REVISTA FACTO
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Nov-Dez 2007 • ANO II • ISSN 2623-1177
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//Matérias

O risco na análise de valores agregados

O folclore divulga uma historieta referente a um cidadão que não sabia nadar e, por isso, afogou-se ao atravessar a pé um riacho cuja profundidade média lhe fora informado ser de cinqüenta centímetros.

Assim, também, no quotidiano são publicadas análises descabidas por erro de interpretação de dados estatísticos e, o que é bem pior, importantes decisões têm sido adotadas por entes públicos equivocadamente embasadas em valores agregados que são divulgados por organismos competentes, mas que não são adequadamente examinados e entendidos no seu real significado e, em decorrência, não são corretamente aplicados por outros agentes econômicos.

Nesse cenário é lícito se destacar as estatísticas referentes às correntes de comércio externo que, no caso brasileiro, são corretamente calculadas e divulgadas pela competente Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

As referidas estatísticas, no caso das exportações, são divididas em três
grupos:

– Produtos básicos: são os produtos agrícolas e minerais. A título ilustrativo, a folha de tabaco é um produto básico que dá origem ao cigarro (manufaturado).

– Semimanufaturados: são os produtos com certo grau de transformação, como óleo de soja, ferro liga e ouro – mas que não chegam a atingir um nível de agregação industrial mais elaborada.

– Manufaturados: são os produtos industrializados com maior grau de agregação de valor, aí incluídos gasolina, álcool e açúcar refinado.

No caso das importações, são classificadas em:

– Bens de capital: são máquinas, equipamentos e seus acessórios.

– Bens de consumo (duráveis e não-duráveis): são as mercadorias colocadas no mercado para venda direta ao consumidor, como computador (bem durável) e medicamento (bem não-durável).

– Matérias-primas e produtos intermediários: são os produtos intermediários destinados à indústria, como a químico-farmacêutica (princípios ativos).

Verifica-se assim, nitidamente, que os critérios de classificação de mercadorias nos dois grupamentos são completamente distintos. No primeiro caso são baseados no grau de agregação de valor e, no segundo caso, os produtos são tipificados por aplicação, desconsiderando-se as agregações de valor que representam. Assim sendo, não são válidas quaisquer correlações entre esses dois grupos, na forma que comumente são apresentadas em análises do desempenho das correntes de comércio. Nessas análises são destacadas, como deveras importantes, as incrementais agregações de valor em produtos exportados, tratando as importações ocorridas como justas e adequadas, por serem dedicadas às matérias-primas e bens de capital, componentes básicos do processo de industrialização do país.

Para ilustrar o equívoco contido no conceito acima apresentado, basta examinar-se o significado econômico das importações de princípios ativos para a química fina. Tais importações são classificadas como matérias-primas a despeito do elevadíssimo valor unitário por elas apresentado, decorrente da complexidade tecnológica de seus processos de fabricação – cinco a dez etapas de síntese química em reatores de aço vitrificado, em condições severas de temperatura e pressão, o que requer rica qualificação em recursos humanos e elevados investimentos fixos.

Do déficit total de US$ 8,4 bilhões apresentado pelo setor químico em 2006, o elevado montante de US$ 3 bilhões referia-se exclusivamente aos princípios ativos para a química fina, os quais são visualizados por macroeconomistas como matérias-primas com significado econômico equivalente às folhas de tabaco que fazem parte do conjunto de produtos básicos no grupamento de exportações.

Entre os manufaturados do grupamento exportador destacam-se o álcool etílico, a gasolina e o açúcar refinado que representam elevados volumes exportados, mas não agregam valor como os princípios ativos da química fina. Além disso, comparando-se tais pautas produtivas, evidentemente é muito mais importante para o país, do ponto de vista estratégico, como elemento propulsor do desenvolvimento industrial e social do país, a fabricação local de princípios ativos para a química fina, até mesmo como fator determinante para o exercício de uma soberana política desenvolvimentista.

Traduzindo em valores, o Brasil exportou, em 2006, cerca de 2,5 milhões de toneladas de álcool etílico para fins carburantes ao preço médio de US$ 0,53/kg, cerca de 2,2 milhões de toneladas de gasolina ao preço médio de US$ 0,65/kg e em torno de 10,3 milhões de toneladas de açúcar de cana bruto ao preço médio de US$ 0,25/kg, totalizando o montante de US$ 5,32 bilhões apurados pelo país com exportações totais dos três produtos manufaturados, no período.

Ao mesmo tempo, em 2006, o Brasil importou aproximadamente 502 mil toneladas de princípios ativos para a indústria farmacêutica, no valor total de US$ 3,07 bilhões, o que determina um preço médio de US$ 6,12/kg. Tal preço médio de princípios ativos representa 12 vezes o preço médio do álcool, 9 vezes o preço médio da gasolina e 24 vezes o preço do açúcar exportado. Em outras palavras, o país gastou em 2006, com a importação de princípios ativos farmoquímicos, 58% do total apurado com as vendas externas de três relevantes itens de sua pauta exportadora (álcool, gasolina e açúcar), embora o volume total, em quilogramas, dos farmoquímicos importados tenha sido 30 vezes inferior ao volume exportado dos três produtos.

Há que se lembrar, ainda, que entre os princípios ativos que o Brasil importa figuram produtos cujo preço médio supera US$ 300 mil/kg, sendo que a maior parte desses itens importados apresenta um preço médio superior a US$ 13 mil/kg.

A leitura equivocada de dados estatísticos pode, portanto, induzir formulação inadequada de políticas públicas, ao privilegiar o volume de fluxos comerciais, sem levar em conta o significado estratégico de produtos com elevado valor agregado, alta densidade tecnológica e reconhecida expressão para o desenvolvimento econômico e social do país. Hoje já se percebe nitidamente a ocorrência de um processo de desindustrialização do país, em grande parte decorrente do pouco caso atribuído aos produtos intermediários de grandes cadeias produtivas, em especial na área química.

Fatos como esses custam a aparecer, não são examinados em matérias jornalísticas e, quando surgem, já foi produzido um estrago enorme na economia do país. Como não se trata de simples maquiagem de dados, entendemos que é preferível alterar a metodologia estatística empregada em tais aferições econômicas pelo uso do mesmo critério de agregação de valor nas duas correntes de comércio do que corrigir sistematicamente análises feitas com embasamento equivocado, tal é a difusão e a repercussão dessas matérias.

Nelson Brasil de Oliveira
Nelson Brasil de Oliveira
Vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA.
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