REVISTA FACTO
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Abr-Jun 2011 • ANO V • ISSN 2623-1177
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//Artigo

Insegurança Jurídica e Qualidade de Patentes

Direitos de propriedade mal definidos ou difíceis de conhecer são uma fonte poderosa de insegurança jurídica e de conflitos de posse e uso. No Brasil a litigiosidade sobre direitos de propriedade intelectual vem apresentando um preocupante crescimento nos últimos anos e isto indica a existência de problemas no sistema, capazes de trazer consequências danosas ao pretendido desenvolvimento tecnológico do país.

Os direitos de propriedade sobre bens tangíveis são relativamente fáceis de conhecer e de regular, e há uma larga tradição em como fazê-lo. Se eu estiver dirigindo um automóvel haverá uma percepção pelos outros de que aquele bem me pertence e, em caso de dúvida, existe um sistema legal e obrigatório de registro do mesmo para prová-lo. Se possuir uma fazenda, a cerca envolvendo a mesma dá a terceiros, imediatamente, o conhecimento dos limites da minha propriedade, da área que eles não podem invadir sem ferir os meus direitos. Mesmo na ausência de uma cerca, existem meios tradicionais de se conhecer os seus limites recorrendo aos registros da mesma para conhecer seus marcos legais, e técnicas de agrimensura adequadas para delimitá-la com segurança.

O caso de direitos de propriedade sobre bens intangíveis é bem mais complicado o que tem provocado, no mundo todo, uma enxurrada de disputas judiciais. É claro que existe um sistema internacional e nacional destinado ao reconhecimento e registro de direitos de propriedade sobre invenções, mas ele não tem sido capaz de eliminar as fontes de conflito que resultam, em primeiro lugar, de como saber que aquela invenção está protegida e, em segundo lugar, da dificuldade de precisar os limites de tal proteção.

No caso das invenções industriais o registro da propriedade é feito através da emissão da carta-patente por um órgão especificamente capacitado para fazê-lo, ao amparo de uma legislação específica. A delimitação precisa da propriedade protegida depende da precisão da lei e de sua interpretação, e da qualidade do documento de patente emitido. A possibilidade de evitar as infrações a tais direitos depende do sistema de divulgação dos mesmos.

Se conhecer a quem pertence uma casa, um terreno, um automóvel é coisa relativamente simples e barata de fazer recorrendo-se aos sistemas públicos de registro e aos profissionais do ramo, no caso de direitos de patente a coisa é bem mais difícil e extremamente dispendiosa. Um pesquisador que esteja desenvolvendo uma ideia na busca de uma invenção e que queira se certificar de que não estará infringindo direitos de terceiros e que poderá futuramente proteger a sua invenção terá que se valer de profissionais especializados para pesquisar, primeiro, se há alguma patente cujo objeto esteja relacionado com sua pesquisa e, segundo, os exatos limites da proteção conferida por esta patente. Em ambos os casos a tarefa esta longe de ser trivial e seu sucesso depende, em larga medida, da qualidade dos serviços do órgão emissor da patente, no Brasil, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

O sistema de divulgação das patentes concedidas e em vigor oferece um sem-número de dificuldades ao pesquisador. As informações iniciais são bastante reduzidas e nem sempre os resumos publicados dão uma ideia precisa da invenção e muito menos do escopo da proteção conferida. Para complicar ainda mais a situação o pesquisador pode se defrontar com referências erradas ou mesmo com omissão de informações importantes, como as correspondências com patentes de outros países ou datas equivocadas de prazos de validade, por exemplo.

A dificuldade maior, no entanto, reside na exata delimitação da proteção conferida e em nenhuma área da técnica a situação é tão complicada como na área das patentes químicas, especialmente na área da farmacêutica. Em primeiro lugar surge o problema da interpretação da lei, saber o que pode e o que não pode ser protegido. A lei concede proteção a invenções que sejam novas, possuam atividade inventiva e sejam passíveis de utilização industrial e que, além disso, estejam detalhadamente descritas de modo a que terceiros possam praticá-la sem maiores esforços. A lei também delimita o que não é invenção e as invenções que não são patenteáveis e aqui nos defrontamos com o problema da evolução do conhecimento e a necessidade de estarmos, permanentemente, repensando a lei ou sua interpretação para adequá-la a esta evolução. A atual discussão sobre a patenteabilidade em biotecnologia é um bom exemplo deste problema.

Embora a verificação da novidade exija um esforço considerável de pesquisa e não raro seja causa de litígios em função da falha em identificar um conhecimento prévio já divulgado, a maior parte das controvérsias a respeito da patenteabilidade provém da interpretação que se dá ao requisito da atividade inventiva. Se o sistema de patentes foi instituído para incentivar o desenvolvimento tecnológico através de um privilégio de 20 anos é razoável que se conceda tal proteção apenas a invenções que representem um avanço significativo da técnica, compatível com a dimensão da proteção. Como todo novo desenvolvimento está fundado no uso de conhecimentos anteriores, a concessão de patentes a invenções triviais pode resultar no efeito contrário, o de dificultar o avanço tecnológico pela restrição inadequada do conhecimento livre.

Em segundo lugar surge a dificuldade de saber os exatos limites do que está protegido, dificuldade que resulta, em grande parte, da linguagem utilizada na elaboração das reivindicações, a parte do documento de patente que descreve a proteção pretendida. Reivindicações podem ser intencionalmente redigidas de forma imprecisa dificultando o conhecimento do que está realmente protegido ou ampliando indevidamente os limites da proteção. Para exemplificar a existência de patentes mal concedidas pode-se tomar o caso dos Estados Unidos, onde a litigiosidade é grande. Lá 27% dos litígios julgados resultaram em perda de direitos, seja pela nulidade total da patente, seja pela invalidação de uma ou mais reivindicações.*

A qualidade do documento de patente é fundamental para o uso eficiente e eficaz do sistema de propriedade industrial como ferramenta de desenvolvimento e para evitar a litigiosidade de má-fé. A incerteza quanto ao que está protegido e os riscos potenciais de litígio impõem um custo adicional que pode refrear o impulso inovador e em nenhuma área isto é mais evidente que na químico-farmacêutica. Para garantir a emissão de patentes industriais de boa qualidade é essencial que o INPI disponha dos meios materiais e humanos adequados para enfrentar o desafio de uma avalanche de novos pedidos de complexidade cada vez maior em função dos avanços ininterruptos da ciência e da técnica. Esta é uma tarefa para a qual o governo deveria dar a máxima prioridade dentro da sua renovada política de desenvolvimento industrial.

* H. Matthew, J.L.Turner. (2006) – “The Court of Appeals for the Federal Circuit`s Impact on Patent Litigation”. Journal of Legal Studies, 35(1) 85-117.

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