REVISTA FACTO
...
Set-Out 2009 • ANO IV • ISSN 2623-1177
2023
73 72 71
2022
70 69 68
2021
67 66 65
2020
64 63 62
2019
61 60 59
2018
58 57 56 55
2017
54 53 52 51
2016
50 49 48 47
2015
46 45 44 43
2014
42 41 40 39
2013
38 37 36 35
2012
34 33 32
2011
31 30 29 28
2010
27 26 25 24 23
2009
22 21 20 19 18 17
2008
16 15 14 13 12 11
2007
10 9 8 7 6 5
2006
4 3 2 1 217 216 215 214
2005
213 212 211
Entrevista com Julio Gomes de Almeida
//Entrevista Julio Gomes de Almeida

Entrevista com Julio Gomes de Almeida

O Brasil vive a expectativa de entrar em um novo ciclo de desenvolvimento com a descoberta do pré-sal. Mas a disputa política já travada entre os municípios pelos recursos financeiros que, futuramente, serão gerados indica uma ameaça à oportunidade de o país implantar um projeto nacional de sustentabilidade econômica. O alerta é do professor de Economia da Unicamp, Julio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Para ele, o governo federal deve assumir a gestão da riqueza do pré-sal para aplicá-la em áreas prioritárias para o crescimento, como infraestrutura, educação, inovação e indústria.

Segundo o especialista, a química fina está entre os setores que encontram grande possibilidade de expansão. “Porém, dependerá de nossa capacidade empresarial e de governo em articular esforços para desenvolver essa potencialidade”, ressalva. Nesta entrevista exclusiva à Facto, Almeida analisa como o governo está conduzindo a legislação do pré-sal, o estágio de desenvolvimento atual da indústria do petróleo e as perspectivas de o país, enfim, conseguir alavancar o crescimento.

Por que as grandes reservas de petróleo e gás que a Petrobras está encontrando no pré-sal podem significar um futuro promissor ou um processo de empobrecimento do país?
Não seria exatamente um processo de empobrecimento, mas pode gerar um processo que não leve ao desenvolvimento como se gostaria. É uma riqueza grande – quão grande ninguém sabe nem vai saber, pois dependerá do mercado, do preço do petróleo, e o que se sabe é que, no tempo de apenas um quinquênio, a Petrobras pode, talvez, produzir cerca da metade do que já produziu até hoje, só com as reservas do pré-sal.

A questão, então, é a boa gestão dos recursos. E será que teremos esse futuro promissor?
Nos países que descobriram o petróleo, cada caso é um caso. Tivemos casos em que essa riqueza ficou concentrada nas mãos de poucos, dos dirigentes, dos monarcas, das empresas, indo pouco para a população. Em muitos casos, a riqueza do petróleo não se traduziu em desenvolvimento e melhora do bem estar da população. Tem exceções, de países que souberam usar essa riqueza. É isso que o Brasil necessita. Existe uma riqueza? Sim. Ela vai trazer benefícios para a economia brasileira? Para alguém, sem dúvida. Mas o que gostaríamos é que fosse um benefício generalizado, para as pessoas, os setores econômicos, as regiões do país, de uma forma mais homogênea. Isto na história do petróleo não é garantido. Nem sempre os países que descobriram uma riqueza grande, como nós estamos descobrindo agora, tiveram naturalmente o aumento do bem estar, da distribuição da renda, de seu desenvolvimento econômico e social. Devemos conquistar isso.

O senhor apontaria modelos, em outros países, de gestão dos recursos do petróleo em benefício do desenvolvimento?
Apontaria um e apenas um, que foi a Noruega.

É uma estatal também, certo?
É um modelo estatal. Essa coisa de estatal ou não estatal não existe muito no mundo do petróleo. No mapa do petróleo, em geral, as propriedades e a exploração da riqueza estão na mão dos Estados e de empresas dos Estados. Essa coisa de ser uma utilização pulverizada pelas empresas não é exatamente a norma deste setor. É uma riqueza muito grande de que, em geral, os Estados tomam conta. Isto que está se fazendo no Brasil, no modelo do pré-sal, em que o Estado tem uma participação forte no comando desse processo de exploração da riqueza, não é coisa pouco usual no mundo. Pelo contrário. Não estamos inventando a roda.
No caso da Noruega, foi um modelo estatal no início, depois ela abriu seu capital. Hoje o modelo é mais aberto. Era até mais estatizado que a Petrobras, pois a norueguesa Estatoil era 100% do Estado. Nossa Petrobras é uma empresa em que só 33% pertencem ao Estado. Segundo ponto: nosso modelo prevê a participação de qualquer outra empresa, em associação com a Petrobras, que deve ter, no mínino, 30% de cada um dos projetos de exploração. Então nosso modelo permite a participação de outras empresas que não a Petrobras. No modelo deles não, é 100% a Estatoil. O que significa dizer que nosso modelo começa com pouco mais de abertura, o que tem sido uma tradição brasileira.
Achei interessante a forma como o governo procurou encaixar um pouco da nossa realidade. Deve ser um modelo estatal, pois é uma riqueza da nação. Acomodou-se uma empresa nossa, a Petrobras, que começou tudo isso. E também aproveitou muitas empresas que estão aqui e têm mostrado sua competência para o desenvolvimento da indústria do petróleo.
Quero dizer outra coisa: a nossa indústria do petróleo – a que fornece para a extração do petróleo e a de transformação – já tem certo desenvolvimento. Achei interessante e criativa a forma como o governo procurou acomodar essa nova riqueza na mão do Estado, mas também acomodar as presenças da Petrobras e outras empresas.

Quando o senhor diz que as empresas de processamento têm considerável desenvolvimento, estão incluídas as indústrias da química fina?
Sem dúvida: da química fina, da petroquímica. E, antes disso, toda a atividade de refino do petróleo, consideramos para trás – que são os fornecedores para a indústria do petróleo – e para frente – a partir do petróleo bruto, a extração de seus produtos por transformações industriais. A transformação já representa 12% da nossa indústria. Ou seja, 12% de nossa indústria é petroleira. Então, temos uma história. No caso da extração, obtivemos, sem o pré-sal, a virtual autossuficiência. Importamos uma parte, que é outro tipo de petróleo, mas o país é basicamente autossuficiente. E temos uma indústria de equipamentos e de serviços bastante desenvolvidas. Não estamos começando do zero. Isso é muito importante de se observar.

Não estamos partindo do zero, mas esta pode ser a oportunidade de se desenvolver ainda mais. Não seria mais estratégico para o país exportar produtos com maior valor agregado, como resinas, plásticos e mesmo medicamentos, do que a simples exportação dessa commodity e seus combustíveis?
Sem dúvida alguma. Isto também está previsto na proposta que o governo elaborou para a regulamentação do pré-sal. Evidentemente, existem dificuldades em se obter essa agregação de valor. Mas o objetivo é agregar valor. Em sendo possível, é melhor exportar o produto refinado.

Quais são as dificuldades?
A dificuldade é que todo mundo quer isso. Hoje não existe produtor de petróleo que não tenha política relevante para fazer etapas de transformação na sua própria economia, até para agregar valor. Temos competência no processo. Precisaremos aprimorá-la em função do pré-sal.

O que o senhor está querendo dizer é que as empresas, ao se prepararem para o mercado externo, devem se pensar mais como setor, em vez de investir em ações isoladas?
Deve existir uma política de governo para os setores que possam se beneficiar da transformação do petróleo, entendendo que é melhor produzir e exportar com maior agregação de valor do que o produto básico. Temos feito isso, mas será preciso um esforço adicional agora com o pré-sal. Deixe-me dar um exemplo do que é preciso fazer: construir mais refinarias. Coisa que, aliás, a Petrobras está fazendo. Nossa capacidade de refino ficou parada muito tempo e agora temos que expandir justamente para acomodar. São produtos transformados, com maior valor, com a perspectiva do pré-sal.
Tudo isso que a gente está falando significa política industrial, de financiamento, investimentos, enfim, é uma complexidade muito grande. É curioso estarmos conversando sobre isso, porque significa que a questão do pré-sal e do petróleo do Brasil não vai ficar restrita a tirar essa riqueza lá dos sete mil metros. A complexidade que o tema nos traz é, também, como transformar essa riqueza em valor ainda maior para a economia.

Vem sendo debatida também a possibilidade de financiamento de unidades produtivas voltadas para a verticalização da química fina baseada no petróleo?
Não conheço o tema nessa profundidade. Penso que sim. O BNDES está fazendo o mapeamento de todas as oportunidades que o pré-sal traz – para trás: equipamentos, serviços etc necessários para extração – e para frente.

Temos que aguardar o resultado para saber como a química fina fica neste contexto.
Exatamente. A química fina é candidatíssima a ter um desenvolvimento muito grande. Mas, de novo: vai depender de nossa capacidade empresarial e de governo de articular esforços e desenvolver essa potencialidade. Existem outras potencialidades que também precisam se desenvolver, como equipamentos. Temos uma indústria que já produz equipamentos para a indústria do petróleo, mas ela precisa se desenvolver muito mais e baratear seu produto, ter uma competitividade de preço e de qualidade ainda maior. É um desafio gigantesco.

Como o senhor percebe o marco legal brasileiro proposto para o pré-sal?
Em geral, é uma proposta correta. Em primeiro lugar, porque tem um comando estatal importante, pois se trata de uma riqueza da população brasileira, e não só a população de hoje, mas as futuras também, ou seja, é para as próximas gerações. Então, quem deve, em nome da sociedade, gerir esta riqueza, é o Estado. Isto acontece em outros países de alguma maneira. Acho interessante nosso modelo porque soube dar um espaço para os atores que já estão presentes em nosso mercado do petróleo: Petrobras, empresas que ganharam concessões…
Acho muito importante o governo ter decidido criar um fundo soberano com uma parcela dos recursos do petróleo, das importações, para que não gere aquele problema que outros países tiveram. De repente a sociedade descobre uma riqueza muito grande, que se transforma na principal do país, mas que acaba abafando as demais iniciativas, industriais e até agrícolas. E o país fica muito concentrado naquela riqueza e abandona as demais, aquelas que dependem de trabalho, de inovação, de um esforço muito grande, em prol dessa riqueza descoberta. Temos que tomar muito cuidar para não cair nisso que acabei de descrever, que se chama doença holandesa. Temos que fazer o fundo soberano juntamente para não cair nisso. O governo fez muito bem em decidir aplicar os recursos dessa riqueza em itens que nos darão uma sustentação de crescimento, na educação, por exemplo, na infraestrutura, na inovação. É o chamado fundo social que o governo está definindo. Ainda acho correta também a criação da Petrosal. É uma empresa estatal enxuta na concepção e espero que continue assim na execução. É uma representante da sociedade brasileira para tomar conta dessa riqueza, para ver se está sendo explorada direito, se o custo de exploração é correto, se está sobrando dinheiro para a sociedade a partir dessa exploração. Temos que ter como objetivo, acima de todos os demais, o benefício da sociedade. O governo fez bem com essa regulação? Acho que fez muito bem.

Explique um pouco mais no que consiste o fundo soberano.
É um fundo do governo brasileiro, que não tem aplicações de nenhum agente. Existem fundos soberanos no mundo todo e a idéia de sua criação, no Brasil, é para aplicar lá fora parte dessa riqueza do pré-sal, que, se imagina, será muito expressiva.

Então, o objetivo seria não reter esse dinheiro no país para evitar o desestímulo à produção.
Exatamente. Para que esse dinheiro não venha com muita rapidez para o país, o que valorizaria demais nossa moeda, aumentando os custos de produção que não sejam dessa riqueza, e deixando de beneficiar outras atividades.

A Noruega, se não me engano, também criou seu fundo soberano.
A Noruega tem sua Petrosal, teve seu fundo soberano para aplicar no exterior. Outros países também. Hoje em dia os países têm mais preocupação com os impactos internos da descoberta de uma riqueza como essa do que tinham no passado. Todos têm certa preocupação – até mesmo os países que não são produtores de petróleo, mas que têm riqueza oriunda do exterior. Eles têm um fundo soberano para escoar uma parcela desse recurso e modular a entrada desses recursos para evitar a valorização muito grande de sua própria moeda.

O que o senhor acha da proposta de alguns estados e municípios de haver uma redistribuição dos royalties?
Esse talvez seja o ponto mais delicado da regulamentação. Tenho uma opinião – absolutamente pessoal – sobre isso. Acho que, idealmente, resguardadas as áreas de concessão já concedidas, as novas áreas deveriam gerar recursos somente para um único dono, que é o governo federal. Se não estabelecermos uma centralização desses recursos, ou, pelo menos, regras muito rígidas para seu uso, você vai ter estados e municípios que vão gastar muito bem esse dinheiro – construindo escolas, tendo áreas de inovação, procurando fazer políticas industriais relevantes ­-, mas haverá casos, também, em que a aplicação de recursos será muito ruim, com o inchaço da máquina, em detrimento de investimentos que poderiam ser feitos para maior benefício da sociedade. Então, em princípio, é uma riqueza da nação. Esse recurso deve ser investido por meio de políticas discutidas por todo mundo: será a inovação, será a educação, será a infraestrutura? Mas não pulverizar esta riqueza em unidades de decisão de sua utilização, pois corremos o risco de, estando lá na frente, olhando para trás, vermos uma riqueza enorme tão pulverizada que não sobrou nada para a sociedade.

O ideal seria ter uma forte fiscalização do uso desses recursos ou, quem sabe, até uma lei que vinculasse sua aplicação?
Exatamente. Devemos pensar em todas as facetas dessa regulação, inclusive na distribuição dessa riqueza para estados e municípios. Nosso princípio deve ser pensar qual é a maneira de melhor estruturar a regulamentação do pré-sal. Como se usa essa riqueza que vai acabar um dia de forma permanente? Contratar pessoal para a máquina pública não é. Construir investimentos que não têm claro papel na formação de novas riquezas, não será a melhor utilização. Temos que cuidar muitíssimo dessa riqueza.

A Petrobras sofre questionamentos do TCU em função de licitações. Situações como essa no serviço público prejudicam o desempenho operacional das empresas estatais? Como conseguiríamos ter uma excelência diante desses problemas, de forma assemelhada à experiência da Noruega?
Esse é o grande desafio. É um país emergente, com muitos problemas de governança e no setor público, e que descobre uma grande riqueza. Como o país será alçado a um gestor primoroso dessa riqueza? Este é uma pergunta sem resposta, mas acho que deveríamos fazer um esforço muito grande de concentrar esforços nessa riqueza e sua forma de utilização.

Não acho que a Petrobras vá ser prejudicada neste processo. Eventualmente, se tiver algum problema, será atribuído a pessoas e situações, e não à empresa. A Petrobras e nosso setor de petróleo é muito bom. Há uma regulação bastante razoável e, com o pré-sal, este processo melhorará mais ainda. O que me preocupa não é tanto o lado empresarial, pois acho que chegaremos a um consenso. Tenho grande receio é de que, na máquina pública, a riqueza não seja bem administrada, fiscalizada e aplicada. Se acontecer isso, vamos nadar, nadar e morrer na praia. Teremos grande riqueza e boa regulação para o envolvimento empresarial, mas não saberemos aplicar os recursos. Temos que pensar muito bem em que, como e através de que política vamos gastar esse dinheiro. Reforço: se for mantido o modelo atual de distribuição de royalties e participações especiais para estados e municípios – que já cumpriu seu papel -, correremos o risco sério de ter a má aplicação dos recursos.
Vou dar um exemplo: o governo transfere para os estados e municípios uma parcela do imposto de renda e IPI que arrecada, é o fundo de participações.  Eles têm que aplicar uma parcela para a saúde, uma parcela para educação… Existem vinculações. Uma regra ainda mais rígida deve ser aplicada com a renda do petróleo. Ela vai acabar um dia e não podemos desperdiçar nem um centavo. Não temos o direito de dilapidar uma riqueza que é da população brasileira de todos os tempos, não só desta geração.

Júlio Gomes de Almeida
Júlio Gomes de Almeida
Diretor Executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) Júlio Gomes de Almeida, diretor executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), fala sobre os desafios à recuperação da produtividade e da competitividade da indústria brasileira (veja mais na reportagem na pág. 08). Ele analisa que a adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e ao acordo de compras públicas da Organização Mundial do Comércio (OMC) pode trazer vantagens importantes para o comércio exterior, mas, para que isso aconteça, é preciso organizar um ambiente interno favorável à reestruturação da indústria, com a Reforma Tributária, incentivos públicos à inovação e queda no custo dos investimentos.
Anterior

O processo judicial como uma arma concorrencial

Próxima

Cenoura e porrete