REVISTA FACTO
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Set-Out 2007 • ANO II • ISSN 2623-1177
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O risco da desindustrialização
//Entrevista Júlio Sérgio Gomes de Almeida

O risco da desindustrialização

Estudo recente, realizado pelo IEDI sob sua coordenação, apontou um possível processo de desindustrialização em andamento no País? Quais são as variáveis contempladas neste estudo?

Este estudo mostra diversas facetas de um processo que não são percebidas facilmente. Trata-se de um processo de desindustrialização que não é visível como são os atos de produção da indústria, por exemplo. É preciso um certo tempo para consolidar uma tendência e também uma análise mais profunda com níveis de desagregação diferentes. O comércio exterior é uma variável muito importante em estudos deste tipo, porque sua dinâmica normalmente antecede a mudança que vai acontecer na estrutura industrial. Se um país reduz sua competitividade em um determinado setor da indústria, os investimentos acabarão sendo reduzidos ao longo do tempo e a produção também, assim como a exportação. Sendo que a exportação e a importação são afetadas mais imediatamente e, por isso, são indicadores confiáveis do futuro do setor. Nosso estudo tentou verificar através de dados de comércio exterior e de produção do IBGE sinais de uma tendência de desindustrialização do país. O grande problema é que esses dados custam a aparecer – não geram notícias nos jornais – e, quando aparecem, já são graves. Esta foi a natureza do nosso estudo, cujos dados estão disponíveis no website do IEDI. Nosso economista chefe fez uma recente exposição em evento na Fiesp, que teve grande repercussão junto às lideranças industriais, já que são elas a sentir na própria pele os primeiros sintomas desta tendência.

Como tem evoluído a substituição da produção nacional por importações, com nítido viés de antipolítica industrial, nas áreas de bens intermediários e de consumo não-duráveis?

A conclusão dos estudos é que o atual processo de desindustrialização se revela em dois eventos. O primeiro é que, dentro das cadeias de produção da indústria, há uma perda de encadeamento da produção local. Ou seja, muitas brechas vão se abrindo dentro da cadeia produtiva de diversos setores que passam a ser atendidas por bens importados. O segundo evento é de fato uma redução da produção em alguns setores, como por exemplo no de informática. No passado, o País produzia componentes eletrônicos para a fabricação de bens finais nessa área. Atualmente, o Brasil deixou de produzir e passou a importar, o que representa um elo perdido na cadeia de produção. Outro exemplo: o Brasil produzia determinados medicamentos e deixou de produzir porque passou a importar. Ou seja, um bem intermediário se perde ao longo da cadeia ou um setor produtivo que se enfraquece. Outro setor ilustrativo da desindustrialização é o de vestuário, que está sofrendo uma devastadora concorrência da China. Agora, é bom lembrar que nem todo processo de desindustrialização é negativo. Ele pode ser positivo quando reflete um estágio de desenvolvimento industrial tão avançado que uma integração com outro país proporciona aumento da produtividade interna. E, ao mesmo tempo, existe uma contrapartida, pois a outra nação envolvida nesta cadeia produtiva passa também a adquirir produtos em diferentes setores da nossa economia. Quando há um desenvolvimento maior da indústria, é possível aperfeiçoar a capacitação industrial com produtos importados. Agora, se essa passagem de produção para outros países for de bens finais ou produtos intermediários que são fundamentais para a dinâmica da indústria, representativos de um país que quer se industrializar e ainda não se industrializou, então, há um retrocesso.

É isso que está acontecendo no Brasil?

Sempre que há uma manipulação cambial, motivada por algum fator, há o perigo do país caminhar para uma desindustrialização não-positiva. A desindustrialização positiva não deixa ninguém apreensivo, pois é sintoma do desenvolvimento. Basta que o país tenha uma economia relativamente aberta, com um processo de industrialização mais avançado, sempre haverá uma redistribuição da indústria. Algumas parcelas das cadeias de produção serão passadas a outros países e alguns produtos finais também. E o país receberá algo em troca. Agora, a desindustrialização negativa, não-natural, normalmente vem de um câmbio supervalorizado. E é isso que vem ocorrendo no Brasil.

Como pode ser quantificada a apreciação ocorrida no real em relação ao dólar, e quais as conseqüências disso para o País?

A nossa moeda se valorizou muito nos últimos três anos. Era uma valorização inevitável, mas foi além da conta e um dos nossos trabalhos mostrou isso. Porque, hoje, nós ainda temos uma taxa de juros muito alta. Este cenário criou uma vantagem competitiva artificial para outros países. Quando a competitividade não é artificial, o empresário pode até reclamar. Eventualmente, o governo pode fazer uma política industrial por algum período, mas de certa forma é a regra do jogo, a regra do mercado. Agora, uma valorização cambial motivada por um desalinhamento dos nossos juros em relação ao padrão internacional, a competitividade é artificial e leva a uma desindustrialização não-positiva.
Tem outro fator também que é a prática de subvalorização da moeda. Neste caso, nós temos que nomear, porque o exemplo atual é a China. Eles têm uma política forte nesse sentido, que resulta em uma vantagem competitiva muito grande em relação a outros países que não usam esta política. Eu diria que o Brasil deveria ter uma política cambial mais protetora frente a esses dois fatores de risco. Primeiro, uma taxa de juros especialmente alta, e segundo, um parceiro internacional do porte da China que adota uma política de subvalorização da moeda.

No entanto, a grande imprensa registra com entusiasmo o crescimento das exportações. Este crescimento está limitado à exportação de commodities? O que isso significa para o País?

Como estamos em um processo de sobrevalorização da nossa moeda, as exportações perdem atratividade. Ocorre que o mercado internacional tem favorecido muito o preço dos produtos em geral e, em especial, os de commodities. Ou seja, o câmbio desestimula as exportações, mas não as de commodities, que têm menor valor agregado. Esses produtos são altamente meritórios e o Brasil deve se orgulhar muito de tê-los. Aliás, teríamos sérios problemas se não os tivéssemos. Mas concentrar o dinamismo das nossas exportações em commodities é um risco, porque amanhã os preços internacionais podem não ser tão bons. Hoje não há esta perspectiva, mas é sempre um risco. O Brasil conquistou uma posição no comércio exterior de ser um país diversificado, pois produz commodities, mas, felizmente, muitas delas. Na área agrícola com soja, café, açúcar, laranja e muitas outras. Na área industrial, temos a exportação de ferro, aço, alumínio e diversos outros da siderurgia. Na área de minerais, hoje somos bons exportadores de petróleo. Além disso, somos destaque na área industrial: exportamos de avião ao vestuário, de calçados a produtos de bem de capital para a América Latina. A marca registrada do comércio exterior brasileiro é a diversificação. Porém, com esse câmbio em vigor, a tendência é que isso diminua e se concentre em commodities. Porque evidentemente o que o câmbio não dá ao exportador nesta, o preço internacional tem dado. Isso felizmente, porque uma coisa compensa a outra e a exportação continua crescendo. Portanto, podemos comemorar, mas com as devidas ressalvas.

É possível, então, ler nas entrelinhas dos bons resultados da nossa balança comercial o processo de desindustrialização já em andamento?

Exatamente. Em economia, nós temos sempre que avaliar o resultado do momento e a tendência que ele está indicando. Nesse caso, as coisas são muito claras. No momento, temos um bom resultado da exportação, muito em função da nossa capacitação na área de commodities. Mas a tendência é que outras áreas saiam enfraquecidas ao longo do tempo. Isso tem relação com o câmbio e com outros fatores também, vamos fazer esta ressalva, porque o câmbio não é o único culpado. O câmbio, na verdade, é um orientador de como o cenário se desenvolverá. Se ele for muito valorizado, não favorece ao exportador. A nossa exportação vai acontecer, mas vai se concentrar nas áreas onde o complemento se dá pelo mercado, como por exemplo, em commodities cujos preços internacionais são favoráveis. Só que a exportação tende a diminuir na área industrial e mais ainda em áreas industriais experimentais, de alto valor agregado, como as indústrias química, farmacêutica e de informática, por exemplo. Não quero dizer que essas indústrias vão morrer, mas o atual cenário não é favorável a estes setores.

Mais especificamente o saldo comercial do complexo industrial da área química demonstra alguma tendência clara nesse sentido?

No caso da indústria química, esse déficit está aumentando vertiginosamente. Temos que levar em conta que neste setor há uma elasticidade muito grande em relação ao PIB. Isso quer dizer que quando a economia cresce, o setor químico importa muito mais, já que depende muito de insumos externos. Então quando o PIB cresce, essa dependência aparece com mais força. Esse setor, exigiria um posicionamento muito firme do governo com políticas de substituição de importações de longo prazo. Uma política de incentivo à criação de oferta nacional, que viesse a substituir dinamicamente as importações no futuro à medida que a economia for crescendo. Há, portanto, necessidade de se fazer uma política industrial forte na área química. Mas uma outra política industrial e não a que está em vigor atualmente. O déficit no setor químico é estrutural e só pode ser mudado com medidas estruturais fortes.

Recentes iniciativas do governo, como a Lei da Inovação e a Lei do Bem, apontam com algum movimento neste sentido de estabelecer mudanças estruturais ou são apenas perfumarias frente ao sério déficit do setor químico?

Precisamos muito mais do que isso. As medidas na área de inovação e desenvolvimento tecnológico são cruciais para o Brasil se manter, pelo menos em alguns nichos, se possível no maior número de nichos, de mercados no exterior. Capacitar nossas empresas, fazer com que invistam mais em inovação, se diferenciem e possam concorrer não com preço, mas com qualidade e real valor agregado. Agora, no caso de alguns setores, como a indústria química, tem que existir uma política forte para organização da cadeia produtiva. E são políticas de oferta, ou seja, articular empresários, empresas nacionais e também estrangeiras para abastecer o mercado interno. E com isso, se a economia crescer, o setor cresce muito mais pela tal elasticidade que citei antes da demanda de produtos químicos, que é muito maior do que um. Uma coisa é um setor cujo PIB cresce 5% e a demanda dos produtos também cresce 5%. Nesse caso, a elasticidade é um. No caso dos produtos químicos, a elasticidade chega a ser o dobro. Fica até difícil atender sem ter uma política que favoreça o lado da oferta e da organização de produtores. São projetos muito caros e de longo prazo, que exigem uma política governamental bem planejada.

Como o capital para investimento é muito caro no Brasil, por conta das altas taxas de juros, não se pode deixar o investimento neste setor à mercê dos interesses de mercado…

Aqui a iniciativa privada é decisiva. Porém, é importante criar condições favoráveis ao investimento. O setor químico é intensivo de capital e no Brasil esse investimento ainda é caro, apesar de ter diminuído. Nós precisávamos pensar mais num processo que diminuísse o custo de capital, organizar a oferta, organizar os produtores, eventualmente, incentivar joint ventures, enfim, há muito espaço para a política industrial. O que é mais importante nesse processo todo é transformar um problema em uma oportunidade de negócios. Então, se falamos que no setor químico quando a economia cresce, a demanda por produtos cresce ainda mais, isso é um potencial maravilhoso para o segmento e para o País. Se nada for feito – e a indústria química é uma forte candidata a isso – o que acontece é um processo de desindustrialização com aumento das importações.

As importações de produtos têm apresentado elevação na integração de valor unitário. Quer dizer: estamos importando produtos com mais valor agregado. Qual o significado disso para o País?

O que o estudo mostra é que os setores que eu considero de menor grau de industrialização, praticamente foram responsáveis por todo crescimento das nossas exportações nesse primeiro semestre. O que significa dizer que os setores mais industrializados praticamente não contribuíram para aumentar as exportações. Isso pode significar que a demanda interna cresceu ou que não estamos competitivos na exportação. Vou dar um exemplo. Um setor que contribuía muito para o dinamismo exportador brasileiro nos últimos três anos era a indústria automobilística. Neste ano, essa contribuição já é negativa. Isso é um sintoma de desindustrialização. Se nossos setores de maior grau de industrialização já não contribuem para aumentar as nossas exportações, amanhã produziremos menos esses bens, investiremos menos e, quem sabe, perderemos esses segmentos para outros países. Na área química isso também aconteceu. Vale lembrar que a tônica do Brasil é ter tradicionalmente suas importações ligadas a bens intermediários, exatamente aqueles bens necessários à produção de outros bens, além de bens de capital e equipamentos. De novo, a importação de nenhum dos dois é ruim, nem a importação de bens de consumo, desde que esteja havendo um equilíbrio e uma competitividade relativa do Brasil com o exterior. No nosso caso, como há um câmbio muito valorizado, acho que está havendo um exagero grande na competitividade pró-exterior de bens de capital e de muitas cadeias de maior valor agregado.

Como poderiam ser ajustados esses rumos macroeconômicos para se atingir um crescimento sustentado, como até vem ocorrendo, porém em taxas comparáveis aos demais grandes países emergentes, como China e Índia?

Não vejo outra solução a não ser ter um ajuste do câmbio. Tem que existir políticas alternativas, pelo menos provisórias. No Brasil, o que funcionou muito em alguns setores foi a desoneração tributária bem aplicada. Por exemplo, na área de informática houve uma redução muito grande do custo de computadores e outros bens de informática por conta da redução de impostos. Explodiu esta indústria no Brasil, com componentes importados, é verdade, porque o governo não fez uma política associada ao fortalecimento da cadeia de produção. Mas onde houve uma atuação, que foi na redução de tributos, houve também uma resposta muito positiva. Então, para incentivar um setor, a redução da carga tributária é muito importante. Além, é claro, de financiamento e da organização dos produtores.

O governo ainda não adotou uma política industrial clara a partir do diagnóstico das oportunidades e uma ação efetiva para organizar a cadeia produtiva em setores estratégicos para o País. Há sinais de que isso será feito?

Sim. Isso é responsabilidade do governo e hoje atravessamos um bom momento, pois a economia está estável e o setor público apresenta uma situação fiscal que não é de dependência absoluta. Especificamente na indústria química, se nada for feito em curto prazo, estaremos definitivamente perdendo oportunidades em alguns segmentos. A boa notícia é que o governo acena com este caminho de articulação através de algumas lideranças importantes. O ministro Guido Mantega é muito preocupado com essa questão e o novo presidente do BNDES, Luciano Coutinho, não é apenas uma pessoa atenta ao problema, mas também viveu tudo isso de perto. Ele tem um profundo conhecimento dos temas abordados nesta entrevista e ocupa uma posição estratégica. Acho que a dupla Luciano Coutinho no BNDES e o ministro Guido Mantega na Fazenda pode significar que chegou o momento de pensar alto na área de política industrial neste País. Além disso, toda a conjuntura favorece o Brasil. Agora, temos que lembrar, que sem um ajuste cambial, nada feito. Na minha opinião, não há política industrial que supere este obstáculo de um câmbio artificialmente supervalorizado.

Júlio Gomes de Almeida
Júlio Gomes de Almeida
Diretor Executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) Júlio Gomes de Almeida, diretor executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), fala sobre os desafios à recuperação da produtividade e da competitividade da indústria brasileira (veja mais na reportagem na pág. 08). Ele analisa que a adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e ao acordo de compras públicas da Organização Mundial do Comércio (OMC) pode trazer vantagens importantes para o comércio exterior, mas, para que isso aconteça, é preciso organizar um ambiente interno favorável à reestruturação da indústria, com a Reforma Tributária, incentivos públicos à inovação e queda no custo dos investimentos.
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