindo a oferta aos usuários do SUS”.

As PDPs já contabilizam 17 produtos registrados na Anvisa e 11 sendo oferecidos à população, entre eles oncológicos, psicoativos, imunossupressores e quatro vacinas. Segundo Gadelha, ao final de 2014 o programa deverá totalizar 25 produtos registrados. “Será um excelente resultado, pois as parcerias têm um horizonte que varia de cinco a dez anos e 20% dos produtos importantes já estarão em uso pela população brasileira”.

Sintonizado com o ritmo de trabalho do Ministério da Saúde, o IVB tem mais projetos em vista. A ideia, segundo Bernardo Horta, é nacionalizar medicamentos para diminuir gastos do País com importações, aumentar o poder de compra e a concorrência entre os laboratórios, e ampliar o atendimento ao público de acordo com a demanda.

“As PDPs são destinadas à transferência de tecnologia entre instituições públicas e privadas e a encomendas tecnológicas vinculadas às demandas de produtos estratégicos para o SUS” , sublinha o vice-presidente do IVB. “O alvo são produtos essenciais aos programas de saúde, tais como vacinas, medicamentos para câncer, saúde da mulher, saúde mental e doenças crônicas, entre outros. Um exemplo é o Mesilato de Imatinibe, primeiro oncológico nacional produzido por uma PDP para tratamento da leucemia mieloide crônica, proporcionando ao País, em 2013, uma economia de R$ 31,5 milhões em relação às aquisições efetuadas em 2012.”

A Globe Química participou, como fornecedora do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA), da nacionalização do Mesilato de Imatinibe. Segundo seu presidente, Jean Peter, seria importante haver novos avanços no processo de verticalização da produção local de medicamentos oncológicos. “Temos as instalações, temos produtos aprovados, agora é uma questão de inclusão de fornecedor junto à Anvisa por parte dos nossos potenciais clientes, uma etapa que deverá estar concluída até o segundo trimestre deste ano. A partir daí nós teremos completado o ciclo desse produto. A indústria farmacêutica já está produzindo no Brasil o medicamento, ainda não através dos laboratórios públicos, mas a tendência é que isto venha a ocorrer mais adiante”.

Alcebíades Athayde comenta que este será um ano desafiador para o programa de PDPs. “Acreditamos que a pressão para que o Brasil volte ao estágio anterior irá continuar, e até aumentar. Por outro lado, a maior garantia para a consolidação dessa política será, do lado da indústria, o cumprimento dos cronogramas de transferência de tecnologia, e do lado do governo, o cancelamento das PDPs que não estiverem cumprindo as metas acordadas”.

O presidente da Libbs entende, também, que é fundamental o governo concentrar atenção e ampliar sua atuação na nacionalização de medicamentos de nova geração, para tratar doenças em que o arsenal terapêutico convencional está desatualizado. “Seriam PDPs bem mais ousadas, em que o projeto se iniciaria antes mesmo de o laboratório privado dominar a tecnologia produtiva”.

De forma geral, o empresariado brasileiro do setor farmacêutico está motivado e vê boas perspectivas de mercado para 2014. O presidente da Nortec considera que o aumento ocorrido na taxa cambial, “se estabilizado no nível atual de R$ 2,40 (tudo indica que a tendência será subir ainda mais), vai estimular a criação de novas PDPs. Isto porque o Programa tem como princípio fundamental a garantia de acesso aos produtos pelos usuários do SUS, e o aumento da taxa cambial gera aumento do custo das importações, além de também agravar o déficit na balança comercial, que hoje é uma preocupação generalizada e oportuna na esfera governamental.”

UM PROGRAMA EM CONSOLIDAÇÃO

O ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, que inscreveu seu nome na história da indústria farmacêutica nacional ao criar os primeiros mecanismos institucionais de revalorização da produção nacional após duas décadas de políticas neoliberais que desarticularam o setor, acredita que o programa veio para ficar. Hoje diretor-executivo do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (Isags), ele entende que 2013 foi um ano de grandes avanços para o programa de PDP, “com incorporação de novas tecnologias, incluindo equipamentos e reagentes para diagnóstico, e de consolidação da política”. Para 2014, sua expectativa é que ela se afirme como uma política de Estado, “e que se estabeleçam estratégias de avaliação e acompanhamento de resultados das parcerias em vigor”.

“Hoje, creio que os riscos de retrocesso são pequenos”, avalia Temporão. “Houve um grande avanço na visão do governo como um todo sobre a importância dessa política. O mesmo vale para o conjunto da indústria, principalmente a de capital nacional”.

Para Carlos Gadelha, do MS, embora o programa esteja consolidado, “é preciso um alerta permanente. Todas as forças contrárias ao desenvolvimento e à soberania tecnológica do País vão continuar agindo para destruir essa política. Por isso, é necessária uma luta incessante tendo em vista a consolidação e a manutenção dos avanços”. Uma frente importante dessa luta, em sua opinião, é a mudança da cultura jurídica e da visão de controle do governo à luz da Constituição brasileira, cujo artigo 96 afirma que a saúde é um direito. “Só teremos acesso a esse direito se desenvolvermos tecnologia em saúde neste nosso País continental, habitado por 200 milhões de pessoas. A Constituição qualifica, ainda, o nosso mercado como patrimônio nacional e determina que é dever do Estado incentivar o desenvolvimento científico e tecnológico. Mas precisamos mudar uma cultura de 20 anos de neoliberalismo, contrário à política industrial e de desenvolvimento. Ela ainda é muito presente na sociedade e no Estado brasileiro. Estamos empreendendo uma mudança de paradigma”.

Reforça o alerta do secretário o teor do Projeto de Lei do Senado Federal, protocolado como PLS 367/2012, apresentado pela senadora Ana Amélia, do PP do Rio Grande do Sul. O referido PLS propõe a revogação do inciso XXXII do artigo 24 da Lei de Licitações. Na eventualidade de ser aprovado e sancionado representará um grande retrocesso nos avanços já obtidos.

Dirceu Barbano reconhece a existência desses obstáculos, mas pondera que o programa tem caráter estruturante para as políticas de saúde e de desenvolvimento industrial, “inserindo-se, por isso, numa zona de proteção enquanto ação do Estado”. Os desdobramentos no campo regulatório, segundo ele, reforçam a consistência do programa. “Tanto os Comitês Técnicos Regulatórios quanto o registro de produtos em desenvolvimento estão institucionalizados em atos formais da Anvisa, em franca consolidação. Há um trabalho em andamento, em parceria com a vice-presidência de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, com o objetivo de estabelecer uma matriz de avaliação permanente do processo da parceria, o que vai permitir uma ação ainda mais proativa por parte da Anvisa”.

Na perspectiva da indústria, ainda é cedo para se considerar consolidado o programa de PDPs na área farmacêutica. Segundo Nicolau Lages, tendo em vista que o ciclo de maturação de uma PDP é de três a quatro anos, tempo necessário para que o IFA e o medicamento passem a ser totalmente fabricados no Brasil, será necessário mais um ano ou dois para a consolidação do programa. “Por outro lado, ele vem demonstrando ser o mais eficaz ato de política industrial visando o desenvolvimento da produção interna em setores de alta tecnologia. A transferência de tecnologia, que até então era praticamente impossível, fará a diferença em curto e médio prazo para a garantia da manutenção dos programas de saúde pública do País”.

Na mesma linha de pensamento, Alcebíades Athayde entende que a política das PDPs está longe, ainda, de ser um processo consolidado, “visto que estamos na metade do processo de transferência de tecnologias e, em alguns casos, ainda na etapa de desenvolvimento. Os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como os agentes públicos e privados envolvidos nos processos de PDPs, devem permanecer atentos para identificar e neutralizar ações articuladas de grupos contrários ao avanço da autonomia nacional no setor de medicamentos”.

Na opinião de Jean Peter, o que pode ameaçar a consolidação do programa é um eventual afrouxamento do controle sobre os cronogramas de execução. “Eu diria que o programa está consolidado do ponto de vista da produção de projetos. Mas minha grande preocupação é a possibilidade de retrocesso em decorrência do não cumprimento real de compromissos assumidos. O perigo de retrocesso existe, se não houver maior fiscalização”. Um processo permanente de auditoria, segundo o presidente da Globe, verificaria in locose o cronograma de um contrato está sendo respeitado e se de fato a produção existe. “Acho que os recursos alocados pelo MS para essa tarefa são modestos e que é preciso fortalecer a atividade de auditoria”.

Consideramos que, tornado Lei Federal, o PLS 367/2012 provocará danos importantes em políticas do Ministério da Saúde com profundos reflexos na capacidade de fornecimento de produtos industriais de saúde para o SUS, bem como para o desenvolvimento das indústrias de capital nacional de produtos farmoquímicos, farmacêuticos e biofarmacêuticos.

TRANSPARÊNCIA GERA CREDIBILIDADE

Tanto a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do MS como a Anvisa estabeleceram procedimentos para o acompanhamento das PDPs, no intuito de monitorar problemas e resultados. A agência estabeleceu os Comitês Técnicos Regulatórios com o papel de acompanhar passo a passo o cronograma do desenvolvimento e/ou transferência de tecnologia entre os entes envolvidos. Isto, segundo Dirceu Barbano, visa garantir a perfeita instrução documental para viabilizar o registro dos produtos. “A RDC nº 50/2012 criou o registro de produtos em processo de desenvolvimento, permitindo que os produtos objetos de PDPs sejam devidamente acompanhados pela Anvisa”.

O MS, por sua vez, organiza visitas periódicas de avaliação e trabalha para garantir a transparência de todas as etapas do processo que resulta na formação de uma PDP. Carlos Gadelha recorda que a Portaria nº 837/2012 “regula de maneira clara e transparente todas as PDPs, estabelecendo as normas e critérios para a seleção dos parceiros. Outra coisa importante é que lançamos a nova lista de produtos estratégicos, prioritários na política de compras do governo. Quando um produto se torna prioridade no Gecis, ele também se torna prioridade na Finep e no Profarma/BNDES. Esta lista, que resulta de uma ampla consulta pública, é completamente transparente. Tivemos diversas contribuições de 15 órgãos governamentais e das entidades que fazem parte do conselho do complexo da saúde”.

Só na área farmacêutica a lista mais que duplicou, aumentando de 83 para 187 produtos. Na área de equipamentos e materiais, de 35 cresceu para 116. “Fica tudo na internet” – ressalta Gadelha. “Cada apresentação do Gecis, tudo que foi aprovado. A seleção dos produtos envolve, além do MS, dois agentes externos. Na última avaliação dos equipamentos e materiais de biotecnologia, além do MS tivemos como agentes externos o MCTI, o MDIC, a Finep, o BNDES e a Anvisa. Montamos um grupo interministerial que avalia cada parceria quanto a sua importância para o SUS e para o desenvolvimento tecnológico, além da viabilidade. O resultado consta de uma ata pública”.

O presidente da Globe Química reitera que, no plano do monitoramento, é preciso reforçar a auditoria dos projetos executivos. “Sei que o Ministério da Saúde está ciente disso, mas o progresso que vejo na área de IFAs é muito modesto quando comparado com o volume de papel que já foi impresso”, pondera Jean Peter. O presidente da Libbs também alerta para problemas nessa área. “O Ministério da Saúde e a Anvisa têm feito um ótimo trabalho de acompanhamento das PDPs por meio dos comitês regulatórios”, reconhece Athayde, “porém é importante cancelar parcerias que não estejam comprovando efetivas ações de integração tecnológica e produção local, tendo em vista manter a credibilidade do programa”.

Nicolau Lages chama atenção para a complexidade da execução de projetos no contexto das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo. “Como cada PDP é formada por um ou dois parceiros privados mais um parceiro público – o laboratório oficial -, e como cada um dos parceiros precisa executar as suas tarefas seguindo um cronograma físico de execução interdependente dos cronogramas dos demais parceiros, sugiro as seguintes medidas: que a equipe encarregada do acompanhamento da PDP, periodicamente, reúna as partes envolvidas para que possam ser avaliadas possíveis necessidades de adequação do cronograma de um determinado parceiro, em função dos cronogramas dos demais, objetivando evitar que haja atraso nos compromissos assumidos; e que todos os parceiros recebam um relatório periódico do andamento do cronograma físico de execução da PDP relativo aos demais parceiros”.

AMBIENTE REGULATÓRIO E INVESTIMENTOS

Em paralelo à estruturação das PDPs, o governo vem desenvolvendo um arcabouço normativo tendo em vista reforçar a transparência, prover segurança jurídica e, principalmente, garantir a adequação permanente do programa aos objetivos do SUS. Para José Temporão, ainda se fazem necessárias medidas nos campos legal, tributário e de regulação, além de uma maior ênfase nas questões de inovação e desenvolvimento. O presidente da Anvisa, por sua vez, lembra que, diante da ampliação recente do escopo das PDPs, será preciso adotar normas sanitárias voltadas aos dispositivos médicos, uma vez que aquelas adotadas inicialmente ficaram restritas aos medicamentos.

Mais do que medidas regulatórias, Carlos Gadelha considera importante uma política de implementar as já existentes “de forma republicana, como temos feito. Abandonar a tática de defesa e parar de ter vergonha de dizer que o nacional é bom. Os Estados Unidos, a Coreia, o Japão e a Europa fazem isso. O Brasil ainda tem que superar o complexo de vira-lata.”

Entre os representantes da indústria as opiniões sobre a necessidade de novas normas se dividem. Segundo o presidente da Libbs, seria positivo para o País que as normas de seleção de parceiros para PDPs evoluíssem no sentido de ampliar as exigências relativas ao parque farmacêutico e à linha de produção local, “evitando-se que empresas produzam no País somente produtos relacionados às PDPs e continuem importando o restante de seu portfólio”.

Na visão dos presidentes da Globe e da Nortec não há necessidade de mais normas, mas sim de ajustes e fiscalização. Segundo Jean Peter, “um assunto que sempre preocupa é o tempo que leva todo o processo de registro na Anvisa. Um dos grandes desafios do programa das PDPs é a lentidão, que por sua vez está associada a certas normas que poderiam ser simplificadas. Se existe alguma coisa a fazer nessa área, acho que seria um estudo de normas que possam acelerar o processo”. Nicolau Lages, por sua vez, entende que “é preciso uma constante vigilância para proteger os dispositivos legais existentes e evitar que eles possam ser modificados ou revogados pelo Legislativo”.

De acordo com o presidente da Nortec, “no segmento farmoquímico, não é exagero dizer que o grande desafio são os investimentos que, para algumas PDPs, precisam ser feitos tendo em vista atender a contratos com durações, garantidas por lei, de apenas dois anos”. É uma corrida contra o tempo. Os investimentos financiados pelo BNDES, Finep e MS totalizam R$ 8,2 bilhões, e, com a contrapartida das empresas, chegam a R$ 13 bilhões, calcula Carlos Gadelha. “Estamos em pleno processo de alavancagem dos investimentos no Complexo Industrial da Saúde”.

A Nortec tem investimentos expressivos em andamento: ampliação de 85% da capacidade das plantas industriais; ampliações proporcionais nas instalações de P&D e de controle de qualidade; projeto e implantação de plantas de média e grande capacidade para IFA e HPD (Drogas de Alta Potência); treinamento de equipes próprias para transferência das tecnologias em escalas de laboratório e industrial nas fábricas de parceiros europeus.

A Libbs está investindo cerca de R$ 550 milhões em estrutura e capacitação para PDPs na área farmacêutica e de biotecnologia. Em 2013, concluiu a produção do primeiro lote industrial 100% verticalizado do medicamento imunossupressor Tacrolimo e lançou a pedra fundamental de uma planta industrial de biotecnologia.

A Globe tem previsão de investimentos para este ano que podem chegar a R$ 10 milhões, basicamente com recursos próprios. “Estamos trabalhando com uma lista de produtos oncológicos, e só a etapa de desenvolvimento desses produtos em laboratório consumirá cerca de R$ 6 milhões”, destaca Jean Peter.

O progresso do programa de PDPs é visível e significativo, mas há desafios à frente que não deixam espaço para acomodação. Na opinião de Carlos Gadelha, um dos mais importantes é o de se criar uma base de sustentação para essa política de Estado, que deve ser duradoura. “Como na época do ‘Petróleo é Nosso’, precisamos afirmar que a ‘Saúde é Nossa’. Outro desafio é o da inovação. Não podemos ficar confortáveis fazendo o que os outros já fazem. Ultrapassamos a fase de substituição de importações, estamos entrando na etapa de agregação de conteúdo tecnológico e temos agora que acelerar, para ingressar na fase de exploração da fronteira da inovação tecnológica”.

Alcebíades Athayde expressa esta mesma preocupação. “O segmento de biotecnologia na área farmacêutica é incipiente no País e, se dependermos da inciativa da Bigfarma, continuaremos onde estamos. Penso que a única forma de mudar esta situação é manter e ampliar as PDPs. Hoje há uma grande sintonia no governo, porém ainda necessitamos desenvolver recursos humanos, trazendo de fora e ao mesmo tempo promovendo uma maior integração com universidades, para que a dependência externa de pessoal especializado dure o menor tempo possível”.

Jean Peter, por sua vez, insiste na necessidade de um permanente ajuste das políticas públicas às metas de produção e desenvolvimento do País. “O desafio maior é o de produzir no Brasil. Não é fácil. Nós temos um regulatório sueco em uma realidade tropical.”

O USO DO SISTEMA DE PDPs PARA O INCENTIVO À PRODUÇÃO NACIONAL E AO ACESSO A MEDICAMENTOS - O PAPEL DO SUS
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