REVISTA FACTO
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Set-Out 2007 • ANO II • ISSN 2623-1177
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//Matérias

O art. 40 da LPI como propulsor de uma patente perene

Contrastando com as habituais demandas judiciais – do setor agroquímico e farmacêutico – sobre as patentes pipeline, “extensão TRIPS”, SPC, ou continuation, há algumas lides1 pertinentes à interpretação incidente sobre o art. 40, seu § único, da Lei no 9.279/96, no tocante a patentes depositadas sob a égide do antigo CPI.

Nesses processos, é discutido o prazo de vigência sobre os privilégios de invenção, sendo certo que, em caso de procedência dos pedidos, pode-se assegurar um direito de exclusiva de até trinta e sete anos2.

As demandas citadas têm como paradigma a tutela de substâncias químicas que não eram privilegiáveis na época de seu depósito, por força do art. 9º, “b” e “c” da Lei no  5.772/713. Ato contínuo ao depósito, o INPI indeferiu aqueles pedidos de patente, mas por força de decisões judiciais transitadas em julgado4, foi determinado – à Autarquia – o prosseguimento da análise de patenteabilidade, superada a proibição do referido artigo legal.

Durante a tramitação das ações judiciais que visavam declarar a não-incidência da proibição legal – que duraram mais de uma década, o INPI não deu continuidade ao exame dos recursos administrativos, interpostos da decisão de indeferimento dos pedidos.

O INPI, dentro da exegese constitucional do princípio da eficiência5, suspendeu o trâmite administrativo, por haver sub judice a mesma questão, não havendo necessidade de movimentação inútil da máquina administrativa.

Assim, após muitos anos de interrupção da fase administrativa, o INPI analisou o mérito dos pedidos de patente, e as concedeu com vinte anos de vigência a partir do depósito, aplicando a atual Lei de Propriedade Industrial (LPI).

Insatisfeitas com o privilégio de invenção, as titulares das patentes ajuizaram outra série de demandas pleiteando a aplicação do parágrafo único do art. 40, para que o direito de exclusiva tivesse vigência de 10 anos a partir da concessão.

Entre os falaciosos argumentos utilizados, os “privilegiados” aduzem que não há nenhuma recompensa aos investimentos feitos quando se concede uma patente “nati-morta”6, e que não houve qualquer decisão judicial que determinou o sobrestamento da seara administrativa, razão pela qual não se pode aplicar a parte final do mesmo dispositivo invocado7.

Apesar de não estar em discussão a independência da seara judicial para com a seara administrativa8, é insofismável que houve pendência judicial, justificando a aplicação do art. 40, caput.
Por sinal, parece-nos que o equívoco da Autarquia na aplicação do prazo de vigência dos privilégios, se iniciou com a aplicação da legislação errada. Privilégios de invenção depositados em 1979 e 1981, inexoravelmente tiveram sua vigência encerrada em 1994 e 1996, respectivamente, de acordo com o art. 24 da Lei
no  5.772/71.

Desta forma, estes direitos de exclusiva “nasceram” e “morreram” antes da égide da atual Lei no 9.279/96, que, passada a vacatio legis, só vigorou em 1997.

Como não se desconhece, uma das fontes normativas são os Princípios Gerais do Direito9, entre os quais podemos destacar o tempus regit actum que determina que os atos são regidos pela lei de seu tempo.

Não obstante, temos, ainda, o direito adquirido10 de toda a sociedade que nasceu junto com o depósito dos pedidos de – ao termo final dos privilégios – ter acesso ao domínio público em data certa.

Neste sentido, leciona Denis Borges Barbosa11: “Realiza-se no patrimônio de todos interessados o direito antes adquirido ao momento da concessão da patente, o de passar a explorar o objeto da patente sem oposição do titular”.

Se, portanto, o domínio público é inderrogável12, ele também é inadiável, e não se encontra à disposição do poder público ou do titular do privilégio de invenção, que busca no Judiciário um meio legítimo à satisfação de suas pretensões.

Mesmo que não houvesse a supressão do domínio público, a violação ao direito adquirido, e a aplicação inadequada de lei posterior ao ato regido; não há o atendimento ao requisito constitucional13 patentário quanto ao caráter temporário de vigência dos direitos de exclusiva.

No mesmo dispositivo da Carta Magna, se faz necessário observar que a concessão da patente deve obedecer ao interesse social que, definitivamente, resta aviltado com um privilégio concedido com quase o dobro do tempo garantido pelo legislador.

Outrossim, o Poder Judiciário deve aplicar a legislação de 1971 a esses casos, ou, no máximo, o caput do art. 40 da lei de 1996, dentro de uma hermenêutica constitucional sistemática, sob pena de fornecer um enriquecimento sem causa ao favorecido titular.

1 Como exemplo, destacamos os seguintes processos: 200551015070586, em trâmite perante a 1ª Turma Especializada do TRF-2, pertinente ao princípio ativo Clomazone, patente PI 8103484-9; 200451015172032 em trâmite perante a 38ª Vara Federal do Rio de Janeiro, cujo objeto é a patente do processo de produção do Clomazone, patente PI 8700554-9; e 200651015247831, em trâmite perante a 35ª Vara Federal do Rio de Janeiro, cujo escopo é a Bifentrina, patentes PI 7900361-3 e 7908936-4.

2 No caso que tangencia as patentes da Bifentrina, é pleiteada a vigência até 2016 de patentes depositadas no longínquo ano de 1979.

3 Art. 9° “Não são privilegiáveis”: “b) as substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos, ressalvando-se, porém, a privilegiabilidade dos respectivos processos de obtenção ou modificação”; “c) as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos, de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação”.

Vide processo 900029104-6, oriundo da 22ª Vara Federal do Rio de Janeiro.

5 Art. 37 da CFRB: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência…”.

6 Seriam patentes concedidas após sua expiração.

7 “Art. 40, § único: O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior.”

O art. 2º da Constituição Federal assegura a independência entre os poderes: Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

9 Vide artigo 4º do Decreto-Lei no 4.657/42.

10 O parágrafo único do art. 6º do Decreto-Lei no 4.657/42, elucida bem a questão: “§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”. A doutrina também salienta a questão: “Tal é pois o problema, que sentimos, que o legislador não pode infringi-lo. Além disso, a segurança coletiva, que, como se sabe, é um dos objetivos, um dos pressupostos da ordem jurídica, estaria inteiramente comprometida se a legislação nova fosse capaz de alterar radicalmente os resultados da lei antiga e daí então foi deduzida essa máxima: ‘a lei nova não alcançará os fatos pretéritos'” – DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil. Rio de Janeiro: Editora Rio, 2ª Tiragem, 1979, p.110.

11 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2ª edição, p. 566, 2006.

12 “O ingresso no domínio público em cada sistema jurídico é incondicional, universal e definitivo (…) Retirar um bem do domínio comum é expropriação ou desapossamento, sujeita ao estatuto constitucional pertinente, ou simples apropriação indébita.” BARBOSA, Denis Borges. As bases constitucionais do sistema de proteção das criações industriais. in Criações Industriais, segredos de negócio e concorrência desleal. Rio de Janeiro: GV LAW, 2007. p 51.

13 Art. 5º, XXIX, da CFRB: “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.”

Pedro Marcos Nunes Barbosa
Pedro Marcos Nunes Barbosa
Sócio de Denis Borges Barbosa Advogados ([email protected]). Professor do Departamento de Direito da PUC-Rio. Doutor em Direito (USP), Mestre em Direito (UERJ) e Especialista em Propriedade Intelectual (PUC-Rio)
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