REVISTA FACTO
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Jul-Ago 2010 • ANO IV • ISSN 2623-1177
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//Matérias

Biofármacos no Brasil

A biotecnologia ocupa uma posição cada vez mais importante na produção de fármacos, em geral inovadores e muitas vezes relevantes no tratamento de doenças críticas que tenham pouca ou nenhuma alternativa terapêutica válida. Essas medicinas são conhecidas como biofármacos.
Os biofármacos são produtos obtidos por meio do uso de micro-organismos, células, inclusive animais e plantas, modificados geneticamente ou não, capazes de sintetizar in vivo esses produtos.
Podemos “ensinar” uma bactéria a produzir uma proteína humana, incluindo no DNA dessa bactéria genes humanos que a direcionem a fabricar, por exemplo, somatotropina, que é o hormônio de crescimento humano. Extraindo e purificando o hormônio da bactéria, conseguimos o biofármaco. É assim que hoje se produz o medicamento utilizado para tratar o nanismo hipofisário. O mesmo pode ser feito com leveduras e muitos outros tipos de células.
Assim sendo, desenvolveram-se e são produzidos anticorpos monoclonais, hormônios e muitas outras proteínas com atividades terapêuticas relevantes. Os tratamentos de diferentes tipos de câncer, anemias, neutropenias, hepatites C e algumas doenças hereditárias como hemofilia ou Gaucher, entre outras, tiveram avanços revolucionários graças a esses anticorpos monoclonais e proteínas recombinantes específicas para cada uma delas.
Desde o desenvolvimento do primeiro produto biotecnológico – a insulina humana que chegou às farmácias em 1982 – uma proporção cada vez maior das medicinas usadas e sobretudo daquelas que têm receitas altíssimas, da ordem de vários bilhões de dólares/ano no mundo, são biofármacos.
A tecnologia envolvida para estes produtos é de enorme complexidade. Os biofármacos são moléculas até mil vezes maiores que fármacos sintéticos, tais como a aspirina ou as astatinas, composto este utilizado para  o controle do colesterol.
O desafio tecnológico de desenvolver e produzir biofármacos é formidável. É preciso compreender e dominar processos biológicos fermentativos sofisticadíssimos, sistemas de purificação de altíssima performance, metodologias de controle de qualidade de altíssima sensibilidade e diversidade, entre muitos outros temas.
Apesar de não termos ainda experiência suficiente, o Brasil não pode deixar de ser protagonista neste campo. Estamos apenas começando a engatinhar nesta área, enquanto  nossos concorrentes do BRIC estão bem adiantados.
De fato, os biofármacos significam no presente para o Brasil um prejuízo de muitos bilhões de reais ao ano em importações não balanceadas com exportações desse tipo de produtos. Temos urgência de desenvolver-nos já.
Mas, será que estamos preparados para concorrer nesse mercado e termos sucesso? Claro que sim, porém devemos ser extremadamente eficientes e aproveitar o momento, talvez o último que permitirá entrar no trem do desenvolvimento do futuro da indústria farmacêutica.
Precisamos muitas coisas para ser protagonistas e o Brasil se sobressai em algumas: temos governos conscientes da importância de impulsionar a autossuficiência tecnológica das empresas no país neste e em outros campos, e as incentivam com ferramentas eficazes, como a Lei do Bem e o apoio do BNDES; temos um mercado local grande, com empresas nacionais fortes e hábeis; o empresariado brasileiro é capaz de tomar decisões de investimentos de longo prazo, inteligentes, claras e mantidas no tempo; temos profissionais e técnicos de alta formação; temos fundos de risco na forma de subsídios, empréstimos com juros reduzidos e outros que, mesmo ainda insuficientes, são muito importantes comparativamente com os que outros países se permitem.
Em outros aspectos temos caminho para andar
Nossos concorrentes têm um mínimo de dez anos de experiência no desenvolvimento e produção de biofármacos, conhecem muitas das particularidades desses processos e as melhores vias para solucioná-las. É evidente que o Brasil precisa preencher este vazio. Para isso, estamos trabalhando em múltiplas colaborações com grupos internacionais bem capacitados para que em poucos anos  estejamos pelo menos no mesmo patamar de nossos concorrentes.
É preciso que os profissionais e técnicos, além da formação, tenham experiência real. Os grupos que fizeram desenvolvimentos exitosos no Brasil são poucos e bastante novos, mas apesar de não termos ainda massa crítica de pessoal treinado, estamos certos que o processo nos levará a uma situação adequada depois de alguns anos de constante crescimento e aprendizagem. Contamos com bom número de universidades de qualidade e existem em todo Brasil iniciativas federais, estaduais e até municipais para a criação e funcionamento de laboratórios de pesquisa, inovação e serviços tecnológicos em especialidades importantes para a indústria farmacêutica em geral e biofarmacêutica em particular, muitas já concretizadas e outras em processo de começar a funcionar. Quase ausentes no Brasil uma década atrás – laboratórios de desenvolvimento e produção em células de mamíferos, de engenharia de fermentação, de estudos em modelos animais, organizações capazes de desenvolver provas clínicas e outros – são hoje realidades. É nítido que ainda faltam ações,  mas estamos no caminho certo.
É fundamental ter um ambiente jurídico e regulatório bem adequado, moderno, eficaz, adaptado às nossas necessidades e capacidades, que ao mesmo tempo proteja a segurança da nossa população. Nos últimos anos foram criadas as bases das instituições responsáveis nestes assuntos: Anvisa, INPI, CGEN, entre outras. Estamos num período de transição onde indústrias ainda débeis devem ser controladas e ao mesmo tempo apoiadas para que possam começar a caminhar. É importante estar consciente de que estas tecnologias são incipientes no país e a legislação deve acompanhar a aprendizagem, exigindo qualidade, mas, ao mesmo tempo, permitindo que o desenvolvimento possa se concretizar. As autoridades sabem dessas necessidades e estão empenhadas em melhorar as diferentes legislações ou interpretações destas para proporcionar à indústria com base no Brasil as condições para um crescimento e evolução das tecnologias apropriadas. Estamos confiantes que os responsáveis saberão conduzir esta etapa de transição com empenho e inteligência. Está nas mãos deles a possibilidade de o Brasil aproveitar este momento único.
Em resumo, a oportunidade está aqui e agora, depende apenas de aproveitá-la.
A correta condução pública e o acompanhamento privado deste processo darão condições para que o Brasil deixe de depender da importação de biofármacos de alto valor, com déficits maiores ano após ano no balanço comercial de medicinais, e passe a ser desenvolvedor, produtor e, sem dúvida, exportador de biofármacos e tecnologias associadas.

Carlos Alberto Melo
Carlos Alberto Melo
Diretor de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação do Aché Laboratórios Farmacêuticos.
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