REVISTA FACTO
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Jan-Fev 2008 • ANO II • ISSN 2623-1177
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//Artigo

Regulamentos técnicos: de que lado estamos jogando?

Em todo o mundo estão se avolumando as normas regulatórias entre países e blocos, ligadas principalmente ao controle sanitário e à preservação ambiental, e a indústria química é um dos setores mais visados nesse processo. Enquanto a União Européia segue implementando o rigoroso REACH, que poderá alijar do seu mercado  um grande número de fornecedores estrangeiros; e até a China, conhecida por sua política de privilegiar a quantidade em detrimento da qualidade, cria regulamentos para se adaptar às exigências dos parceiros comerciais; o Brasil tem uma legislação sanitária de primeiro mundo, mas que só aplica às empresas nacionais, onerando-as pesadamente, enquanto indústrias de outros países emergentes colocam aqui produtos de baixa qualidade vendidos em licitações públicas na base do menor preço. Quando vamos parar de jogar contra o nosso próprio País e aprender a utilizar estrategicamente, a favor do desenvolvimento nacional, o instrumento da regulamentação?

Excesso de regulação e carência de fiscalização

Na visão do presidente da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac), Carlos Geyer, ainda são muitas as barreiras enfrentadas pela indústria nacional na área regulatória, em dissonância com o atual discurso do governo de priorizar o setor de fármacos e medicamentos em sua política industrial. Como exemplo ele cita que muitas vezes os regulamentos extrapolam a própria legislação do setor. Para Geyer, isto acontece devido à limitada capacidade técnica para fazer a interpretação adequada da lei e também a preciosismos técnicos que nada contribuem para a qualidade do processo ou produto em questão. “Há muito tempo dizemos que é preciso mais prudência na criação de regras e regulamentos, para que eles não sejam excludentes no sentido de criar uma seletividade artificial no mercado”, observa.

Geyer defende que a Anvisa concentre sua atuação nas atividades de fiscalização em detrimento da regulação. Isto porque, em sua opinião, embora o Brasil tenha umas das legislações mais rigorosas do mundo em termos de regulação sanitária, não devendo nada a outros países, a fiscalização efetiva ainda é deficiente. E também porque o momento regulamentador já passou e em alguns casos até ultrapassou os limites dos próprios dispositivos legais. Um exemplo de aberração regulatória está presente, segundo ele, na figura do chamado similar único. “Tivemos um pico regulatório em 2003 com a edição de uma quantidade enorme de Resoluções de Diretoria Colegiada, RDCs, em que foram criadas normas e regulamentos que muitas vezes estavam em dissonância com a legislação ou que não não atentaram para o passado. Por exemplo, produtos que estavam no mercado há 50 anos não foram contemplados. Daí, a criação de figuras de linguagem como o similar único. Equívocos como este acabam complicando o futuro.” Apesar de a situação ter melhorado, Geyer afirma que a Anvisa ainda tem deficiências nessa área e precisa ser assessorada juridicamente, destacando que parte da esperança que ainda deposita no órgão está relacionada à recondução de Dirceu Raposo de Mello à presidência. “Temos a esperança de que ele consiga resolver esses problemas criados nos primórdios da agência. Com a atual diretoria da Anvisa conseguimos estabelecer um diálogo muito construtivo”, diz.

Na visão de Geyer, a Anvisa deve nortear seu trabalho e analisar os riscos sanitários a partir de uma regulação a favor tanto da indústria nacional como do usuário do medicamento. “Algumas gerências estão alinhadas com esse propósito, mas outras ainda estão ligadas ao antigo viés de criação de normas e regulamentos que pouco ou nada adiantavam em termos de risco sanitário e acabavam inviabilizando empresas e produtos”, comenta. “Nosso ponto de vista ainda é encarado por alguns com desconfiança, como uma reivindicação de proteção à indústria, o que não é verdade”, lamenta o presidente da Alanac. “A maioria do empresariado busca progredir e atingir padrões de excelência, inclusive para se manter competitivo.”

Geyer sugere que o governo brasileiro fique mais atento ao que ocorre no mundo nesta área. Os países desenvolvidos aplicam, por meio de justificativas técnicas, barreiras regulatórias à entrada de produtos estrangeiros que às vezes agregam um custo adicional tão alto que inviabiliza importações. Segundo ele, devemos ver o que as agências regulatórias dos outros países estão exigindo e nos colocar no mesmo padrão, ou então “negociar uma flexibilização mútua. Cada país vai tentar impor suas regras, buscando o que é melhor para si. É um jogo de forças que tem que ser resolvido com inteligência”, explica.

Outro exemplo de norma da Anvisa que o presidente da Alanac considera prejudicial e desnecessária é freqüente nos casos em que uma empresa nacional constrói uma nova planta com equipamentos de última geração, geralmente com financiamento do Profarma e recursos do BNDES. Como exemplo, Geyer cita o caso de uma empresa que deseja mudar da instalação antiga para uma nova e acumula seis meses de estoque para viabilizar a transição. Chega um novo equipamento, o mais moderno do mercado, e a gerência de medicamentos da Anvisa conclui que, se mudou o design do equipamento, mudou também o processo. Resultado: exige nova certificação. O processo atrasa, o estoque termina e a planta nova não entra em operação em tempo hábil. As dificuldades são tantas que levam a empresa muitas vezes a se arrepender de ter trocado o equipamento, já que a máquina antiga faz o mesmo que a nova. “São episódios assim que levam o empresário a pensar duas vezes antes de investir em modernização”, conclui.

Os laboratórios confirmam o problema da fiscalização apontado pelo presidente da Alanac. Segundo o gerente de compras do Libbs, Álvaro Athayde, praticamente inexiste uma fiscalização efetiva por falta de profissionais especializados no segmento na Anvisa. Já o diretor superintendente da Nortec, Nicolau Pires Lages, enfatiza a falta de capacitação na área. “Os fiscais são corretos, mas por falta de conhecimento técnico tornam-se pouco flexíveis ou mesmo falham na interpretação das normas. A verdade é que o mercado não tem como oferecer profissionais experientes nessa área”. O empresário sugere que a agência organize eventos com os produtores e crie fóruns de discussão técnica para que, baseada nesta troca de conhecimento, possa otimizar a formação do seu pessoal, inclusive para revisar o regulatório. Pelo fato de, no Brasil, até há pouco tempo apenas o setor farmacêutico ter sido regulado pelo órgão, segundo ele houve muitas incongruências na tentativa de transportar conceitos deste setor para o farmoquímico. “Isso dificultou e até impossibilitou muitos avanços”, observa o empresário. Lages também sugere que a Anvisa promova um intercâmbio com os profissionais do mercado, pois “todos irão se beneficiar com isso: os fiscais ganharão conhecimentos técnicos e práticos e os engenheiros químicos da indústria aprenderão sobre os processos regulatórios nos quais, obviamente, a agência tem muito a contribuir.”

Em última análise, para o diretor na Nortec a regulação sanitária é sempre justa. “Os países com aparato regulatório forte não criam necessariamente barreiras para o desenvolvimento da indústria. Muito pelo contrário, afinal, trata-se da proteção da saúde pública local. Gostaria que o Brasil hoje estivesse no mesmo nível dos EUA, garantindo à sua população acesso a medicamentos de qualidade inquestionável “, explica. “No caso da farmoquímica, a aplicação de um regulatório somente para o produto fabricado no país, tornou-se um agente predatório da produção nacional. Muitas pessoas acham que primeiro se aumenta a capacidade e depois se regula. Acho que o contrário é o correto, porque senão a indústria local fica sem condições de competir. A Anvisa tem que fiscalizar com rigor não só a produção nacional, mas também aquela que vem de fora. É necessário que todos os produtos da área se submetam ao mesmo regulatório.”

Se, para a indústria farmacêutica nacional, sobreviver no mercado interno enfrentando a concorrência das empresas multinacionais e as dificuldades regulatórias já é uma vitória, ingressar no mercado internacional é uma conquista heróica. Álvaro Athayde sabe muito sobre o assunto. Com o objetivo de exportar dois hormônios para países europeus, a Libbs construiu instalações novas de acordo com os guidelines da União Européia, desde o controle de qualidade e produção até o controle de armazenagem. Concluída a nova linha de produção, dois inspetores da agência regulatória alemã vieram ao Brasil para uma auditoria na empresa e só então saiu a certificação. Segundo Athayde, “a Anvisa precisa fazer o mesmo lá fora com os fornecedores de produtos e insumos importados.”

De acordo o gerente da Libbs, curiosamente essas mesmas instalações e processos que foram aprovados pelos auditores alemães, representantes de um dos países mais exigentes da União Européia em termos regulatórios, caíram em exigência na fiscalização da Anvisa, que impôs como condição de certificação o controle de temperatura e umidade por ar condicionado no novo depósito de matéria-prima. “É duro ter que se adequar a um parâmetro que sabemos não ser necessário para garantir a qualidade do produto final, porque nós tínhamos uma temperatura adequada. Isso demonstra que a Anvisa precisa se atualizar em inspeção de planta industrial, uma atividade que requer conhecimento técnico específico”, diz.

Athayde acredita que a cultura da fiscalização no Brasil é muito complicada, pois o empresário ainda é encarado com desconfiança, e não como um agente produtivo que deseja acertar. Além disso, segundo ele, como a Anvisa ainda não faz vistorias internacionais, o laboratório nacional que deseja qualificar seus fornecedores acaba arcando com o custo de enviar equipes próprias para auditorias no exterior. “Só em dezembro do ano passado fizemos 14 auditorias em produtores chineses de intermediários farmoquímicos e apenas quatro foram aprovados”, diz. O problema, segundo ele, é que muitas empresas estrangeiras chegam ao Brasil com fotografias de uma planta industrial de ótima qualidade, mas nem sempre o produto é de fato produzido naquela planta.

O gerente do Libbs destaca que, como não existe uma auditoria oficial extra-zona, o mercado continua trabalhando com fornecedores não fiscalizados e, portanto, muitas vezes não qualificados. “Desta forma, minha empresa deixa de ser competitiva porque, além de arcar com o custo das auditorias próprias, eliminou da sua cadeia de suprimento os fornecedores de preço baixo que não tinham qualificação”, conclui, explicando que para os laboratórios farmacêuticos interessados em manter um alto padrão de qualidade acabam restando as alternativas mais caras. Nesse sentido, ele assinala que uma saída de curto prazo para o setor é a política adotada recentemente por Farmanguinhos de dar preferência aos produtos fabricados no país. “A indústria farmoquímica nacional tem que ser protegida para não sucumbir frente à competitividade predatória asiática”, diz.

Nicolau Lages lembra que existe uma lei – “importante, mas que não está sendo praticada” – exigindo registro sanitário tanto para os produtos nacionais quanto para os estrangeiros importados, o que implicaria realizar junto aos fornecedores de fora os mesmos procedimentos de auditoria e certificação empregados hoje nas indústrias estabelecidas do país. Ele frisa que regulação tem um alto custo e que existem artigos europeus que comparam o custo de produção do farmoquímico no continente em uma indústria de alto padrão sanitário com relação a outra indústria que não atenda aos padrões. “A diferença de custo verificada foi de 26% a 33% só por conta da regulação”, assinala. “A Anvisa deve fiscalizar mesmo. Não só a produção nacional como também a que vem de fora. É necessário que todos os produtos se submetam ao mesmo regulatório.”

REACH: regulação de Primeiro Mundo

Embora todo o Primeiro Mundo possa servir de modelo para os países emergentes em termos de regulação e fiscalização sanitária, o exemplo do momento é o
REACH, sigla do regulamento para Registro, Avaliação e Autorização de Produtos Químicos da União Européia, que entrou em vigor em junho de 2007 e efetivará, entre 1º de junho e 30 de novembro deste ano, o pré-registro dos produtos que poderão ser exportados para esse mercado. Trata-se de um regulamento extremamente abrangente e que contempla, mais do que produtos, cadeias produtivas inteiras. Por isso, sua implementação terá o efeito de uma quebra de paradigma no comércio internacional.

Segundo a consultora da Oxiteno para assuntos regulatórios, Nícia Mourão, só mais adiante o impacto real do REACH no comércio internacional será sentido, quando os produtos não registrados tiverem a produção e a comercialização proibida nos 27 países da UE. De qualquer forma, ela chama atenção para a importância de as empresas que exportam para a Europa começarem a se preparar desde já, pois o ônus financeiro do processo que precede o registro será pesado: para substâncias comercializadas acima de mil toneladas por ano são exigidos 55 testes, ligados às características físico-químicas, toxicológicas e eco-toxicológicas do produto.

Outra regra que irá encarecer extremamente as exportações, adverte a consultora, é que a empresa não estabelecida na União Européia não poderá efetivar diretamente o registro de seus produtos: terá de designar um representante exclusivo na UE, que será também o responsável legal por quaisquer problemas relacionados ao uso do produto. Mourão afirma que isto “acaba constituindo não uma barreira técnica, mas uma barreira econômica, que surge para proteger quem está produzindo dentro da Europa e vai onerar as empresas principalmente dos países em desenvolvimento, como o Brasil.”

O assunto, altamente controverso, está sendo debatido num painel da OMC, onde a UE defende seu regulamento contra a acusação de constituir barreira às importações alegando que todos terão que fazer os mesmos testes. Por outro lado, os países mais duramente afetados com o REACH argumentam que exigências técnicas excessivamente onerosas acabam tendo o caráter de uma sanção comercial. E parece ser este o caso. O pré-registro no REACH é gratuito, mas o registro deverá custar de 30.000 a 40.000 euros por substância, sem contar as despesas com testes, viagens e a contratação do representante europeu. Um detalhe sintomático destacado por Nícia Mourão é que o documento lançado recentemente para ajudar a interpretar o REACH traz algumas exceções para pequenas e médias empresas européias relativas à redução dos custos de registro. Uma leitura detalhada do documento mostra, segundo ela, que “não se contempla a diferença entre estágios de desenvolvimento de países fornecedores: o foco é exclusivamente nos interesses da União Européia.”

A maior prova das implicações comerciais do REACH, observa a consultora, é que ele está fazendo nascer um novo mercado de consultores na Europa e criando mais uma frente de negócios para as empresas do continente. Grandes players europeus do setor químico abriram empresas paralelas para dar consultoria em REACH e oferecer a realização dos testes com alta qualidade e, obviamente, alto preço. Mourão ressalta que é possível contratar esses serviços com empresas pouco conhecidas por preços bem inferiores, mas se a qualidade dos testes não for aprovada pela agência européia o barato sairá caro.

“No meu entender, deveria haver no governo brasileiro uma forte discussão e acompanhamento desse tema, de forma a multiplicar a informação e articular soluções para os empresários nacionais”, recomenda a consultora. “Porque, na verdade, trata-se de uma regulação técnica que pode se transformar em barreira comercial. Não creio que isto seja intencional da parte da União Européia, já que, em princípio, também afeta as empresas de lá. A legislação que resultou no REACH atende ao acordo internacional de barreiras técnicas, o texto é tecnicamente muito correto, o foco é mesmo preservar o meio ambiente e a saúde humana. A Comunidade Européia saiu na frente por estar, talvez, mais comprometida e ter mais consciência sobre esses problemas. Mas esse tipo de exigência é uma tendência internacional e não haverá como escapar dela.”

Para Nícia Mourão, um maior controle mundial sobre requisitos técnicos dos produtos pode trazer não somente dificuldades, mas também oportunidades para a indústria. “Precisamos entender o REACH de forma mais profissional e menos emocional”. Em sua opinião, será necessária uma atitude mais cooperativa da parte dos empresários, bem como entre o setor produtivo e o agente regulador, visando tanto ao compartilhamento de informações quanto à redução de custos via economia de escala. Por exemplo, empresas produtoras de fórmulas que contêm uma mesma substância poderão se organizar para efetuar um único registro dessa substância.

O governo também deve ficar mais atento ao assunto, insiste Mourão. “Por que não criar uma linha de financiamento para auxiliar os laboratórios na adequação ao REACH? Por que não apoiar essas empresas na realização dos testes, e eliminar o ônus fiscal que decorreria das remessas ao exterior para pagamento dos custos do registro? O governo pode ajudar, até porque seria uma ajuda com data para terminar. Duraria apenas o período desta adequação inicial, de 2008 a 2018. Seriam alternativas para minimizar o impacto inicial sobre as indústrias nacionais que exportam para a Europa.”

Já o GHS – Globally Harmonized System of Classification and Labelling of Chemicals (Sistema Harmonizado Globalmente para Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos), lançado em 2003 pela Organização Mundial de Saúde, é uma iniciativa mundial para padronizar os critérios de classificação de substâncias químicas de acordo com os perigos a saúde humana, perigos físicos e ao meio ambiente. Uma parte importante da abordagem do GHS é que ele foca a comunicação da informação do perigo da substância química. Ele tenta harmonizar a forma de comunicar o perigo da substância química através dos rótulos e as fichas de informação de segurança (SDS) para quem usa, transporta e trabalha com o produto químico.

Segundo Andrea Nhoato, coordenadora de registro de produtos da Milênia Agrociências, por utilizar no processo de harmonização dados técnicos disponíveis sobre os produtos, esse sistema tem a vantagem de dispensar a realização de novos testes e estudos pelos produtores, desonerando-os dos custos envolvidos. “Na verdade não será tornar as substâncias comparáveis, será usar os mesmos critérios para se classificar um produto químico em todos os países. Por exemplo, um produto que é rotulado nos Estados Unidos vai receber a mesma classificação pelo GHS aqui no Brasil.”

A Europa já adotou o GHS em todos os países através de uma regulamentação na classificação e rotulagem e embalagens de substâncias emissoras. A publicação desse regulamento é esperada até o final de 2008, quando será publicada oficialmente, e eles darão uma data limite para que toda a indústria reclassifique as substâncias até dezembro de 2010. Isso significa que quem quiser vender para a União Européia vai ter que se adequar até o final deste período. E para as misturas, o que é um pouco mais complicado de classificar de acordo com o GHS, o prazo se estende até junho de 2015.

A implementação nos Estados Unidos, pelo EPA está apresentada num documento chamado White paper e em fase de solicitação da opinião pública. O Japão já implementou a classificação segundo o GHS desde de dezembro de 2006. A China está com o sistema operacional pronto para ser implementado em 2008. No Brasil, existe um comitê tratando do assunto sob a coordenação do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Na opinião de Andrea Nhoato, o GHS não tem nenhuma conotação de barreira técnica. “Trata-se de harmonização mesmo” – afirma ela, mas que poderá se converter em barreira “se o Brasil não se harmonizar em tempo hábil com os padrões do GHS, pois as importações e exportações de substâncias químicas ficarão mais onerosas e trabalhosas para nós. Haverá custos com mudança de rótulos e com armazenagem pelo tempo perdido em portos, porque o entendimento entre as pessoas que trabalham nos portos e aeroportos é importante para o processo fluir.”

Patentes e tributos: problemas e oportunidades

Se nas questões de regulação sanitária o Brasil, apesar de inexperiente, parece que está procurando acertar, nas políticas tributária e de propriedade industrial ainda persistem antigos equívocos que limitam a competitividade e as oportunidades para os produtores da química fina estabelecidos no País. Nessas áreas, muitas vezes o governo brasileiro joga contra o próprio time e favorece a indústria estrangeira em detrimento da nacional. Nosso sistema de proteção à propriedade industrial ainda não eliminou, por exemplo, as patentes pipeline, aberração jurídica inserida na legislação em 1996 e que até hoje cria constrangimentos ao desenvolvimento do mercado de medicamentos genéricos. E o critério dominante de julgamento das licitações públicas ainda é o do menor preço de face dos produtos, ignorando-se o princípio da isonomia tributária.

Segundo a gerente de marcas e patentes do laboratório Medley, Silvia Ortis, muitos medicamentos cujas patentes já deveriam ter expirado no Brasil acabaram conseguindo prorrogar seus prazos de validade, impedindo que as fórmulas caíssem em domínio público e pudessem ser fabricadas por empresas brasileiras, o que reduziria o seu custo final. “As ações em trâmite na justiça brasileira pedindo extensões de patentes ou anulação do ato do INPI quando do indeferimento do pedido de uma patente são os fatos mais relevantes do atual cenário de propriedade industrial”. Sem dúvida, as ações têm implicações no ritmo do desenvolvimento da indústria farmacêutica nacional e corrobora para a dificuldade de acesso da população à medicação por um preço no mínimo 35% mais barato por definição em se tratando de medicamentos genéricos. “A população é a principal prejudicada”, afirma Silvia.

Ortis lembra que estão em vigor 996 patentes pipeline no setor farmacêutico, com seus titulares se beneficiando pela morosidade da justiça. À medida que pedem a extensão do prazo de validade dessas patentes as empresas solicitam, concomitantemente, tutela antecipada, e até a decisão final continuam se beneficiando do monopólio de mercado. Mas, segundo a gerente do Medley, a incerteza jurídica para os laboratórios de genéricos está diminuindo graças à crescente capacitação dos juízes de 1ª e 2ª instâncias e de uma atuação mais incisiva do INPI contra a prorrogação das pipeline. “Muitas das ações judiciais propostas em 2001, 2002, 2003 ou 2004 ainda estão em trâmite até hoje, por outro lado, as ações novas já passam a ter uma velocidade bem diferente. Antes, uma ação para chegar a 2ª Instância poderia levar de quatro a cinco anos. Hoje, em um ano e meio há o trânsito em julgado na 2ª Instância. Esta velocidade contribui diretamente para diminuir a insegurança jurídica”, comemora.

Um exemplo claro é o Plavix, cujo julgamento recente foi um caso onde não foi dado provimento à extensão, pondo fim ao monopólio e o abrindo o mercado à concorrência. O Tribunal Regional Federal da 2º Região julgou favorável a ação apresentada pela Procuradoria Federal a pedido do INPI, impedindo a extensão de patente reivindicada pelo laboratório francês Sanofi-Aventis. Ortis espera que este seja o prenúncio do fim das pipeline no Brasil, já que “até 2013 estarão expirando as patentes dos principais blockbusters (produtos que vendem muito ou têm alto valor agregado).”

No momento é importante alertar para a conduta “maliciosa” de alguns laboratórios que estão distribuindo ações fora do fórum de discussão de propriedade industrial, que em tese deveria ser a 2ª Região, onde está a sede do INPI. De acordo com Ortis, a intenção desta conduta é postergar a decisão. Esta estratégia é uma clara prática de concorrência desleal cabível de ser investigada pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), na Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE).

Ortis acrescenta que os laboratórios não têm conduzido dessa forma apenas ações de propriedade industrial, mas também contra a Anvisa, tentando impedir registros de produtos face a patentes cujas extensões estão sendo discutida em outros processos judiciais. “Isso é totalmente descabido, uma vez que há provimento legal (art. 43, inciso VIII) para desenvolver o produto com a intenção de registrá-lo e comercializá-lo após a expiração da patente, até porque esse processo de pesquisa e desenvolvimento é longo”, esclarece.

O fortalecimento da massa crítica e o entendimento pelos magistrados do que está acontecendo com as chamadas pipelines vai cada vez mais diminuir a insegurança das empresas nacionais quanto a investir em pesquisa para oferecer um genérico. “Devemos enfatizar que as empresas nacionais defendem os direitos de propriedade industrial protegendo suas marcas e patentes. O que não se pode admitir é extrapolar ou abusar desse direito”, afirma a especialista.

Também na opinião de Álvaro Athayde estas empresas têm se aproveitado da inexperiência jurídica brasileira no tema, de uma magistratura que em seus diversos níveis ainda não está suficientemente harmonizada nestas questões específicas e da morosidade da justiça no país. “Essas empresas não querem ganhar os processos, até porque já sabem que é causa perdida; o que elas querem é atrasar o julgado para continuar se beneficiando da proteção de patente durante um período maior do que a lei permite”, avalia. Em algumas situações, também a Anvisa, que tem por meta apoiar a indústria nacional, acaba por dificultar o processo com indefinições nos casos de conflito com o parecer do INPI, pois os pleitos ficam ali estacionados quando poderiam ser liberados e julgados a favor da indústria nacional.

Da mesma forma que a política de propriedade industrial, as políticas governamentais que influenciam na composição do preço dos medicamentos também podem constituir barreiras ao desenvolvimento da indústria. O presidente da Alanac observa que, para um governo que se diz preocupado com o acesso da população a medicamentos, é incongruente a atuação da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). “A CMED só regula preço. Sabemos que a carga tributária do medicamento brasileiro vai a 35% com impostos diretos e na cadeia completa pode chegar a mais de 50%. Se o governo quer aumentar o acesso, bastaria reduzir o imposto”, esclarece. Segundo ele, um acordo entre os estados para reduzir a 7% a tributação de ICMS baixaria o preço do medicamento de 10% a 12% imediatamente, e se o PIS e o Cofins fossem retirados haveria também uma redução significativa.

Para se ter uma idéia mais clara, dados da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica (Febrafarma) apontam que a carga tributária incidente apenas sobre os medicamentos – excluindo a cadeia – chega a 35,07%. E, ao contrário do que se deveria supor, os altos impostos sobre o setor não são justificados pela necessidade de gastos públicos com a compra de medicamentos, esclarece Carlos Geyer. “Trata-se de uma balança superavitária para o governo, que arrecada na cadeia R$ 8 bilhões em impostos e compromete, do orçamento do Ministério da Saúde com a compra de medicamentos, apenas a metade disso: R$ 4 bilhões.”

Em vez de reduzir impostos, o governo acaba criando medidas que o presidente da Alanac considera pouco eficazes, como o fracionamento de medicamentos, autorizado em maio de 2006 pelo presidente Lula e regulamentado em maio de 2007 pela Anvisa. Segundo ele, a indústria nacional não é contra o fracionamento em si, mas sim contra o fracionamento de todos os medicamentos, pois isto onera o custo logístico das empresas, especialmente as pequenas e médias, além de aumentar o risco sanitário.

Para Nicolau Lages, a carga tributária não deve ser analisada como um problema isolado. O pior é a falta de isonomia tributária nas compras governamentais, que traz como resultado a dependência brasileira dos fármacos importados. Segundo ele todos os países dependem em algum grau de importações, mas não tanto como o Brasil. Para se ter uma idéia, mais de 80% dos farmoquímicos consumidos no Brasil vêm de fora. “É um número bastante significativo, considerando que na maioria dos países desenvolvidos essa porcentagem não passa de 10% ou 15%”, observa. Como exemplo o diretor da Nortec cita o caso da tuberculose. “Embora o Brasil, hoje, ainda registre casos de tuberculose e hanseníase, não fabricamos nenhum medicamento para tratar essas doenças”, lamenta.

A política de genéricos é freqüentemente apontada como uma solução para a redução de preços e, conseqüentemente, para o acesso da população carente aos medicamentos. Mas essa visão não é unânime. Silvia Ortis defende a expansão do mercado de genéricos a partir da extinção de patentes e afirma que, com ela, “há o fim do monopólio e o mercado fica aberto à concorrência. Só com isso já há em média uma redução de preço de 15% a 20%”. Já Carlos Geyer sustenta que, hoje, os maiores consumidores de genéricos em todo o mundo são pacientes da classe média e que, com todas as exigências que pesam sobre a indústria farmacêutica, os remédios continuam sendo produtos caros. “Para quem está abaixo da classe D é muito complicado ter acesso real”, ele assegura. Em sua opinião, “se a indústria e o governo trabalhassem juntos para resolver a questão do acesso, se conseguiria um resultado muito melhor e mais abrangente.”

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