REVISTA FACTO
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Out-Dez 2011 • ANO V • ISSN 2623-1177
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Uma visão sobre o nascimento da química fina no Brasil
//Entrevista Fernando Sandroni

Uma visão sobre o nascimento da química fina no Brasil

Depois de vivenciar o crescimento do setor de química fina no Brasil, em seguida à criação das petroquímicas, o engenheiro Fernando Sandroni testemunhou o sucateamento desse parque industrial. Formado pela PUC-RIO, Mestre em Ciências pela ENSA, Paris, e especialista em Regulação e Controle pelo Instituto Francês de Petróleo, ele iniciou sua carreira na Petrobras. Fez parte de diretorias e conselhos de administração de importantes empresas dos anos 70 aos 90, entre as quais a Copene (hoje Braskem), Norquisa, Nitroclor, Carboderivados, Companhia Alcoolquímica Nacional, Biolab e Nortec.

Entusiasta das causas da indústria, Sandroni também tomou assento no Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e no Conselho de Administração do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA /RJ). Ex – presidente do Conselho de Administração da ABIFINA, Sandroni hoje faz parte do seu Conselho Consultivo, do Conselho de Desenvolvimento da PUC-RIO, além de presidir o Conselho Empresarial de Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN) e o Comitê de Inovação Tecnológica da Academia Nacional de Engenharia (ANE).

Os tantos anos como homem de empresa não excluíram a sensibilidade artística. Sandroni também é pianista, pesquisador da história da música, tendo criado e dirigido o grupo de música popular Lira Carioca. Baseado em sua experiência e sempre na busca da harmonia, ele conta à Facto algumas importantes passagens da constituição do setor brasileiro de química fina, que hoje luta para se reerguer.

O senhor acompanhou, como dirigente empresarial e de entidades do setor produtivo, a política industrial dos anos 70 e 80. Como a estratégia da época constituiu o setor petroquímico e, em consequência, o de química fina no Brasil?

A indústria petroquímica teve início no Brasil nos anos 50 com a iniciativa de grupos privados que já a conheciam da Europa e dos Estados Unidos e começaram atividades, ainda de pequeno porte, com base em matérias-primas da refinaria de Cubatão (SP). Nos anos 60, aparece o primeiro polo petroquímico no estado de São Paulo, liderado pela iniciativa privada, que, com dificuldades para terminá-lo, procura então a participação do Estado através da Petroquisa, braço químico da Petrobras. A crescente necessidade de recursos financeiros leva a Petroquisa a assumir o controle acionário da empresa, a Petroquímica União, concluída no início dos anos 70. Naquele momento o País crescia a taxas muito elevadas, era o famoso período do milagre brasileiro, em que a demanda por produtos petroquímicos era muito alta e havia a necessidade de expandir a produção. Estes fatos, em todos os seus detalhes, estão contados no notável livro sobre a história da petroquímica no Brasil de autoria de Otto Vicente Perrone, editado pelo IBP e belamente prefaciado por Paulo Vieira Belotti.

Qual era o papel do Estado para se obter aquela ampliação de produção?

Foi criada a ideia do modelo tripartite, em que o Estado – no caso, a Petroquisa – entra com um terço do capital, um grupo privado nacional entra com mais um terço e um grupo estrangeiro, detentor de tecnologia de ponta, entra com o outro terço. O Estado tem participação muito importante, pois a matéria-prima – a nafta – vinha de um monopólio estatal, que era a Petrobras. O equilíbrio econômico empresarial é conseguido pela participação da Petrobras na Central de Matérias-Primas e nas empresas de segunda geração, em valor nunca inferior a qualquer um dos sócios, nacional ou estrangeiro. Com esse modelo, é criada uma petroquímica de classe mundial e a Petroquisa passa a ter resultados que a levam também à categoria de empresa de porte internacional.

A experiência serviu de base para outros polos petroquímicos?

O modelo se consolidou na Bahia com a Companhia Petroquímica do Nordeste (Copene), hoje Braskem. Mal ela entrou em operação, já houve a necessidade de expandir a produção nacional novamente. Então, é lançado o polo do Rio Grande do Sul, a partir da Companhia Petroquímica do Sul (Copesul), que passa a operar no início dos anos 80. Em 1992, houve a duplicação do polo petroquímico do Nordeste e, em seguida, a criação do polo gás-químico do Rio de Janeiro – bem menor do que o da Bahia. Atualmente – 20 anos após a duplicação da Copene -, está em construção o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Portanto, aquela política foi vitoriosa no sentido de ter construído a sólida petroquímica que o Brasil possui até hoje.

Além das participações acionárias, qual foi a importância da Petrobras na constituição da cadeia produtiva do setor?

Com a missão de desenvolver a petroquímica no Brasil, a Petrobras acabou cedendo uma grande quantidade de engenheiros e administradores do seu próprio quadro para atuar no setor. Embora o conhecimento de química orgânica no país e, consequentemente, sobre processos petroquímicos, ainda fosse pequeno, essas pessoas tinham capacidade técnica suficiente para entendê-los, operá-los e, mais tarde, se lançar no desenvolvimento de novas tecnologias. Alguns profissionais vieram a ser diretores das empresas então criadas.

O segundo ponto é que, desde o início das suas atividades, a Petrobras prestigiou a fabricação de equipamentos no Brasil. É evidente que, muitas vezes, eles saíam mais caros do que os importados, mas havia aí um trade-off entre ter um investimento mais caro, porém estar contribuindo para o desenvolvimento de tecnologias e da economia do Brasil. É fato conhecido que a Petrobras ajudou enormemente na implantação da indústria de bens de capital e na formação de grandes empresas de engenharia, muitas das quais, infelizmente, desapareceram nos anos 90.

Como o senhor vê a participação dos grupos privados nacionais neste processo?

De forma muito positiva. Os investimentos eram proporcionalmente grandes para a capacidade financeira individual dos grupos industriais interessados e aqueles que se lançaram inicialmente motu propio na petroquímica não haviam conseguido associar-se com detentores de tecnologia de ponta. Alem disso, havia ainda nos anos 70 uma grande percepção de risco em relação a tais empreendimentos no Brasil. Fato que poucos conhecem é que a central de matérias-primas do polo de São Paulo foi inicialmente construída pela Union Carbide, a maior produtora mundial de petroquímicos básicos na época, que fracassou com o processo Wulf, uma grande inovação tecnológica que não funcionou em escala industrial. Depois de construída, a unidade teve que ser desmontada, com enormes perdas financeiras. A decisão dos grupos privados nacionais de participar com a Petrobras no desenvolvimento da petroquímica foi então, sem dúvida, um exemplo de espírito empreendedor.

Como o senhor vê a contribuição da empresa Norquisa, da qual foi diretor, para o desenvolvimento da petroquímica e da química fina?

A Norquisa foi constituída no ano de 1980, na forma de holding, pela união de vários grupos que atuavam na petroquímica. Ela se destinava a ser parceira da Petroquisa, que estava tolhida nos investimentos devido a injunções políticas da época. A Norquisa tomou para si a liderança do desenvolvimento de projetos em química básica, além dos novos investimentos em química fina. Assim, vários projetos que estavam parados foram retomados. Como exemplo, a duplicação da Salgema em Alagoas e a da Coperbo em Pernambuco. Estes empreendimentos foram muito importantes para o desenvolvimento da alcoolquímica no Brasil, pois com a crise do petróleo era necessário desenvolver fontes renováveis de matéria-prima. No estado do Espírito Santo, foi criada uma empresa carboquímica, a Carboderivados. De todos, o maior investimento foi, em sociedade com a Petroquisa, a duplicação da Copene em 1992.

Na Bahia, no Rio de Janeiro e em São Paulo, foram realizados novos investimentos em química fina que iam desde os intermediários até a indústria farmacêutica. A Norquisa teve ainda papel relevante no desenvolvimento de tecnologias para a indústria farmoquímica. Do spin-off de seu departamento de pesquisa resultou a Nortec, hoje a maior fabricante brasileira de insumos para a indústria farmacêutica.

A ABIFINA tem mostrado que a indústria de química fina sofreu um processo de sucateamento principalmente nos anos 90, do qual agora está se reerguendo. Como o senhor vê esta questão?

Os dados da ABIFINA correspondem a uma dura realidade. Para ser mais preciso: houve na época um processo muito complexo de desnacionalização e quase sucateamento total da indústria. O avanço da produção brasileira em áreas consideradas estratégicas não era bem visto pelas grandes empresas que dominavam o mercado mundial. O mercado brasileiro de produtos farmacêuticos e o de defensivos agrícolas, por exemplo, sempre foi importante. Era na época abastecido basicamente por importações. Em função de certas medidas do governo tomadas nos anos 70/80 que estimularam a fabricação interna, algumas empresas estrangeiras que haviam começado produções locais interromperam este processo, com a abertura abrupta do mercado nos anos 90, pois podiam abastecê-lo a partir de suas matrizes. Elas tinham esta alternativa que as empresas nacionais não possuíam. Daí a interrupção de grande parte da produção interna. A desnacionalização ocorreu com empresas nacionais de produtos considerados internacionalmente muito importantes por seu grande poder de penetração em variados mercados finais da química fina. É um assunto a ser ainda aprofundado. Dou aqui apenas o exemplo da empresa Química da Bahia, instalada no polo de Camaçari, única produtora de aminas especiais no hemisfério sul, dotada de alto nível tecnológico, que foi adquirida pela maior produtora internacional, sua concorrente direta. A principal amina lá produzida é fundamental para a fabricação do herbicida, que veio a se tornar o defensivo agrícola de maior volume de vendas no mundo.

O senhor acha que a reindustrialização do País deveria estar acontecendo de forma mais acelerada?

É importante lembrar que o Brasil passa por verdadeiras revoluções na área econômica nos anos 80 e 90, com hiperinflação, crise cambial etc. Muitas produções que vinham sendo desenvolvidas nos anos 80 pararam nos anos 90. A partir do ano 2000, o processo de estabilização monetária vai começando a render seus primeiros frutos. Bastou que os juros e o câmbio tivessem um comportamento melhor nos anos 2004 e 2005 para que a indústria voltasse a crescer. Mas, a partir daí, voltamos a ter disfunções na tríade câmbio, juros e inflação, alterando expectativas econômicas muito desfavoráveis à produção nacional, tornando-a mais difícil. É o problema que nós estamos vendo hoje.

O que o Governo poderia fazer
para alavancar o crescimento da
indústria?

O Governo tem tomado algumas iniciativas importantes na área dos Complexos Industriais da Saúde e da Defesa. Mas o Brasil sempre relutou em usar o poder de compra do Estado. As políticas poderiam alavancar mais o desenvolvimento brasileiro se isso fosse feito de uma forma mais rápida e abrangente, no sentido da defesa da produção e do emprego no País.

Por outro lado, existe a necessidade de aumentar com vigor os investimentos governamentais em pesquisa aplicada para desenvolver a inovação da indústria, sem descuidar da pesquisa básica. Sem isso, vamos ficar muito tempo atrasados em relação ao que os outros países têm feito. Os incentivos diretos em pesquisa aplicada têm grande poder de alavancar os investimentos das empresas em atividades inovativas. Alguns estudos já vêm sendo feitos neste sentido por economistas brasileiros. Mas é, de longe, o ambiente macroeconômico a variável de maior peso neste processo de estímulo à inovação pelas empresas. Acho que o real entendimento desta questão é fundamental.

Como o Conselho de Tecnologia da Firjan tem tratado o tema de tecnologia e inovação?

O principal trabalho, já há muitos anos, foi chamar a atenção para a importância da inovação tecnológica. Em 1999, a Firjan encaminhou ao Governo o primeiro programa de inovação tecnológica advindo da indústria. Em função da presidência do Conselho de Tecnologia da Firjan, também sou editor dos Cadernos de Tecnologia, publicações pelas quais lançamos propostas de políticas para o setor. Esses cadernos levantaram, já no inicio dos anos 2000, a importância dos incentivos governamentais não-fiscais, tais como a participação do governo nos riscos do desenvolvimento tecnológico e o uso do poder de compra do Estado. Com isso, ajudamos na criação da Lei da Inovação e da Lei do Bem. Novas propostas virão. É preciso continuar nesta caminhada, pois, quanto mais se avança tecnologicamente, maiores são os problemas de relações internacionais e melhor deve ser o planejamento do País como um todo.

O senhor é músico e engenheiro. Existe relação entre as duas atividades?

Sempre fui músico e isso é parte importante da minha vida. Na música erudita, tenho atualmente um trabalho de pesquisa sobre a relação entre a música e a matemática. Também já estudei as raízes da música popular brasileira, chegando a gravar alguns CDs.

É preciso ter química para tocar em grupo?

Isso realmente tem que existir, mas talvez seja uma química diferente, mais um catalisador psicológico. Você tem que gostar das pessoas com quem faz tanto música como tecnologia. Tem que haver harmonia.

Fernando Sandroni
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