REVISTA FACTO
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Abr-Jun 2012 • ANO VI • ISSN 2623-1177
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//Artigo

ACHÉ - A riqueza da biodiversidade brasileira e o desafio para um novo regime jurídico

Introdução

Sabemos que a biodiversidade, além dos serviços
ecossistêmicos imprescindíveis ao equilíbrio
ecológico do planeta, também funciona
como fonte básica na geração de insumos utilizados
na economia – óleos, sementes, folhas,
frutas e fibras usadas nas indústrias farmacêutica
e de cosméticos, entre outras.

Apesar de sua importância para toda a sociedade
brasileira, após 14 anos da internalização da
Convenção de Diversidade Biológica no Brasil,
por meio do Decreto nº 2.519, de 16/03/1998 e
mesmo considerando todos os esforços para implantação
da Medida Provisória nº 2.186-16, de
23/08/2001, ainda há necessidade de aprofundamento
sobre o regime jurídico de acesso ao patrimônio
genético e a repartição justa e equitativa
dos benefícios advindos da exploração econômica
dos resultados obtidos a partir desse acesso, uma
vez que a estrutura atual da legislação tem enfrentado
grandes dificuldades na sua operacionalização
prática.


Caso prático do Acheflan e a MP nº 2.186-16, de 16.08.2001

A MP 2186-16/01 institui uma série de exigências
para o acesso ao patrimônio genético e/ou
conhecimento tradicional associado (ou seja, a sua
pesquisa), sendo a principal delas a exigência de
obtenção de autorização de acesso ao patrimônio
genético antes mesmo de o interessado em pesquisar
poder iniciar seus estudos. Ainda para a
concessão dessa autorização, o interessado precisa
apresentar diversos documentos, dentre eles um
projeto de pesquisa detalhando o que se pretende
realizar quando for autorizado o acesso, além
de ser exigido um termo de anuência prévia e a
assinatura de contrato de repartição de benefícios
com aquele que detém o patrimônio genético em
sua propriedade (“provedor”) antes que qualquer
acesso seja realizado. De acordo com o próprio
órgão responsável por emitir as autorizações – o
CGEN – o prazo de tramitação de um pedido de
autorização pode variar de sete meses a um ano,
podendo ser superior.

Contudo, como as empresas sediadas no exterior
podem importar espécie da biodiversidade brasileira
e realizar suas pesquisas fora do território nacional,
sem possibilidade de aplicação da Medida
Provisória ou de suas sanções, não raro o produto
desse concorrente estrangeiro, com biodiversidade
brasileira, é lançado e comercializado antes do
produto desenvolvido pela indústria nacional, que
precisou ter suas pesquisas sobrestadas por um
ano para aguardar a autorização. Caso a empresa
nacional não obtenha a autorização anteriormente
ao acesso, está sujeita a severas sanções administrativas,
como a aplicação de multa, ainda que
deseje adequar o seu caso à complexa legislação
em vigor, enquanto os concorrentes no exterior
não enfrentam esses desafios. Isso tem gerado um
grande desestímulo à indústria e também a pesquisa
nas universidades e centros de pesquisa ao
desenvolvimento de novos produtos advindos dessa
biodiversidade.

O exemplo do laboratório Aché, empresa de capital
100% nacional, é emblemático na demonstração
das dificuldades de conciliação da legislação
atual com o desenvolvimento e comercialização de
produtos advindos do acesso à biodiversidade. Obteve
o registro de um fitomedicamento totalmente
desenvolvido no Brasil, a partir das pesquisas da
empresa sobre biodiversidade brasileira, sendo responsável
pelo abastecimento de aproximadamente
10% do mercado em sua categoria.

O acesso ao patrimônio genético que deu origem
ao Acheflan ocorreu antes da vigência da Medida
Provisória. E justamente em função da insegurança
jurídica causada pela falta de norma de
transição desta medida, o Aché ingressou com
ação judicial para obter a declaração de que esta
legislação é inaplicável ao Acheflan. Não obstante,
enquanto o Aché aguarda a definição judicial, foi
surpreendida com o recebimento de um auto de
infração do Ibama no valor de R$25 milhões sob
a alegação de que a empresa deixou de repartir benefícios
em relação à comercialização do Acheflan.

No caso, a questão central é avaliar a partir de
quando a MP passou a ter eficácia. Isso porque,
a primeira edição da MP, qual seja a Medida Provisória
nº 2.052, foi promulgada em 29/06/2000,
mas sequer previa, nessa versão, a criação do
CGEN. Este órgão somente foi previsto pela MP
em sua versão de no. 2.186-11, em 24/04/2001
e foi essa edição que previu o artigo 34 da forma
como hoje está vigente, fixando a necessidade
de adequação à MP e a seu regulamento – não
existente. Logo, somente a partir de 24/04/2001
passou a ser necessária a obtenção de autorização
de acesso ao CGEN. Ocorre que, apenas em
25/04/2002 foi realizada a primeira reunião do
CGEN. Ou seja, ainda que desde 24/02/2001 fosse
necessária a obtenção de autorização de acesso,
não seria possível sequer solicitá-la, pois somente
após abril de 2002 o órgão foi constituído.

Além de todas essas dificuldades, em função do
que dispõe a Resolução no. 207/2009 do INPI,
passou a ser necessária a apresentação de autorização
de acesso ao patrimônio genético ao INPI
quando do exame do pedido de patente. Caso essa
autorização não seja apresentada, o INPI poderá
formular a exigência para a apresentação desse
documento, que deverá ser atendida no prazo de
60 dias, sob pena de arquivamento do pedido de
patente. Em caso de arquivamento, a inovação desenvolvida
cairá em domínio público e poderá ser
apropriada pelos próprios concorrentes do Aché.
Diante desse cenário de insegurança jurídica, as
empresas têm optado em não mais realizar pesquisas
envolvendo o patrimônio genético nacional. Com
isso, perde a inovação do país e as comunidades que
deixam de compartilhar amostras ou conhecimento
para acesso e de receber repartição de benefícios.

Contribuições para uma nova proposta de regime jurídico

Como se vê, o cenário atual é de incerteza jurídica
e dificuldade de compreensão e operacionalização
da MP 2186-16/01, o que afasta as empresas
brasileiras do desenvolvimento de fitoterápicos e
cosméticos a partir da biodiversidade brasileira.
Exemplo disso é que a grande maioria dos fitoterápicos
vendidos no Brasil são importados.
Uma vez em andamento no Poder Executivo, discussão
sobre a revisão da MP nº 2.186-16/2001 e
considerando a suficiência de experiências adquiridas
ao longo da última década na implantação desta
Medida Provisória, há grande expectativa de que
sejam adequados os conceitos de forma e conteúdo,
aptos a facilitar a implantação das regras e tornar
pleno o sistema no Brasil. Nesse sentido, a título de
contribuição, sugerimos a reflexão sobre as seguintes
propostas para o tratamento do tema no Brasil:

a) revisão dos conceitos legais: buscar aprimorar
os conceitos para dar maior precisão legal do
que seja coleta de material biológico, patrimônio
genético, acesso a patrimônio genético, acesso a
conhecimento tradicional associado, dentre outros,da biodiversidade ao longo da cadeia produtiva de
geração de produto ou processo a ser explorado
economicamente, mediante a identificação clara
da atividade desempenhada e garantir maior eficiência
na operacionalização da legislação, com vistas
a coibir práticas ilegais, quando identificadas;

b) procedimento simplificado de coleta, acesso
ao patrimônio genético e/ou ao conhecimento
tradicional associado, notadamente aos nacionais,
mediante sistema de informação: buscar
por estas alterações agilizar o procedimento
de coleta e acesso, com proposta de substituir a
atual Autorização, por ato auto-declaratório consubstanciado
em Cadastro Informatizado, para as
pessoas físicas e jurídicas nacionais. A manutenção
da Autorização vigoraria apenas para coleta e
acesso que envolva pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras,
sem sede no território nacional, tendo
em vista a necessidade de estabelecimento de procedimentos
diferenciados em razão da distância
para o controle das atividades. Isso para incentivar
a produção e desenvolvimento local e facilitar o
acompanhamento por parte do Estado das atividades
realizadas sobre esse patrimônio nacional.
Ao mesmo tempo, dará maior agilidade para que
as pesquisas e o desenvolvimento tecnológico possam
ocorrer, na busca por bons resultados. Esse
sistema de informação propiciaria também uma
maior liberdade para as pesquisas científicas, pois
apenas necessitariam preencher o Cadastro, para
acompanhamento pelo Estado, garantindo assim a
rastreabilidade do uso da biodiversidade sem prejudicar
o avanço da Ciência.

c) facilitação e clareza na repartição de benefícios
justa e equitativa, com a faculdade de escolha do
modelo de repartição: a repartição dos benefícios
ocorreria somente no momento da identificação da
possibilidade de exploração econômica do produto
ou processo diretamente resultante do desenvolvimento
tecnológico decorrente do acesso ao patrimônio
genético ou conhecimento tradicional a ele
associado, mediante notificação ao CGEN, indicando
a modalidade de repartição de benefícios: ou
(1) a repartição monetária através de pagamento de
contribuição incidente sobre a receita líquida anual
obtida com a exploração econômica de produto
oriundo diretamente do desenvolvimento tecnológico,
a Fundos próprios da União. Espera-se que
esse benefício seja preferencialmente revertido
à localidade onde se deu o acesso ao patrimônio
genético e ao conhecimento tradicional associado,
principalmente nas hipóteses em que não seja
possível a identificação clara do provedor; ou (2) a
repartição via contrato de repartição de benefícios,
que pode ter componente monetário e não monetário,
quando fosse possível identificar com clareza
todos os beneficiários da repartição. Este “modelo
de escolha” poderia ser uma solução, uma vez que
ainda perdura uma indefinição jurídica acerca dos
mecanismos de controle por parte do Estado para
declaração do que sejam os conhecimentos tradicionais
associados ao patrimônio genético acessado,
e o fato do material biológico da biodiversidade
brasileira ser considerado bem de uso comum do
povo (art. 225 CF/88). Assim, a proposta de atribuir
àquele que promoveu o acesso a possibilidade
de escolha da modalidade a ser adotada para a repartição
de benefícios, respeitando e reconhecendo
os direitos das comunidades tradicionais, seria
uma opção viável e em sintonia com os princípios
insculpidos na CDB e na Constituição Federal
brasileira, principalmente porque o Estado, com os
recursos arrecadados nos Fundos, poderá promover
programas públicos para conservação da biodiversidade,
para sua fiscalização e para a proteção
e preservação dos conhecimentos tradicionais. A
modalidade contratual seria adotada somente nos
casos em que se tivesse segurança jurídica para todos
os envolvidos de que todos os direitos foram
preservados;

d) regularização das atividades de acesso: considerando
as dificuldades operacionais práticas da
legislação em vigor e a insegurança jurídica causada
pela indefinição dos montantes das multas
a serem aplicadas, sabe-se que a maior parte das
empresas e institutos de pesquisas que acessam a
biodiversidade brasileira e os conhecimentos tradicionais
associados encontra-se em dissonância
com a MP nº 2.186-16/2001. Mesmo com a adoção
da Resolução CGEN nº 35, de 23/05/2011,
que objetivou permitir a regularização das instituições
de pesquisa e empresas que realizam ou
realizaram atividades de acesso ao patrimônio
genético e/ou conhecimento tradicional associado
nessas condições, a qual foi uma medida importante,
ainda há necessidade de um mecanismo de
regularização que afaste a incerteza da punição,
porém garantindo a repartição dos benefícios decorrentes.

O momento é crucial. Nosso país precisa contar
com novo marco regulatório de acesso a biodiversidade
e aos conhecimentos tradicionais associados
a este acesso, uma vez que as interações
e projetos nesta área poderão permitir a efetiva
consolidação de um modelo viável à promoção do
desenvolvimento sustentável no Brasil.

Adriana Diaféria
Adriana Diaféria
Diretora Executiva do Grupo FarmaBrasil.
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