REVISTA FACTO
...
Out-Dez 2011 • ANO V • ISSN 2623-1177
2023
73 72 71
2022
70 69 68
2021
67 66 65
2020
64 63 62
2019
61 60 59
2018
58 57 56 55
2017
54 53 52 51
2016
50 49 48 47
2015
46 45 44 43
2014
42 41 40 39
2013
38 37 36 35
2012
34 33 32
2011
31 30 29 28
2010
27 26 25 24 23
2009
22 21 20 19 18 17
2008
16 15 14 13 12 11
2007
10 9 8 7 6 5
2006
4 3 2 1 217 216 215 214
2005
213 212 211
//Matérias

Reflexão sobre a "quebra de patentes"

Denise Rahal Lobato é farmacêutica e bióloga, especialista em Marcas e Patentes da EMS. Letícia Khater Covesi é doutora em bioquímica, pós-doutorada na Faculdade de Ciências Médicas, pesquisadora colaboradora no Hemocentro (Unicamp) e coordenadora de Marcas e Patentes da EMS.

Em setembro deste ano, a presidenta Dilma Rousseff, em seu discurso na sede da ONU, defendeu a “quebra de patente” nos casos de remédios para tratamento de determinadas doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e hipertensão, e acesso gratuito a medicamentos para população de baixa renda para tratardesses males.

O termo “quebra de patente” foi utilizado pela presidente de modo a facilitar o entendimento popular. Em seu contexto geral, é a previsão legal (artigos 68 a 74 da Lei da Propriedade Industrial, Lei 9.279, de 14 de maio de 1996) da possibilidade de se estabelecer uma flexibilização dos direitos de propriedade sobre determinada patente, ou seja, permite a exploração da patente, atribuindo uma imposição legal de licença compulsória ao titular da patente, mediante o cumprimento de requisitos pré-determinados sob a ótica das políticas nacionais de saúde pública e do acesso a medicamentos.

Segundo Denis Borges Barbosa, especialista na área, com base na lei vigente, a licença compulsória pode ser dividida em algumas modalidades, cada qual com suas particularidades: licença por abuso de direitos, por abuso de poder econômico, licença de dependência, licença por interesse público e licença legal que o empregado, co-titular de patente, confere a seu empregador.

Dentre as licenças acima citadas, a mais empregada é a licença por interesse público (art.71 da Lei de Propriedade Industrial):

“Art. 71. Nos casos de emergência nacional ou interesse público, declarados em ato do Poder Executivo Federal, desde que o titular da patente ou seu licenciado não atenda a essa necessidade, poderá ser concedida, de ofício, licença compulsória, temporária e não exclusiva, para a exploração da patente, sem prejuízo dos direitos do respectivo titular.”

Destacamos que, tecnicamente, o licenciamento compulsório não significa literalmente a “quebra de patente”, uma vez que o detentor da patente mantém seus direitos e recebe um pagamento pelas cópias produzidas ou importadas.

Este instrumento internacional costuma ser utilizado pelos governos, independentemente do desenvolvimento econômico do país (EUA, Tailândia, entre outros). A Índia teve este ano o primeiro requerimento de licença compulsória pela Natco Pharma para o medicamento Nexavar (tosilato de sorafenibe), da Bayer, utilizado para tratar câncer de rim e fígado. Este medicamento atinge menos de 1% dos 100 mil pacientes in- dianos, segundo a Natco, que propõe em seu pedido produzi-lo a custo inferior e disponibilizá-lo a todos os pacientes.

Para relembrar o caso brasileiro do decreto que oficializou o licenciamento compulsório da patente do antirretroviral Efavirenz, vale a pena reler o artigo de Nelson Brasil e Eduardo Costa da edição de maio de 2007 da Facto*(disponível no site da ABIFINA). Este artigo mostra a necessidade deste dispositivo previsto na lei nacional e nos acordos internacionais e esclarece o cuidado para aplicálo, contextualizando o cenário vigente, cujo balanço de pagamentos do País para fármacos e medicamentos apresentava déficits crescentes.

Depois de muitas tentativas de acordo entre o laboratório titular da patente e o governo brasileiro – quando o primeiro não foi capaz de reduzir significantemente o preço do antirretroviral – o licenciamento compulsório autorizou o Brasil a importar versões genéricas até que um laboratório brasileiro fosse capaz de fabricar em território nacional, sendo necessário o pagamento de royalties à empresa norteamericana.

Quando o combate ao abuso do poder econômico na prática de preços mais justos, aliados ao fortalecimento de mecanismos facilitadores de transferência de tecnologia, for uma solução realmente comprometida com o desenvolvimento nacional, será desnecessário exercer este licenciamento que a mídia gosta de divulgar como “quebrar patentes” farmacêuticas, pois a população terá acesso aos medicamentos a preços justos, sem onerar o sistema de saúde publica. E haverá o equilíbrio entre os direitos de propriedade patentária e os interesses públicos.  Até lá, para organizar o sistema de saúde e garantir os direitos sociais dos brasileiros, a interpretação dos direito de propriedade intelectual deve considerar valores fundamentais, como o direito a uma vida digna e justa.

Anterior

POLÍTICA INDUSTRIAL A INDÚSTRIA E O CRESCIMENTO ECONÔMICO

Próxima

ABIFINA lança programa de oficinas e novos serviços