REVISTA FACTO
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Mai-Jun 2007 • ANO I • ISSN 2623-1177
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Juros, câmbio, industrialização e desenvolvimento
//Entrevista Antonio Delfim Netto

Juros, câmbio, industrialização e desenvolvimento

A perda do dinamismo das exportações do Brasil e a diminuição do número das empresas brasileiras exportadoras – em especial das pequenas empresas, não constitui um pernicioso indicativo da sobrevalorização do real?

Não há nenhuma dúvida que a sobrevalorização do real é o fator determinante da redução do número de empresas exportadoras e do abandono do mercado externo por parte de indústrias com forte tradição de investimentos no setor. Significativamente, nesse dia em que respondo às suas questões (29/5/2007) o jornal Valor Econômico traz a triste notícia do fechamento da indústria gaúcha Reichert, de Campo Bom, maior exportadora de calçados femininos do Brasil, fundada em 1935. Depois de lutar nos últimos três anos em desigualdade de condições no mercado externo (para onde vende 100% da produção), vai parar a fabricação em julho e demitir 4 mil trabalhadores de suas 20 unidades. Na mesma edição, uma das mais tradicionais exportadoras paulistas de tecidos e confecções, a Rosset, anuncia a intenção de abrir fábricas na Ásia, pois não se conforma com a perda da capacidade de competir devido ao tríplice castigo da carga tributária, do custo do crédito e por último e, decisivamente, diante da sobrevalorização cambial dos últimos três anos.

Infelizmente não são casos isolados. No setor calçadista paulista, em Franca e no Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul, já se contam 30 mil trabalhadores que perderam seus empregos desde 2005, conforme levantamento da Associação Brasileira da Indústria de Calçados, o que representa 10% da mão-de-obra do setor. Não é muito diferente o que está acontecendo no setor moveleiro, no Paraná ou com as pequenas e médias empresas transformadoras de plástico em São Paulo, com fabricantes de tecidos e peças de vestuário em Santa Catarina que além de desistir da exportação estão com a sobrevivência ameaçada no mercado interno, pela concorrência desleal da importação e do contrabando, sob o guarda-chuva do câmbio.

O governo parece prestar muito pouca atenção às reclamações dos fabricantes de manufaturas. Em certos círculos oficiais até os tratam como chorões e incompetentes. Mas eles precisam ser ouvidos: uma empresa fundada há mais de 70 anos, que desenvolveu tecnologia e procedimentos que lhe permitem competir no mercado norte-americano com fabricantes italianos, canadenses, chineses, não é uma recém-chegada no ramo. Se não desejam ouvir o industrial, os ministros e o próprio Presidente podiam dar audiência ao Prefeito Giovani Batista Felter de Campo Bom e aos demais prefeitos dos municípios gaúchos onde 4 mil trabalhadores vão perder os empregos: “é um nocaute aplicado pela política cambial. Já vínhamos advertindo para a crise há dois ou três anos, mas faltou sensibilidade em Brasília para uma indústria empregadora intensiva de mão-de-obra. Não estou preocupado com a queda da arrecadação, pois os exportadores não pagam ICMS mas sim com a crise social”.

Um dado preocupante é que a evidente melhora da maioria dos indicadores importantes de nossa economia tende a criar um clima de certa euforia nos governantes. Isso os torna menos propensos a se debruçar sobre problemas mais complicados (o câmbio certamente é um deles) ou desagradáveis, como é o caso do desemprego causado pela queda do ritmo das exportações. Especificamente, esta é uma questão que tem sido evitada e a atenção desviada com explicações como a de que “está havendo uma mudança estrutural do nosso comércio exterior” ou tolices como a que a excessiva valorização do real “é o resultado natural de um fenômeno natural”. São sentenças que apenas servem ao objetivo de empurrar para diante o desconforto de tratar de assuntos que hoje parecem contornáveis pela dimensão ou localização (e portanto de repercussão limitada) mas que, com toda a certeza, não eliminam graves conseqüências num futuro próximo. O governo (o presidente e seus ministros) não tem o direito de ignorar os custos sociais futuros e os prejuízos à estrutura produtiva nacional que estão sendo impostos, desde agora, pela sobrevalorização cambial sustentada pelas altas taxas de juros, as maiores do mundo em termos reais.

O Brasil, com sua enorme extensão territorial, volume populacional adequado ao tamanho do território, com recursos naturais abundantes, não teria na sua industrialização interna o componente fundamental para uma efetiva política de desenvolvimento econômico e social?

O desenvolvimento brasileiro tem tudo a ver com a construção de um parque industrial que é ao mesmo tempo agente e paciente do crescimento de um mercado consumidor interno. A questão obviamente não se coloca em termos de alternativa “mercado interno ou mercado externo”, pois a expansão industrial e sua modernização tem no comércio exterior uma extraordinária alavanca. É fácil verificar que os períodos de crescimento mais robusto da economia brasileira se explicam pela forte expansão da produção industrial e pelo mais rápido crescimento das exportações de manufaturados. Graças a esta participação nos mercados externos a indústria avançou no processo de modernização e hoje o Brasil dispõe de uma estrutura industrial de nível superior ao da maioria dos países chamados de “emergentes” ou de renda semelhante à nossa. Se observarmos a trajetória de baixo índice de crescimento do PIB brasileiro nos últimos 20 ou 25 anos (com pequenas intersecções positivas), ela também se explica no movimento de queda do ritmo da produção industrial e das exportações.

As baixas taxas de juros oferecidas no exterior, em contraposição ao elevado nível de tais taxas no Brasil, em cenário de real apreciado, não induzem fortemente as importações e as aplicações financeiras, em prejuízo da industrialização doméstica?

Há uma visível melhora nas condições para o mais rápido crescimento de nossa economia. O PIB brasileiro deve crescer 4,5% ou um pouco mais em 2007, superando depois de muitos anos a taxa média de expansão do PIB mundial. A inflação está sob controle e, melhor, as projeções da inflação apontam para níveis ainda mais baixos no médio prazo, de modo que é perfeitamente razoável esperar a queda sucessiva e mais substancial das taxas de juros, sem exageros, nos próximos meses. Isso cria um ambiente favorável aos investimentos e com certeza melhora as expectativas para uma mais rápida correção do atual desequilíbrio cambial. Na medida em que o aumento das importações se destina a investimentos na produção ela é duplamente benéfica pois ainda ajuda a melhorar o câmbio para os exportadores. Infelizmente essas correções são lentas e não chegarão a tempo de salvar muitas empresas sadias naqueles setores de mão-de-obra intensiva.

A sobrevalorização do real constitui um fenômeno natural, decorrente de causas naturais como o superávit na conta corrente e no balanço comercial – como dizem certos economistas, ou resulta basicamente de uma política monetária expressa por um diferencial nas taxas de juros, internas e externas, que penaliza a produção local?

A sobrevalorização do real não decorre de nenhum “fenômeno natural” nem de causas “estruturais” que são apenas enunciadas mas jamais explicitadas por economistas que se julgam portadores de alguma ciência que só eles dominam. O real deveria mesmo valorizar-se como aconteceu com todas as outras moedas do mundo, porque elas refletem a imagem no espelho da desvalorização do dólar americano. Já a “super” valorização é mesmo resultado do diferencial entre as taxas de juros interna e externa que oferece a oportunidade de ganhos, sem risco, aos aplicadores dos mercados financeiros internacionais. Essas aplicações não acrescentam fisicamente nada à produção nacional, nem contribuem para a construção do mercado interno. Elas apenas transformaram o real na commodity mais desejada pelo mercado graças aos lucros de arbitragem gerados pelo enorme diferencial de juros num ambiente financeiro altamente sofisticado como o brasileiro.

Uma redução mais vigorosa e acelerada na taxa de juros, não contribuiria para trazer o real a um ponto de nivelamento mais adequado às necessidades do País, assim propiciando investimentos competitivos pela indústria local?

O Banco Central não precisa cometer nenhum exagero nem se deve imaginar que é a política monetária sozinha que vai resolver os problemas que travam a aceleração do crescimento. Ele deve, contudo deixar claro que abandonou o excesso de conservadorismo ditado pelos personagens “linha-dura” do Copom e começar a baixar mais rapidamente e com mais consistência a taxa básica, aproveitando a conjuntura benigna que se apresenta tanto interna como externamente na economia. O governo pode ajudar a queda dos juros futuros agindo pelo lado fiscal, com o corte do excesso de suas despesas correntes.

Seria suportável o risco de alta da inflação que poderia decorrer de um corte mais forte na taxa da Selic?

Não vejo nenhum risco em levar a Selic nominal para um nível de 6,5% ou 7% anuais no médio prazo. Este patamar nada mais é do que a soma dos juros pagos pelos “bonds” do Tesouro americano mais o risco-país que ronda os 140 pontos-base. Se não baixar os juros agora, quando a inflação está confortável em relação à meta, o câmbio bem valorizado, o consumo não pressiona os índices de preços e o País é favorecido pela imensa liquidez internacional, quando é que isso vai finalmente ocorrer? Vai esperar o quê, mais?

O que inibe os formuladores de nossa política monetária a operarem de forma mais agressiva em favor do processo de industrialização do País?

O que inibiu até agora é o que eu chamo de um problema de natureza quase ideológica, uma espécie de crença de que existia uma barreira científica ao crescimento mais acelerado da economia brasileira, uma limitação dada pela impossibilidade de ultrapassar um tal “produto potencial”… Quem ainda se lembra disso? Quem ainda se lembra que o PIB brasileiro não podia crescer mais do que 3,5% no ano, sob pena de se perder o controle da meta inflacionária? Essa falsa barreira, uma espécie de ícone inventado nos mercados financeiros e entronizado pelo Copom durante 30 meses, foi simplesmente deletado pelo crescimento da economia real e não se fala mais nisso!

Uma política econômica que mantém afastada do mercado de trabalho 10% da população economicamente ativa pode ser considerada boa? Qual o custo econômico de uma tamanha massa de desempregados, a maior parte dos quais se encontra entre os 18 e os 25 anos?

Essa política econômica (ou ausência de algo digno do nome), que adotou o viés anticrescimento após a conquista da estabilização, só começou a ser alterada no atual governo quando o presidente Lula trouxe de volta a agenda do desenvolvimento para o centro das atenções nacionais. Aos poucos ele convenceu as pessoas que é possível acelerar o crescimento neste seu segundo mandato. Ainda se percebe a resistência estimulada por pessoas que se intitulam a si mesmas de “cientistas sociais”, com bons acessos na mídia, que se recusam a aceitar a idéia que o governo Lula colocou na agenda, sucessivamente: 1. um programa de diminuição das desigualdades e redução da pobreza absoluta; 2. um programa de aceleração do crescimento que trouxe de volta a crença no desenvolvimento; e 3. os verdadeiros problemas que explicam a precariedade do ensino fundamental público.

Estes pontos da agenda vêm sendo desenvolvidos com respeito pleno à política fiscal, outro fator de desconfiança totalmente eliminado. Eles respondem pelo clima favorável que tomou conta da economia e vem reacendendo o espírito empreendedor dos brasileiros que voltaram a acreditar na retomada do desenvolvimento, após praticamente uma geração sem conhecê-lo. Só o crescimento acelerado permitirá alterar o dramático quadro do mercado de trabalho, recriando as condições de acesso ao emprego daqueles que foram excluídos e para os mais jovens que desejam uma vida digna, respondendo pelo próprio sustento.

Antonio Delfim Netto
Antonio Delfim Netto
Professor emérito da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo - FEA/USP. Ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento. Foi Deputado Federal por cinco legislaturas (1986-2006). Presidiu a subcomissão de Ordem Econômica da Assembleia Nacional Constituinte.
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