REVISTA FACTO
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Jan-Fev 2009 • ANO III • ISSN 2623-1177
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//Artigo

Setor agroquímico em alerta para 2009

A queda generalizada dos preços das commodities agrícolas ameaça o mercado de fertilizantes e defensivos, mas ainda existem nichos a serem explorados. Os estoques estão altos e o setor espera negociações difíceis para este ano.

Enquanto o mundo especula sobre os desdobramentos da crise financeira e as chances de retomada do crescimento no menor prazo possível, o agronegócio brasileiro começa a sentir os efeitos da retração da demanda, e com ele a indústria agroquímica. O histórico entrave na obtenção de crédito agrícola se acentuou, e a alta do dólar onerou as importações de insumos. Receosos quanto à comercialização das próximas safras, os produtores pretendem reduzir a área de plantio: segundo Luís Traldi, diretor de Planejamento Estratégico e Comercial da Milenia Agrociências, essa redução deverá ser acentuada – de 15% a 30% – embora os dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indiquem algo entre 2% e 4% da área cultivada.

Segundo as entidades direta e indiretamente ligadas à indústria agroquímica, 2009 será um ano de retração do mercado mas também de oportunidades para aqueles que acompanharem de perto os movimentos de adaptação do agronegócio ao novo cenário. O vice-presidente da ABIFINA, Luiz Guedes, afirma que os pequenos produtores agrícolas estão se especializando e buscando novos nichos de mercado, o que gera também novas demandas de produtos agroquímicos. “Estamos mais acostumados a negociar com propriedades que trabalham em escala, como a soja, o milho, o algodão e a cana-de-açúcar, mas há pequenos produtores de flores, por exemplo, que hoje exportam uma barbaridade. Também já começa a surgir uma fruticultura mais especializada de mamão, melão, manga, etc.”

Ainda assim, as culturas tradicionais no país continuam dominando o mercado. De acordo com o superintendente de Gestão e Oferta da Conab, Carlos Eduardo Cruz Tavares, o milho e a soja representam hoje 85% da produção nacional. Se incluirmos o arroz e o feijão, chega-se a aproximadamente 99%. Segundo Guedes, o mercado de commodities agrícolas está se reconfigurando. Diante da limitação do crédito, muitos agricultores desistem do negócio e começa a haver uma concentração nas mãos de poucos, que se dedicam a produções de maior porte. Com isso, a forma de negociação dos fornecedores de agroquímicos com os produtores também tende a se alterar. Alguns agricultores optam por se organizar em cooperativas, por exemplo, para ganhar poder de barganha. “Serão menos produtores para discutir com o fornecedor de insumo”, afirma.

Concretizando-se ou não essa nova tendência, o agricultor espera o desaquecimento das vendas e pretende reduzir seus custos de produção, o que inevitavelmente atingirá os insumos. Na avaliação de Traldi, ele está cuidando da safra de verão e não demonstra preocupação, como no ano passado, com a disponibilidade de insumos para a próxima estação, pois sua percepção é a de que não faltarão fertilizantes, defensivos e sementes.

O fundamento de tal percepção, explica Traldi, é a queda do preço das matérias-primas para fertilizantes no mercado internacional. Porém, o estoque atual no país é elevado e foi produzido nos tempos de alta. Logo, a tendência dos produtores de fertilizantes é manter seus preços elevados. Mas ele não tem dúvidas de que essa indústria, responsável por cerca de 30% do custo de produção para o agricultor, terá de enfrentar, já na safra de inverno, duras negociações de preço.

“A previsão com que se trabalha hoje é que o custo da matéria-prima se mantenha baixo por mais tempo”, explica Traldi. “Se for verdade, a indústria de fertilizantes não terá caixa suficiente para se manter por um período mais longo sem vender o produto. Então virá o jogo de pressão entre agricultor e indústria para ver quem irá ceder primeiro. O mais provável é que os dois cedam um pouco e façam os negócios caminhar”, analisa.

Retração pega de surpresa os fertilizantes

Asdrúbal Jacobina, gerente de Custos de Produção da Conab, lembra que a previsão inicial para 2008 era de um aumento de 4% na produção de fertilizantes em relação ao ano anterior. Depois do recorde de vendas alcançado em 2007 – mais de 24 milhões de toneladas -, quando a indústria brasileira de fertilizantes abasteceu 67% do mercado da América Latina, a expectativa era superar esse resultado, mas isto não aconteceu. Veio a crise e em outubro as estimativas mais realistas eram de que o ano fecharia com retração de 8%. “Existe uma oferta abundante na mão dos fornecedores, em torno de seis ou sete milhões de toneladas, que não estão sendo absorvidas pelo mercado.”

Os produtores de fertilizantes entregaram 2,31 milhões de toneladas em outubro de 2008, o que representou 35% menos que no mesmo mês de 2007. Apesar da evidente retração, Eduardo Daher, diretor-executivo da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), destaca que as vendas caíram apenas 2% nos dez primeiros meses de 2008, frente a 2007. Ele avalia o impacto dessa queda entre os insumos básicos da indústria de fertilizantes: nitrogênio, fósforo e potássio.
O nitrogênio sofreu “a primeira e mais rápida retração de preços”, influenciada pela queda do valor internacional do petróleo e do gás natural da Bolívia, além da entrada dos países árabes no mercado de fertilizantes, que se fará sentir mais fortemente em 2009 e 2010. “Eles queimavam os gases naturais nas torres de petróleo e agora descobriram que é melhor produzir uréia e exportar. Não obrigatoriamente será para o Brasil, mas se abastecerem China e Índia sobrará produto mais barato para nos vender. Com o pré-sal em 2013, os valores vão refluir mais ainda em 2014”, prevê Daher.

De todo o fósforo que a indústria brasileira de fertilizantes demanda 50% vêm de fora. Há investimentos em curso para aumentar a produção nacional, podendo o país atingir, em médio prazo, a boa proporção de 70% de produção própria e 30% de importação. Quanto ao potássio, cujo suprimento também foi afetado pelas oscilações do mercado internacional, é o insumo mais problemático para o país já que produzimos apenas 8% da nossa demanda interna.

São necessários cerca de US$ 1,5 bilhão para desenvolver a produção de fosfato no país e US$ 3 bilhões para o potássio, segundo Daher. “O Brasil está se esforçando e deve continuar procurando alternativas para reduzir sua dependência, mas não será antes de 2012 ou 2013”, garante. O Brasil é o quarto maior produtor mundial de fertilizantes, com 6% do mercado. O número um é a China, que supera os 30%, seguida da Índia com 17% e Estados Unidos com 15%. Na opinião de Daher, ao contrário do que divulga o Ministério da Agricultura, o Brasil não conseguirá atingir a auto-suficiência por não possuir a matéria-prima necessária. Somente Rússia e Marrocos, em sua avaliação, teriam condições de almejar essa condição.

De qualquer forma, crises ensejam mudanças e dependendo da estratégia adotada o país pode ganhar com isso. Para Narciso Barison Neto, vice-presidente da Associação Brasileira de Sementes (Abrasem), o Brasil deve aproveitar o momento atual para impulsionar a produção interna de insumos para a produção agrícola. “Devemos pensar na possibilidade de produção doméstica de fertilizantes, que está nas mãos das multinacionais. Como nossas reservas encontram-se bloqueadas, acabamos importando. A crise pode gerar oportunidades para corrigir a nossa dependência do mercado externo.”

Mas há também obstáculos internos ao desenvolvimento da produção nacional de fertilizantes. O diretor-executivo da Anda aponta como exemplo a tributação, em especial o ICMS. Ele sugere que fertilizantes e outros produtos sejam tratados sob a perspectiva da segurança alimentar. “Trago fosfato do Marrocos para Mato Grosso sem impostos, mas se comprar de Uberaba tenho ICMS interestadual. Insumos básicos deveriam estar isentos de tributação porque produzimos, com orgulho, alimentos e saldo para a balança comercial”, argumenta.

Os produtores de calcário agrícola, insumo importante para aumentar a eficácia do fertilizante, vêm enfrentando dificuldades de comercialização desde muito antes da eclosão da crise, em parte devido ao uso incorreto do produto pelos agricultores. De acordo com Oscar Raabe, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Calcário Agrícola (Abracal), há um estudo do governo federal mostrando que de 30% a 35% do adubo usado no Brasil é desperdiçado porque o calcário é aplicado em quantidade inferior à recomendada. Resultado: não cumpre sua função de corrigir o solo e potencializar o efeito do fertilizante.

“Se tomarmos o custo de R$ 2 mil a tonelada do adubo e multiplicarmos por 24 milhões de toneladas, que era a produção prevista pela Anda para 2008, dá uma quantia enorme. E jogar fora 30% desse valor é um absurdo”, afirma o presidente da Abracal. Em outubro de 2008 representantes da entidade se reuniram com o ministro da Agricultura Reinhold Stefanes para expor o problema, munidos de uma pesquisa com agricultores do estado de São Paulo mostrando que 53% deles desconhecem a importância do uso do calcário para aumentar a produtividade da lavoura. O ministro prometeu promover a partir de 2009 uma campanha para disseminar informações sobre o uso do produto.

Segundo dados da Abracal, as 341 fábricas produzindo calcário agrícola no Brasil têm capacidade instalada suficiente para dar conta de um aumento substancial da produção de grãos. O presidente da entidade está convencido de que, se os produtores apostarem na correção do solo, a produção atual de 140 milhões de toneladas pode saltar para cerca de 175 milhões de toneladas em um ano. Sua expectativa para este ano é que as dificuldades geradas pelo atual cenário contribuam indiretamente para alavancar os negócios no setor. “Temos certeza de que deveremos atingir um índice maior de entregas de calcário para correção do solo em 2009, devido exatamente à crise”, afirma Raabe.

Preço dos defensivos em queda

Segundo Traldi, os fabricantes de defensivos agrícolas passam por situação semelhante a do setor de fertilizantes: excesso de estoque acumulado e parte das matérias-primas com preços em queda no mercado internacional. Mas o impacto sobre os preços finais é menor, pois o custo dos defensivos nos últimos anos não subiu tanto quanto o do adubo. Uma exceção parece ser o glifosato – herbicida usado em produtos geneticamente modificados, principalmente a soja – cujo preço, segundo a Conab, subiu de R$ 10 o litro em 2006 para R$ 19 em 2008 em função do aumento da demanda, mas nos últimos meses sofreu queda significativa.

A indústria de defensivos agrícolas enfrenta, além da preocupação com a crise econômica, antigos entraves ainda não solucionados. Um deles é a forma de a Anvisa conduzir as análises dos produtos para efeito de registro. Na avaliação de Guedes, a agência é burocrática e não acompanha de perto a realidade da indústria. Omite-se no seu papel de harmonizar a visão do empresário, do consumidor e de toda a cadeia produtiva na tomada de decisão, e age, ao contrário, como se não tivesse responsabilidade direta, provocando às vezes insegurança no consumidor. Isto se repetiu recentemente, segundo o vice-presidente da ABIFINA, num incidente em que a Anvisa veio a público “alertar” a população sobre o perigo de determinada substância para a saúde, “numa visão distorcida dos seus efeitos reais.”

Guedes compara o problema ocorrido a uma situação comum na vida cotidiana: “Atravessar uma via expressa pela pista é suicídio, mas se fizermos isto andando por cima de uma passarela nosso risco é zero”. No caso dos produtos químicos para agricultura, da mesma forma, se forem respeitados os procedimentos adequados de manuseio bem como a dosagem indicada, também não há risco nem para o agricultor nem para o consumidor. “Todo produto que entregamos ao governo para análise e ao mercado para consumo está de acordo com o limite máximo de resíduo, respeitando critérios da própria Anvisa.”

Guedes relata que a empresa Servatis enfrentou enorme dificuldade para conseguir o registro de um produto pela Anvisa, o que gerou até risco de falência e demissão de 600 trabalhadores. Em contraste com a situação brasileira, ele comenta um caso recente nos Estados Unidos no qual uma indústria de couro contaminou um rio. A empresa foi obrigada a suspender as atividades. Porém, depois de mostrar à Justiça que sem operar iria à falência, obteve a renovação de sua licença sob a condição de, em cinco anos, desenvolver um substituto para o produto e aplicar medidas mitigadoras dos danos provocados pelo acidente.

A dificuldade de acesso ao crédito pelos agricultores, que vem se acentuando desde o início da crise, é na visão da indústria uma das principais ameaças ao desempenho dos negócios no setor de defensivos. Luiz Guedes lembra que o Banco do Brasil representa atualmente apenas 25% do financiamento agrícola, enquanto 75% são providos pelas tradings, fornecedoras de produtos agroquímicos ou com recursos próprios dos produtores. Com recursos restritos, os produtores tendem a reduzir o investimento nos insumos e em muitos casos a conta fica para o fabricante, segundo Luís Traldi. Ele comenta que a Milenia, embora exporte mais do que a média da indústria nacional de defensivos, acaba sofrendo as conseqüências da crise como qualquer outra empresa, já que o mercado externo também se retraiu. Mas Traldi faz questão de mostrar otimismo e afirma: “O que conseguimos exportar e converter para real se reverte em mais receita e contribui para o funcionamento de nossa estrutura aqui no país.”

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