REVISTA FACTO
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Jan-Fev 2010 • ANO IV • ISSN 2623-1177
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Quem paga o preço da estabilidade?
//Entrevista José Ricardo Roriz

Quem paga o preço da estabilidade?

Há muito, a indústria nacional clamava pela existência de uma política industrial indutora do desenvolvimento, o que necessariamente está atrelado a uma visão de futuro para o Brasil no mundo globalizado. O lançamento da nova PITCE, em maio de 2008, trouxe para diversos segmentos estratégicos uma série de expectativas ainda hoje não plenamente correspondidas, em parte pelo agravamento da crise em 2009 e em parte pela dificuldade do governo em traduzir suas intenções em planos e metas efetivos. Entre os maiores desafios para consolidar a atuação do Estado como agente do crescimento estão a política cambial – que continua um grande entrave ao fortalecimento da indústria – e os programas de financiamento e desoneração, pilares fundamentais da confiança que gera o investimento do empresário em inovação e, consequentemente, competitividade mundial para nossa indústria.

Os recursos de fato foram ampliados. Porém, rever suas práticas de financiamento, mapear a adequação das linhas criadas e o real destino do investimento, customizar programas e garantir que os recursos e incentivos correspondam às estratégias da PITCE são caminhos que precisam ser traçados pelo governo com firmeza e urgência para reverter a tendência à desindustrialização do País. Desonerar a produção nacional do conhecido “custo Brasil” também. O resultado do nosso PIB certamente demonstrará o preço que pagamos para garantir a estabilidade econômica. Sabido componente do desenvolvimento, a estabilidade prova, no entanto, não ser a sua variável mais determinante. José Ricardo Roriz demonstra nesta entrevista que uma Política Industrial aplicada com rigor é o que pode fazer toda a diferença.


Como analisa a influência de uma taxa cambial fortemente apreciada na evolução de uma indústria nacional forte e competitiva?
É lógico que a apreciação do câmbio tem um efeito perverso. Por um lado tira mercado interno das empresas ao tornar mais barato os produtos importados, sobretudo neste período pós-crise em que os países asiáticos vêm tentando redirecionar suas vendas para fora dos Estados Unidos, foco principal da crise.
Por outro lado, a apreciação encarece nossos produtos no mercado externo, o que tem se tornado uma grande preocupação para nossa balança comercial, pois o contexto externo apresenta, além da diminuição dos preços das commodities (produtos com alto peso em nossa balança), a queda de demanda mundial.
No entanto, há um fator relativo ao câmbio que precisa ser destacado, que é a sua volatilidade. Só para termos idéia, desde o dia 4 de janeiro até hoje a taxa aumentou 8%. O impacto que isto tem quando se compra matéria-prima importada, quando se estrutura um preço de venda ou se foca um determinado mercado para atuar é enorme. A dificuldade de gestão e planejamento que existe em função deste preço relativo é um fator que preocupa as empresas brasileiras.

Houve épocas em que se dizia que “a melhor política industrial é não ter política industrial”. No mundo globalizado real que sentido tem essa afirmação?
Do início dos anos 90 até 2003, quando foi desenhada a PITCE (Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior), vivemos esta máxima de “a melhor política industrial é não ter política industrial”. Nesse contexto, a indústria, que é o principal acelerador do crescimento do PIB dos países, não tem evoluído em participação no PIB brasileiro, mantendo-se em um patamar próximo a 30% do PIB na última década, nível bastante inferior às médias de 41,6% e 46% das décadas de 1970 e 1980, respectivamente.
Durante muitos anos, a única prioridade das políticas de Governo foi a estabilidade, pois acreditava-se que esta era a condição necessária para a retomada dos investimentos. Além disso, criticava-se a adoção de uma Política Industrial, afirmando-se que se tratava de eleger setores vencedores, conceder subsídios, proteger mercados e gerar um maior desequilíbrio nas contas públicas, esquecendo-se de que, na história econômica, o Estado Indutor pode ser um fator fundamental no desenvolvimento do País.
Passaram-se anos, no Brasil, buscando-se resultados de curto prazo, realizando ações desprovidas de qualquer sentido estratégico. De fato, elegeu-se a estabilidade em detrimento do crescimento e, com isso, a distância que nos separa de países com os quais concorremos tem aumentado.
Percebeu-se que essa “política” era fruto de uma grande miopia, pois países desenvolvidos e emergentes definiam projetos de desenvolvimento a partir da construção de uma visão de futuro e da aplicação de um planejamento estratégico de suas indústrias, induzindo-as ao desenvolvimento tecnológico, à conquista de mercados e à competitividade.
A globalização dos fluxos de comércio e financeiro redefiniu as estratégias globais dos países e por isto mesmo tornou necessária a evidência de políticas voltadas para o setor produtivo que se propõem unicamente a dar isonomia de competitividade aos investimentos do setor produtivo, bem como de suas empresas.

O governo atual tem mostrado ampla disposição para promover um processo industrializante no país. As medidas definidas ao nível do poder executivo têm sido satisfatórias?
O anúncio da Política de Desenvolvimento Produtivo, em maio de 2008, representou uma nova etapa por parte do governo, que reconheceu que a estabilidade macroeconômica era condição necessária, mas não suficiente, para que os investimentos industriais fossem intensificados, reconhecendo a importância da indústria para o desenvolvimento econômico do País.
No entanto, no final de 2008 começamos a sentir os efeitos da crise, o que obrigou o governo a mudar algumas ações. Estas ações amenizaram os efeitos da crise, mas não conseguiram manter a trajetória anterior em que os investimentos estavam crescendo a taxas acima do PIB.
Além disto, em momentos de crise, os investimentos em P&D, por serem de longo prazo e envolverem riscos, e, no caso do Brasil, somados com a estrutural dificuldade de acesso aos instrumentos de apoio à inovação, fazem com que as empresas deixem em segundo plano esta modalidade de investimentos.
As medidas lançadas pelo governo, em geral de caráter anticíclico, procuravam incentivar a antecipação de investimentos pelas empresas
As ações também demonstraram o papel que o BNDES tem como um dos atores principais da Política, realizando um dos maiores desembolsos de sua história.
A direção tomada de baratear o crédito foi acertada, no entanto, uma política industrial precisa ser estrutural e ter ações permanentes que possibilitem o desenvolvimento da estrutura produtiva de acordo com uma estratégia e metas.
Passados os principais sintomas da crise precisamos ser ainda mais ousados e avançar em ações de caráter permanente, de forma a dar continuidade à construção de um ambiente que incentive o investimento, como, por exemplo, manter os investimentos em máquinas a taxa de 4,5% e baixar a taxa para 5,25% para todos os investimentos.
As medidas de caráter permanente contidas na PDP precisam ser ampliadas. Durante os últimos meses um dos aprendizados foi o impacto positivo que a desoneração teve no consumo interno, respondendo sobremaneira às ações do governo. Agora precisamos ampliar estas medidas para os investimentos de forma a evitarmos processos inflacionários no curto prazo e para que voltemos aos níveis de investimento que tínhamos antes da crise.
As ações de financiamento e desoneração são fundamentais para incrementar os investimentos e as exportações. Segundo dados da “Pesquisa FIESP sobre o impacto da PDP na indústria paulista”, os efeitos da política industrial sobre as decisões de investimento são importantíssimos, chegando a impactar ente 27 a 29% no aumento dos investimentos em máquinas e equipamentos e em P&D e inovação, bem como em quase 20% no aumento das exportações

As taxas de investimento em P&D&I pela indústria nacional têm sido consideradas como muito aquém das necessidades do país. Como analisa esse quadro?
O que se pode verificar por meio de pesquisas realizadas pela FIESP é que os fatores que determinam o baixo nível de investimentos no País são fatores sistêmicos que, na verdade, influenciam toda a estrutura produtiva do País. O problema é que no âmbito da inovação eles se agravam.
Exemplos disso, são a instabilidade e a valorização do câmbio que levam tanto à perda de mercado interno, quanto à redução das exportações, principalmente de produtos de maior valor agregado. Nesse cenário, as empresas menores são as mais sensíveis a estes obstáculos, pois não possuem escala suficiente para enfrentar a concorrência com os produtos importados que passam a chegar no Brasil com preços mais acessíveis ao consumidor, e, ao mesmo tempo, não conseguem competir com as empresas de países que possuem um câmbio mais favorável. O resultado final é o desestímulo ao desenvolvimento de produtos inovadores, que no seu lançamento são vendidos a um preço relativamente maior.
Outros determinantes do baixo nível de investimento estão relacionados à ausência de um padrão adequado de financiamento público e privado, o que resulta na intensa utilização do mecanismo de autofinanciamento pelas empresas brasileiras. De acordo com a Pintec, em 2005, 90% dos recursos que financiaram as atividades de P&D e as demais atividades inovativas eram próprios. E, de acordo com as empresas, o principal motivo para a baixa utilização de recursos de terceiros está relacionado ao custo do financiamento, ou seja, taxa de juros e outros encargos.
Cria-se, então, um círculo vicioso, pois, diante das elevadas taxas, as empresas optam pela utilização de recursos próprios nos investimentos em P&D&I, que, por sua vez, elas também admitem que são escassos e possuem uma limitação intrínseca, principalmente quando se considera a incidência da carga tributária e da taxa de juros no Brasil. Em outras palavras, os montantes que poderiam ser investidos em inovação são utilizados no pagamento de juros e impostos.
Nesse contexto, a situação se agrava, pois os investimentos em inovação envolvem alto risco, longo prazo de maturação e elevado custo. Com relação ao risco e ao prazo, não há nada o que se fazer, dado que é intrínseco ao processo de inovação, mas os elevados custos com equipamentos, laboratórios, entre outros, poderiam ser amenizados com uma taxa de juros e prazos de financiamento compatíveis com a natureza da inovação, elementos que inexistem no Brasil e deixam como única alternativa a utilização de recursos próprios.
Por fim, muitos empresários ainda não estão acostumados com a cultura da inovação, dado que não fez isso no passado por estar impossibilitado diante das limitações da economia. Desta forma, uma etapa importante desse processo é fazer com que as empresas reconheçam, por meio de cursos de capacitação, o impacto positivo que os programas de gestão e de extensão tecnológica trazem para suas estruturas.

O financiamento ao desenvolvimento do setor produtivo nacional tem sido de acordo com as necessidades de demanda?
O BNDES tem desempenhado na atual política industrial um excelente papel como agente indutor e fomentador da competitividade brasileira. Não é a toa que o banco apresentou em 2009 um dos maiores desembolsos de sua história, passando dos R$ 137 bilhões.
No entanto, embora haja ampliado a oferta de recursos para longo prazo, ainda não se tem alcançado boa parte das empresas que mais necessitam investir, as MPEs. Em 2008 24% dos desembolsos foram para este porte, número que caiu em 2009 para 18%.
É preciso customizar a oferta e não simplesmente ampliá-la. Sabemos da dificuldade de acesso e informação existente na grande maioria das empresas. Só para salientar, o cartão do BNDES, um dos produtos de maior sucesso do BNDES, ampliou sua atuação e buscou se adaptar às necessidades das MPEs. O resultado disto foi o crescimento de 189% nas operações com este instrumento em relação a 2008, realçando a necessidade de customização das linhas.

Em especial os Editais da FINEP para a subvenção econômica têm sido adequadamente formulados?
O instrumento de Subvenção Econômica, criado com a Lei de Inovação (Nº. 10.973/2004), representa uma mudança significativa ao permitir que o Estado compartilhe os riscos da inovação com a empresa.
Os indicadores evidenciam que, desde o seu lançamento, o número de projetos que utilizam esses recursos vem aumentando paulatinamente. No primeiro ano, 2006, foram apoiados 145 projetos e, em 2009, 261. Concomitantemente, já é possível verificar que a Finep está envidando esforços com vistas ao aperfeiçoamento desse instrumento que é relativamente recente no Brasil.
Apesar desses avanços, alguns obstáculos ainda persistem, como a inexistência de um cronograma que permita à empresa se programar com antecedência para a participação no edital, e isto é fundamental principalmente para as empresas menores.
Adicionalmente, seria interessante que o cronograma de fluxo de desenvolvimento do projeto fosse compatibilizado com o cronograma de liberação de recursos por parte da Finep, para que não haja atraso no desenvolvimento das etapas do projeto em virtude da demora na liberação de recursos.
Cabe observar também que para as empresas menores o recurso financeiro não basta, pois necessitam com freqüência de apoio tecnológico e capacitação para o adequado gerenciamento dos recursos, pois alguns projetos apresentam um dispêndio financeiro maior do que o próprio faturamento da empresa.
Por fim, outro grave problema é a inexistência de uma pesquisa que avalie se os instrumentos de apoio à inovação, recentemente criados, estão ou não induzindo as empresas a investir mais em suas atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação – ou se o dinheiro do governo está substituindo recursos próprios, naquilo que os especialistas chamam de “efeito de deslocamento”.
Essa é uma questão que precisa ser mais bem investigada, pois os indicadores comuns para sinalizar quantitativamente os avanços, como a relação investimento privado em P&D sobre o Produto Interno Bruto (PIB), ou o número de patentes, não mudaram muito desde o início da década e o período atual, quando houve o surgimento dos fundos setoriais, a promulgação da Lei da Inovação, a criação dos instrumentos de subvenção e a reformulação dos incentivos fiscais da chamada “Lei do Bem”.

O que fazer para aumentar a participação de produtos com maior valor agregado nas exportações brasileiras?
Uma das primeiras coisas a ser discutida é a resolução dos problemas chamados de “Custo Brasil”. É uma antiga reinvidicação, pois os altos custos do crédito, tributos elevados, encargos sobre a folha de pagamento, custo e má qualidade da infraestrutura, e forte valorização da moeda tiram parte do valor agregado gerado pelas empresas. Então se não resolvermos isto, todo o esforço empresarial para agregar valor poderá ser em vão.
Nossos trabalhos na Fiesp indicam que 90% das empresas utilizam recursos próprios para investir em inovação. Quando se tem uma carga e um custo de capital que drenam recursos das empresas, automaticamente tira-se capacidade financeira das empresas investirem em inovação, gerando assim um ciclo vicioso.
Outra coisa a salientar é que existem grandes oportunidades de agregação de valor para as empresas em ações na área de inovação, design, fortalecimento da marca, logística de distribuição, financiamento da cadeia, áreas que estão comprometidas pelo ambiente de negócio que enfrentamos no Brasil, conforme salientamos acima.

José Ricardo Roriz
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