REVISTA FACTO
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Mar-Abr 2010 • ANO IV • ISSN 2623-1177
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"Nossa associação tem uma personalidade e um norte que precisam ser preservados"
//Entrevista Jean Peter

"Nossa associação tem uma personalidade e um norte que precisam ser preservados"

Jean Peter acaba de assumir a presidência da ABIFINA para a gestão 2010-2012. À sua frente, a missão de incentivar o desenvolvimento do setor de química fina nacional no momento em que o mundo busca uma via sustentável para o crescimento. O engenheiro mecânico, formado na Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, acompanhou momentos iniciais da implantação da indústria química brasileira. Em 1967, ingressou na multinacional norte-americana Union Carbide, em que chegou a diretor da Divisão Polietileno, presidente no Brasil e presidente regional para América Latina e África do Sul, entre outros cargos. Hoje, com quarenta anos de profissão, é sócio e diretor superintendente da Globe Química.

O novo presidente da ABIFINA, que vivenciou diferentes etapas da história político-econômica brasileira, critica as iniciativas existentes para fomentar a produção de química fina. Para ele, o país promove a inovação, até mesmo radical, antes de ter uma indústria consolidada para aplicá-la – uma política de resultados nulos. Porém, visionário, faz questão de manter o ânimo característico da liderança – habilidade comprovada em seus hobbies de pilotar e velejar. “O Brasil tem tudo para dar certo: recursos, pessoas e instituições. Podemos, sim, construir uma indústria de qualidade”.

Quais são os planos de sua gestão frente à ABIFINA?

A ABIFINA tem uma personalidade e um norte que precisam ser preservados. É uma associação brasileira que defende os interesses dos brasileiros e, mais especificamente, da indústria brasileira de química fina. Porém, não sou nacionalista a ponto de dizer que a ABIFINA não possa ter, como associadas, empresas de capital estrangeiro. Estou aberto a essa idéia – defender o oposto iria contra minha própria história profissional. Mas essas corporações devem estar aqui segundo os interesses do Brasil. A ABIFINA ajuda o país a crescer, ao fornecer conhecimento, propostas e projetos, além de cobrar ações do governo. Nos próximos seis meses, a entidade deve determinar seus objetivos em suas linhas de atuação e as ações práticas para avançar nessa direção.

Prevê novas oportunidades de crescimento para a indústria farmoquímica nacional?

Não acredito na estabilidade mundial de longo prazo. Penso que a indústria farmoquímica deixará de ficar concentrada na Índia, China e Europa. Quanto mais a China crescer, mais precisará enfrentar seus problemas de meio ambiente e da baixa qualidade de vida da sua população. E, com isso, os preços subirão. A sociedade corre um grande risco ao depender de uma única fonte de fornecimento com esse nível de insegurança.

Nossa indústria de genéricos e de similares se mantém à base de produtos indianos e chineses. O Brasil precisa refletir: e se houver um conflito militar nessas regiões? Se houver um súbito desabastecimento? Não teríamos para onde recorrer, pois contamos com poucas indústrias. Precisamos de um planejamento estratégico para desenvolver nossa indústria de química fina. A ABIFINA é o fórum para se discutir a questão.

Pesquisas recentes apontam um claro sinal de desindustrialização do país. Qual é o papel da taxa de juros e do câmbio nesse processo?

Os princípios econômicos que levaram à estabilidade se basearam em uma taxa de juros atrativa e no câmbio flutuante. Em paralelo, tivemos grande alta nos preços das commodities. O país se tornou estável, passou a receber grande fluxo de capital externo e, ao mesmo tempo, constituiu uma balança de pagamentos favorável. Por outro lado, criamos o mesmo problema da Noruega, onde o descobrimento do petróleo levou à exportação desse bem e à importação de todo o resto. É evidente que os juros constituem a principal barreira à competitividade, porém não devemos olhá-lo isoladamente. A desindustrialização resulta da combinação de altas taxas de juros, câmbio flutuante, impostos pesados, burocracia infernal e infraestrutura deficiente. O Brasil cobra imposto sobre o produto que ainda não foi vendido!

Como avalia a proposta do Banco Central criar um sistema de metas de câmbio, semelhante às metas de inflação?

É difícil controlar dois fatores em que um é consequência do outro. Se o governo não precisasse de superávit tão alto para dar segurança a seus credores, a taxa de juros diminuiria. Neste cenário, o câmbio é o fator menos relevante, pois, se o governo reduz a taxa de juros e os impostos, a indústria se torna mais competitiva. Precisamos atacar as causas da baixa competitividade. Uma alternativa seria aumentar as tarifas de importação de produtos sensíveis. Devemos, também, acelerar o processo de industrialização para produzir em escala e mirar o mercado externo. Todas as empresas – pequenas, médias e grandes – deveriam exportar para serem competitivas. Trata-se de um problema de política econômica.

A indústria química é intensiva em conhecimento e em capital. Os custos de investimento no Brasil são comparáveis aos de outros países de alto desenvolvimento relativo, como Índia e China?

Não, são muito maiores. Nosso único fornecedor de capital a custo razoável é o BNDES, que não atende a todos. Vários associados da ABIFINA, por exemplo, não têm acesso aos recursos da instituição. Pagamos juros em torno de 2% ao mês, enquanto o concorrente no exterior paga, no máximo, 0,7%. Hoje, o crédito no mercado internacional custa 5% ao ano. Já no Brasil, são 24%. Como investir com esse custo? Não se investe.

Para romper a dependência externa, o país precisa de medidas específicas para a química fina, como o uso do poder de compra do Estado?

O uso do poder de compra do Estado precisa ser ampliado para todos os laboratórios oficiais. Porém, há outras questões. No Brasil, sempre falamos que é preciso, antes de tudo, inovar. Sou contra este pensamento. Necessitamos, primeiramente, produzir. A inovação só é útil quando já se produz. A China, a Índia e o Japão começaram produzindo o que já existia no mercado. Sem ter fábrica, produção, técnicos, operadores, gerentes – ou seja, uma estrutura que saiba fazer e acontecer – não avançaremos. Além disso, o BNDES deveria incentivar a indústria farmacêutica a consumir produtos fabricados no país, como um programa subsidiado pelo governo.

Quais são as dificuldades para viabilizar as parcerias público-privadas direcionadas à produção de fármacos e medicamentos no país?

O processo ainda está em formação, mas, desde já, acredito que exista um problema público e privado. Os laboratórios públicos, com poucas exceções, precisam de grandes investimentos em equipamentos e competências. Junto a isso, existe uma cultura de se estabelecer metas ambiciosíssimas para uma capacidade limitada de produção. Precisamos colocar o pé no chão, fazer menos e melhor.

Desde a Lei do Bem e a Lei de Inovação, o Brasil vem aumentando o apoio governamental a P&D&I. Porém, a química fina continua a gerar um dos maiores déficits setoriais em contas externas. O que está faltando?

Inverto a pergunta: o que seria melhor que investir tanto em P&D&I? Investir na produção de itens básicos, mesmo que de forma subsidiada. Desenvolvemos tecnologias de ponta, mas não temos onde aplicá-las. O Brasil tem tudo para dar certo: recursos, pessoas e instituições. Podemos, sim, construir uma indústria de qualidade, se fizermos o dever de casa corretamente.

Jean Peter
Jean Peter
Presidente da ABIFINA.
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