REVISTA FACTO
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Abr-Jun 2013 • ANO VII • ISSN 2623-1177
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//Artigo

Por uma indústria mais competitiva

A progressiva deterioração dos saldos da balança comercial brasileira, apesar da recente adoção de uma política de câmbio e juros mais favorável às exportações, vem evidenciando uma perigosa tendência: a perda de competitividade dos setores produtivos de maior valor agregado. Diante desse quadro, o governo federal percebeu a necessidade e a urgência de apoiar a indústria com medidas de caráter mais estrutural e lançou o Plano Inova Empresa, que pretende fomentar com recursos públicos projetos de inovação tecnológica em setores considerados estratégicos para o desenvolvimento econômico e social. A iniciativa foi lançada em março, durante reunião da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), com a presença do presidente da ABIFINA, Ogari Pacheco, e do diretor de Relações Institucionais da entidade, Odilon Costa.

A chancela de prioridade presidencial e o esforço de articulação institucional constituem, talvez, os maiores méritos do Plano, de resto composto por linhas de apoio já existentes em diversas agências e ministérios. Não é pouca coisa. Mas a prioridade e a coordenação de ações não resolvem todos os problemas. Será necessário superar entraves burocráticos persistentes na máquina governamental, gerados por eventuais carências de pessoal e, principalmente, pela intervenção cada vez maior das esferas de controle e auditagem no trabalho rotineiro dos ministérios e agências. Sob o pretexto genérico do combate à corrupção, o que se tem observado é uma propensão à criminalização profilática de qualquer esforço voltado para facilitar procedimentos, cujo resultado é o recuo dos servidores públicos para uma postura defensiva, que leva à morosidade e mesmo à inação.

Em suma, o principal desafio do governo na implementação do Plano Inova Empresa será azeitar sua própria máquina e inovar suas próprias práticas, de forma que esta louvável iniciativa tenha eficácia real na economia brasileira, mensurável na composição do PIB.

Articulação: nova ótica na ação governamental

O Ministério da Saúde (MS) irá trabalhar em conjunto com a Finep e o BNDES na implantação das duas novas modalidades de financiamento de equipamentos médicos, biotecnologia e fármacos, denominadas Inovamed eInova Saúde, incluídas no Plano Inova Empresa. Segundo o ministro Alexandre Padilha, uma das tarefas do Ministério da Saúde será participar da avaliação das propostas e da seleção dos melhores projetos que envolvam produtos prioritários para o Sistema Único de Saúde (SUS). O orçamento previsto é de R$ 600 milhões para o Inovamed e R$ 1,3 bilhão para o Inova Saúde.

Para agilizar a avaliação e o acompanhamento dos projetos a Finep está promovendo uma verdadeira revolução interna, segundo seu presidente Glauco Arbix. “As mudanças serão muito grandes, e a principal começará em 1º de julho: vamos responder a todo e qualquer pedido de financiamento a projeto em até 30 dias”. Para possibilitar o cumprimento dessa meta, a Finep está trabalhando com a USP de Ribeirão Preto, o Cedeplar, de Minas Gerais, e o Ipea na criação de rankings que irão facilitar o trabalho de avaliação dos projetos. A análise da saúde financeira das empresas será feita na Serasa.

Quanto à análise de risco, que é um aspecto sensível em se tratando de projetos orientados para inovação, Arbix garante que não será um complicador. “Fechamos um acordo para trabalhar com a central de risco de crédito do Banco do Brasil. Com isso, teremos segurança na análise do projeto e agilidade na liberação. Muitas vezes pedimos documentos que não são necessários, e isto significa custo, burocracia e tempo. Vamos reduzir tudo ao essencial. Não é razoável que alguém interessado em inovar demore 248 dias para conseguir o crédito, como ocorria em 2011, ou mesmo 112 dias como ocorre hoje, depois do enorme esforço que imprimimos. Agora tudo será veloz.”

É fundamental que essa nova dinâmica funcione bem, pois a ambição do governo não é modesta. Segundo o ministro Alexandre Padilha, com o objetivo de “reduzir a dependência tecnológica e apoiar a inovação em produtos, processos e serviços no Complexo Industrial da Saúde, o governo federal pretende apoiar iniciativas de alto impacto na política de saúde, que promovam desenvolvimento tecnológico para o País, redução dos preços e ampliação do acesso a produtos estratégicos, como, por exemplo, medicamentos oncológicos e para doenças cardiovasculares e negligenciadas”.

Otimismo na indústria

As indústrias de química fina, especialmente no segmento ligado à saúde, e de equipamentos médico-hospitalares comemoram o lançamento do Plano Inova Empresa, mostram-se otimistas quanto à recuperação do terreno perdido no mercado interno e voltam a se entusiasmar com a possibilidade de conquistar um lugar no mercado internacional. Segundo Nicolau Lages, diretor da Nortec Química, o Plano “tem como objetivo central investir em inovação para elevar a produtividade e a competitividade da economia brasileira. No seu modelo de gestão há uma concepção que, se for corretamente implementada, terá grande importância para as empresas: o uso coordenado do crédito, subvenção, renda variável e não reembolsável. Esses mecanismos, aplicados de forma simultânea e complementar em uma empresa inovadora, maximizarão sua capacidade de executar projetos bem-sucedidos, principalmente aqueles com risco tecnológico”.

“Muitas vezes pedimos documentos que não são necessários, e isto significa custo, burocracia e tempo. Vamos reduzir tudo ao essencial”
Glauco Arbix

Rodrigo Pinto, diretor da Fábrica Carioca de Catalisadores (FCC), elogia a escolha da Finep como principal órgão financiador do Plano, o que, em sua opinião, trará maior agilidade na avaliação dos projetos e velocidade na contratação e liberação de recursos. “Afinal, a Finep tem mais experiência no trato com pequenas e médias empresas do que o BNDES, que tradicionalmente foi o principal órgão de fomento no País”.

O vice-presidente corporativo do laboratório EMS, Mário Nogueira, exalta o comprometimento do primeiro escalão do governo com a execução do Plano. “Nós, da indústria farmacêutica, recebemos com entusiasmo a disposição do governo federal de propor um plano como o Inova Empresa. Para um país como o nosso, que se ressente da falta de iniciativas visando o incentivo à pesquisa e à inovação, são imprescindíveis o envolvimento e o engajamento por parte das altas esferas do poder público. Em suma, é bastante relevante a proposta de articular os programas de fomento, buscando maior agilidade e assertividade nos investimentos, tendo em vista os gargalos de cada setor, como o de saúde/farmacêutico”.

Franco Pallamolla, presidente da Abimo (associação da indústria nacional de equipamentos médicos e hospitalares), assinala que “o Plano Inova Empresa, de forma pioneira em nosso setor, destaca-se por induzir a capacidade inovativa das empresas nacionais em soluções custo-efetivas, o que poderá propiciar ganhos de competitividade no mercado local e mundial, impactando positivamente o cenário de P,D&I no País”. Segundo ele, a expansão das linhas de financiamento voltadas para pesquisa, desenvolvimento e inovação denota clara direção das ações governamentais em prol da melhoria das condições financeiras para o setor produtivo. Na opinião de Pallamolla, “a indústria nacional está vivendo um momento ímpar, em que os mecanismos de apoio à atividade empresarial estão estruturados de forma coordenada, integrada e voltada para resultados”.

O diretor da Divisão Farmoquímica do laboratório Cristália, Edson Lima, acredita que o Plano Inova Empresa ajudará a reverter o atual quadro de perda de conteúdo tecnológico na cadeia produtiva de medicamentos. “O conhecimento é a matéria-prima fundamental que viabiliza a indústria farmoquímica. Este conhecimento pode ser orientado, por exemplo, para substituir matérias-primas importadas por outras disponíveis no mercado nacional na produção de um determinado IFA (Insumo Farmacêutico Ativo), promovendo uma integração com a indústria dequímica fina. Em um país que importa mais de 85% dos IFAs que consome, esta iniciativa pode alavancar o crescimento de outros setores da indústria química”.

Inovação tecnológica em fármacos tem efeitos multiplicadores, garante o diretor do Cristália. “Quando se fala no incentivo à inovação na indústria farmoquímica não se fala apenas na importância do aumento do acesso ao medicamento pela população, com ganhos importantes em qualidade e preço. Fala-se também em temas menos visíveis para o público, como automação industrial, criação de soluções ambientais para novos processos, capacitação do setor de serviços e muitos outros”. Quanto mais expressivos os investimentos, mais impactantes os resultados, afiança Lima. “A experiência do Cristália demonstra que a inovação sempre será premiada. Portanto, em caso de dúvida, inove!”

Para que o Plano Inova Empresa produza resultados consistentes, adverte Lima, é importante que a correção de assimetrias regulatórias continue avançando. “O marco regulatório da indústria farmoquímica tem evoluído significativamente. A RDC 57/2009, que dispõe sobre o registro de IFAs no País, constitui um marco importante, embora a exigência do registro tenha contemplado apenas 20 IFAs. A celeridade nas inspeções extra-zona demonstrada atualmente pela Anvisa faz crescer a expectativa pela ampliação dessa lista. Outro fato aguardado com grande anseio pela indústria farmoquímica é a publicação de uma RDC para o pós-registro de IFAs. A materialização destas duas normas colocará o setor industrial farmoquímico em melhores condições de competição”.

Reginaldo Arcuri, presidente executivo do grupo Farma- Brasil, vislumbra a conquista de um novo patamar tecnológico pela indústria farmacêutica nacional, que está “investindo cada vez mais em pesquisa e desenvolvimento, gerando inovações incrementais em seus produtos e a caminho de produzir inovações radicais”. Por outro lado, ele pondera que a inovação tecnológica é um processo longo e complexo, que demanda um elevado montante de recursos para sua realização e cujo retorno é incerto. “Programas e políticas de apoio à inovação tecnológica são uma condição fundamental para que o País atinja elevado nível de desenvolvimento econômico e social. O Plano Inova Empresa demonstra a preocupação do governo em garantir sustentabilidade ao desenvolvimento, tendo em vista o aumento da competitividade das empresas e o efetivo salto tecnológico que o País necessita”.

Burocracia: uma ameaça silenciosa

A produção sustentada de inovações depende de um ambiente propício, receptivo, que não se constrói somente com políticas e planos de governo. É necessário que todos os agentes com poder de facilitar ou dificultar o fluxo das inovações em direção ao mercado atuem, no dia-a-dia, de forma cooperativa e sintonizada com os objetivos que se pretende atingir. Este será o maior desafio do governo no que concerne à implementação do Plano Inova Empresa,pois as práticas predominantes na grande maioria dos órgãos públicos ainda seguem a direção contrária. Há uma produção abundante e incessante de normas e instruções, algumas desnecessárias ou até mesmo inúteis, mas que segundo a lógica burocrática significa trabalho e eficiência.

Dante Alario e Marcio Falci, respectivamente presidente técnico científico e consultor de P.D.&I. do laboratório Biolab, sem deixar de reconhecer os méritos do Plano Inova Empresa, chamam atenção para a necessidade de o governo combater o poder paralisante da burocracia. “O Plano envolve a participação conjunta de vários ministérios, e todos eles devem priorizar atividades e investimentos em inovação tecnológica e científica. O montante de investimentos para os próximos dois anos é bastante relevante e procura atender aos variados tipos de empresas, desde startups até grandes empresas, em consonância com a atual política industrial. Desde sua inclusão na política industrial, o setor farmacêutico tem recebido apoio de entidades ligadas ao governo federal e também aos estaduais, especialmente no que tange a incentivos fiscais e investimentos, que continuam em pleno andamento. Entretanto, as indústrias não conseguem corresponder às expectativas, perdidas que estão na malha burocrático- -legal criada para o setor. O difícil entendimento entre autoridades regulatórias e a indústria, as deficiências de interação e diálogo entre os vários ministérios envolvidos e a legislação inadequada para um país que faz inovação dificultam o avanço mais rápido do processo de capacitação de nossa indústria”.

Alario e Falci vislumbram “um movimento positivo, apesar de muito lento, por parte dos órgãos governamentais”, mas ainda assim entendem que há três grandes obstáculos à inovação no setor farmacêutico que poderão comprometer a eficácia do Plano Inova Empresa no setor farmacêutico: as dificuldades de acesso à biodiversidade nativa e de exploração dos produtos dela derivados, a regulamentação da pesquisa clínica e o controle de preços de medicamentos.

O primeiro obstáculo diz respeito à Medida Provisória nº 2186-16/01, que disciplina o acesso ao patrimônio genético nacional e a repartição dos benefícios decorrentes. “Esta legislação, estabelecida em clima de forte impacto emocional originado por escandaloso contrato de exploração da biodiversidade amazônica realizado no passado, concretizou uma política altamente lesiva aos interesses da indústria nacional”, afirma Alario. “Além disso, a Resolução 69 do CGEN (09/08/2004) estabelece um prazo máximo de 11 meses para analisar processos e autorizar o acesso ao patrimônio genético por parte da indústria, e de sete meses para acesso ao conhecimento tradicional. No decorrer desse prazo, que nunca, até o momento, foi respeitado, embora o CGEN esteja se empenhando em acelerar os processos de análise, o solicitante é impedido de iniciar qualquer atividade de pesquisa e desenvolvimento relativa à exploração da biodiversidade. Recebemos neste mês aprovações de processos submetidos em 2010 e 2011”.

O segundo obstáculo, pertinente à esfera de ação da Anvisa, diz respeito ao processo de autorização de ensaiosclínicos. “Todo novo produto deve passar por uma avaliação de segurança e eficácia através de estudos clínicos em humanos, voluntários sadios e doentes que são o objeto do tratamento proposto com o fármaco”, explica Falci. “Para a realização de ensaio clínico, em cada fase é necessário que o projeto de pesquisa, conhecido como protocolo clínico, seja submetido e aprovado por um comitê de ética institucional (três a seis meses de espera). Uma vez obtida aprovação, prepara-se um processo de submissão à Anvisa, que deverá autorizar a realização do ensaio. Só após a obtenção dessa autorização será possível iniciar o ensaio. Tal procedimento leva cerca de seis a 14 meses para ser completado, e depois é repetido para os ensaios de Fase II e Fase III. Quando o ensaio envolve o emprego de produto biológico derivado da biodiversidade, ou de produto desenvolvido no exterior, deve ser acrescentada ao processo a autorização da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Em geral, esse conjunto de procedimentos se arrasta por 18 a 34 meses, período no qual fica vedado à empresa desenvolver qualquer atividade de produção”.

Mas o problema não termina com a obtenção da aprovação. Concluída com sucesso a fase clínica, um novo processo é iniciado, desta vez para registro e aprovação para comercialização do novo produto no mercado nacional, o que se consegue, segundo Falci e Alario, num prazo de 12 a 30 meses. “Com o passar do tempo, o que se tem visto, por excesso burocrático e carência de pessoal, é um constante acúmulo de processos, longas filas de espera e uma verdadeira fúria normativa. Nos últimos três anos, de 2009 até maio do ano passado, 22 novas resoluções e normas relacionadas à área de pesquisa clínica e ensaios de bioequivalência foram emitidas. Ou seja, a cada 55 dias, em média, ocorre uma alteração normativa”.

O terceiro grande entrave à inovação em fármacos no País concerne à atuação da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). “O estabelecimento de uma política de teto de preço, com o passar do tempo, inviabiliza a indústria inovadora”, afirma o presidente do Biolab. “De acordo com a atual legislação de controle de preços é muito difícil, também, que uma inovação incremental desenvolvida no Brasil por empresa nacional consiga um preço que remunere seu investimento de modo adequado. Em geral, o processo de aprovação para o preço do novo produto demora até seis meses. Quando a empresa recorre, esse prazo pode se estender para até 18 meses”.

“O difícil entendimento entre autoridades regulatórias e a indústria, as deficiências de interação e diálogo entre os vários ministérios envolvidos e a legislação inadequada para um país que faz inovação dificultam o avanço mais rápido do processo de capacitação de nossa indústria”
Dante Alario

Esses gargalos burocráticos legais estão gerando distorções e desmotivando a indústria farmacêutica local para a pesquisa e o desenvolvimento de produtos inovadores. “Quando somamos os tempos de espera para as diversas aprovações e o tempo perdido sem que a empresa possa realizar atividades de desenvolvimento, chegamos a algo entre 51 e 85 meses para desenvolver um novo produto”, lamenta Alario. “Em muitos casos corremos ainda o risco de não poder comercializar um produto, por não recebermos autorização para praticar preço adequado, que permita o retorno do investimento. Acreditamos que, sem resolver esses constrangimentos burocráticos e de gestão processual, será muito difícil para o setor farmacêutico usufruir daquilo que foi disposto no excelente Plano Inova Empresa e seu desdobramento – o plano Inova Saúde”.

Mário Nogueira chama atenção para outro aspecto do Plano que poderá inibir a concretização de inovações, por deficiência de gestão e excesso de burocracia. Trata-se da execução de projetos de inovação de empresas em parceria com universidades e centros de pesquisa. “Os recursos financeiros do governo e das empresas a serem aplicados em projetos do Inova Empresa não devem ser gerenciados dentro das universidades, por intermédio de fundações. Na prática, isto significa que a execução dos projetos fica inteiramente nas mãos das universidades e o que nasceu como um projeto de empresa torna-se um projeto estritamente da universidade. Os trâmites burocráticos nas fundações são exaustivos e podem causar, de forma geral, uma grande lentidão na execução dos projetos, além da utilização dos recursos de forma não tão otimizada quanto se precisa”.

Para que se tenha adequado comprometimento dos pesquisadores envolvidos nas universidades e centros de pesquisa, o vice-presidente do EMS recomenda que a gestão dos recursos do Plano Inova Empresa seja realizada pelas próprias empresas, “que dispõem de metodologias de acompanhamento e execução de projetos sujeitas a auditorias e exigências de eficácia financeira”. Em sua opinião, a gestão empresarial é mais assertiva e focada em resultados, em produtividade e na aplicabilidade econômica. “Essa condição elevaria de forma geral a competitividade e o nível qualitativo dos projetos em parceria com universidades e centros de pesquisa”.

“Se considerarmos que a arrecadação do FNDCT ultrapassou R$ 4 bilhões em 2012, concluímos que a oferta do Plano é de apenas 7% do arrecadado, metade do que já foi antes. Portanto, o que não for oferecido torna-se um imposto disfarçado, posto que o FNDCT é totalmente retirado da receita de empresas”
Roberto Nicolsky

O presidente do Instituto Vital Brazil (IVB), Antônio Werneck, também detecta incompatibilidades entre a cultura acadêmica e a dinâmica da inovação, mas aborda o problema por outro ângulo. “Boa parte do investimento em pesquisa está nas universidades federais públicas, que a priori estão mais focadas no desenvolvimento de novos produtos intensivos em conhecimento. Hoje não existe nenhum incentivo estruturado para o desenvolvimento de inovação nas universidades. Logo, ou se mudam os critérios de priorização ou se adequa a cultura dos entes priorizados, pois os marcos regulatórios, apesar de existentes, não estão em consonância com o cenário”.

Ativo participante do programa governamental de Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDP), o IVB tem se ressentido da rigidez burocrática e seus efeitos deletérios sobre a atividade inovadora. Na opinião de Werneck, os recursos públicos para inovação não são aplicados de forma estratégica, especialmente em segmentos de ponta como a biotecnologia, que exigem um comprometimento significativo de investimentos no médio e no longo prazo. “Determinados editais diluem os recursos por um número grande de projetos, e assim cada projeto recebe recursos insuficientes à sua execução. Outro problema dos editais de fomento é que a lógica de investimento está voltada para ativos da pesquisa, e não para os projetos de pesquisa e inovação propriamente ditos. Há editais que financiam só equipamentos, ou só bolsas, ou só obras. Entendo que a lógica de fomento deve contemplar o projeto de inovação de forma integral”.

Outro problema apontado por Werneck é que a Lei do Bem, para setores como o de biotecnologia, “quase não produz efeitos. Devido ao elevado risco do investimento, nesses setores são pequenas empresas de base tecnológica que implementam inovações, e em geral essas empresas não têm faturamento e/ou recursos para tal. Falta uma abordagem por segmento para entender as características e exigências de inovação em cada mercado”.

O imperativo econômico

Na opinião do diretor da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec), Roberto Nicolsky, “o Plano Inova Empresa expressa uma importante mudança no conceito do protagonismo na geração, desenvolvimento eagregação de inovações tecnológicas: nele fica explícito que este é um papel desempenhado pela empresa, e não por universidades e outras instituições acadêmicas de pesquisa. Há também outra qualidade inegável: o estabelecimento de uma única porta de entrada para qualquer ação de fomento à inovação tecnológica, evitando-se a complexidade e a perda de tempo decorrentes da multiplicidade de acessos”. Por outro lado, um país que já sente na balança comercial os efeitos da perda de conteúdo tecnológico de sua produção industrial necessita medidas enérgicas, o que, no entender da Protec, não ocorreu. “A esse início auspicioso, infelizmente, não correspondeu uma ação inovadora e vigorosa para sairmos do impasse em que nos encontramos em termos da eficácia do estímulo ao desenvolvimento tecnológico pela agregação de inovações”, lamenta Nicolsky. “Quando olhamos para as ações e os recursos previstos, vemos que estamos muito aquém de impactar o quadro existente e promover um expressivo salto de eficiência. Na verdade, o Plano Inova Empresa é uma repetição sem ousadia das mesmas propostas dos planos e programas anteriores”.

Com base nas cifras divulgadas, o diretor da Protec conclui que o mecanismo de incentivo mais importante e com viés impactante – a subvenção econômica – ainda é tratado com preconceito e restrição. “Temos uma previsão de que venham a ser oferecidos editais num total de R$ 1,2 bilhão para este ano e o próximo. Ora, se considerarmos que não houve oferta em 2011 e 2012, isto representa uma média anual de R$ 300 milhões, bem abaixo do que se ofereceu em 2010, R$ 500 milhões. E se considerarmos que a arrecadação do FNDCT ultrapassou R$ 4 bilhões em 2012, concluímos que a oferta é de apenas 7% do arrecadado, metade do que já foi antes. Portanto, o que não for oferecido torna-se um imposto disfarçado, posto que o FNDCT é totalmente retirado da receita de empresas”.

A cota de cerca de R$ 4 bilhões do Plano reservada a entidades sem fins lucrativos exclui as empresas, o que, na avaliação de Nicolsky, reafirma “uma velha concepção preconceituosa disfarçada de ampliação da base de laboratórios dessas entidades para possíveis usos por empresas. As empresas preferem, obviamente, ter apoio para estruturar seus próprios laboratórios”.

“Finalmente,” – prossegue o diretor da Protec – “dois terços do montante anunciado, ou seja, R$ 21 bilhões, destinam-se a empréstimos. Ora, é sabido que empréstimo não podeser tratado como fomento, pois o risco tecnológico permanece com a empresa. O juro subvencionado é apenas uma redução de custos. Se o governo é o maior beneficiário de inovações bem-sucedidas, pelo recolhimento dos impostos no adicional de faturamento, é natural que compartilhe o risco tecnológico do desenvolvimento, como ocorre em todos os países que se caracterizam por competir incorporando inovações”.

O diretor de Propriedade Intelectual da ABIFINA, Reinaldo Guimarães, também lamenta esse viés do Plano. “Num ambiente de projetos de inovação, no qual quanto mais radicais as inovações maiores são os riscos envolvidos, o financiamento tradicional, mesmo em condições favoráveis de juros, carência e amortização, pode não se mostrar atrativo. Seria altamente desejável que uma parte substancial dos recursos destinados a crédito fosse concedida numa modalidade de participação no risco do projeto. Noutras palavras, que o reembolso estivesse vinculado ao sucesso do projeto e a integralidade do reembolso financeiro, nas condições contratadas, variasse de acordo com a receita do produto ou processo inovador no mercado”.

Para Luis Eugênio de Souza, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), uma política de apoio à inovação precisa levar em conta a complexidade dos fatores econômicos e políticos envolvidos. “A inovação emerge de sistemas, compostos por fluxos intensos e multidirecionais de recursos e informações entre inventores, investidores, empreendedores e agentes públicos responsáveis por apoiar a pesquisa, o investimento e o empreendedorismo. Nesse contexto, o Plano Inova Empresa é uma aposta promissora: parte de um diagnóstico atualizado da dinâmica econômica mundial, ao reconhecer a centralidade da inovação, e adota uma estratégia coerente com uma sólida teoria do desenvolvimento econômico, ao propor o fortalecimento dos sistemas de inovação”.

Por outro lado, Souza lembra que é preciso considerar a grave crise social e econômica do mundo atual, “cuja evolução ainda não tem um sentido claro, o que inibe os investimentos de risco ou de longo prazo. Soma-se a isso o baixo crescimento do PIB brasileiro nos últimos dois anos. Além das incertezas relativas ao contexto, o Plano Inova Empresa enfrenta as dificuldades de gestão do Estado brasileiro. Não é simples articular tantos programas de tão diversas instituições, ainda mais tendo em vista a complexidade do arcabouço legal e a fragilidade da tecnoburocracia nacional”.

Além da insuficiente capacidade diretiva do Estado, afirma o presidente da Abrasco, “o Plano Inova Empresa terá que lidar com a falta de práticas democráticas de gestão, aspecto pouco contemplado na sua formulação. Com efeito, tanto na esfera estatal quanto na esfera privada, não se valoriza a participação dos trabalhadores e dos consumidores ou usuários nas decisões sobre os investimentos, no seu acompanhamento e na sua avaliação. Não se reconhece que, além de decisões técnicas estritas, há opções políticas a se fazer sobre a adequação sociotécnica das inovações que devem merecer o investimento público”.

A questão da adequação das prioridades à realidade econômica também é uma preocupação de Nicolau Lages. “Para o setor da saúde está previsto o terceiro maior aporte de recursos (R$ 3,6 bi). Especificamente na área de fármacos e medicamentos, percebo no Plano Inova Empresa um direcionamento estratégico, a meu ver equivocado, no sentido de priorizar os projetos por via biotecnológica em detrimento daqueles por via de síntese química. Hoje, mais de 82% dos medicamentos consumidos no mundo são fabricados com fármacos feitos por sínteses químicas, das quais a grande maioria é derivada do petróleo. A produção brasileira de fármacos tem crescido nos últimos anos, mas ainda assim importamos mais de 80% dos fármacos contidos nos medicamentos consumidos no País. Portanto, entendo que a estratégia mais correta deveria ser a de priorizar o desenvolvimento dos farmoquímicos sem deixar de incentivar a fabricação dos biofármacos, considerando não apenas a relevância da nossa soberania estratégica como também o equilíbrio da nossa balança comercial”.

Reinaldo Guimarães reforça este argumento assinalando que “há um sem número de produtos e processos altamente prioritários para os mercados público e privado em nosso País que envolvem rotas de síntese química. Se, por um lado, a atual fronteira tecnológica farmoquímica e farmacêutica em termos globais se concentra nas rotas biotecnológicas, para a indústria e o mercado brasileiros há também outros desafios a serem enfrentados”. Por isso, ele sugere que em algum momento se alargue o foco do Inova Empresa no eixo da saúde humana.

“Além de decisões técnicas estritas, há opções políticas a se fazer sobre a adequação sociotécnica das inovações que devem merecer o investimento público”
Luis Eugênio de Souza

Em que pesem as críticas, a opinião geral sobre as intenções contidas no Plano Inova Empresa é positiva. Mário Nogueira sintetiza as expectativas da indústria de que as ações previstas ganhem corpo no governo, para que se possam colher adiante resultados concretos, expressos em maior competitividade e produtividade da economia nacional. “Cabe torcer por uma gestão de fato eficiente, pela real ampliação da pesquisa e desenvolvimento com incremento de conhecimento e de recursos humanos competentes, pela aplicação do dinheiro com foco adequado e para que o parque empresarial brasileiro dê o tão desejado e necessário salto de qualidade, competitividade, tecnologia e produtividade”.

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