REVISTA FACTO
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Mai-Jun 2007 • ANO I • ISSN 2623-1177
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//Artigo

Insegurança jurídica: um obstáculo à inovação nas empresas

Burocracia excessiva e falta de entendimento entre órgãos públicos sobre a aplicação de leis recentes retardam a criação de uma cultura empresarial de inovação tecnológica.

As dificuldades para a implantação de novos instrumentos de apoio à inovação tecnológica no País têm sido inúmeras, pondo em risco, até mesmo, a eficácia da atual legislação. As críticas mais freqüentes de empresários que tentam lançar mão desses instrumentos são relacionadas à ambigüidade da legislação em relação à Lei de Licitações, ao desconhecimento da nova legislação pró-inovação pelos órgãos de controle e ao receio dos agentes públicos de adotarem normas inovadoras ainda sem jurisprudência firmada.

O Brasil precisa dobrar seus investimentos em P&D nos próximos anos. O acirramento da competição internacional evidencia a necessidade de intensificarmos os esforços de desenvolvimento tecnológico e diferenciação de produtos para garantir uma participação crescente no mercado mundial. A indústria brasileira tem ampliado suas atividades de pesquisa e desenvolvimento, mas o ritmo de crescimento dos investimentos privados ainda é insuficiente para inserir nossas empresas nos mercados mais dinâmicos em termos tecnológicos.

Conflitos e inércia

O apoio do setor público é, portanto, fundamental. O II Congresso Brasileiro de Inovação na Indústria, realizado em São Paulo no final de abril, mostrou, por meio do debate entre especialistas e empresários, que a política de inovação no Brasil ainda tem um caráter mais discursivo do que prático. Muitos avanços foram registrados, em especial nos marcos regulatórios de incentivos à P&D empresarial e na definição de setores estratégicos. Porém, os mecanismos de apoio ainda não produziram os resultados esperados. Segundo Cássio Borges, gerente executivo jurídico do Sistema Indústria-CNI, a inovação é um dever do Estado presente na constituição. “Desenvolver o sistema produtivo nacional e regional traz como conseqüência o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País.”

O arcabouço legal sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica visa estimular e apoiar a constituição de alianças estratégicas e o desenvolvimento de projetos de cooperação. Ele determina, em síntese, que Estado, empresas nacionais, instituições científicas e tecnológicas (ICTs) e, ainda, organizações de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa e desenvolvimento, que objetivem a geração de produtos e processos inovadores, devem trabalhar em conjunto. As alterações realizadas mais recentemente na legislação levaram em conta um diagnóstico consolidado nos últimos anos que apontava a dificuldade das instituições públicas de incentivarem efetivamente a inovação com as restrições impostas pela Lei de Licitações (nº 8.666/93) e pelo Regime Jurídico Único (RJU).

As principais dificuldades, porém, persistem. São vários os conflitos entre a legislação de incentivo (Lei da Inovação, Lei do Bem e outras) e a Lei de Licitações, bem como as práticas inadequadas de controle: divergências de interpretação na aplicação da Lei de Licitações em casos de recursos repassados por convênios cuja origem sejam os fundos setoriais, e na aplicação dessa mesma lei nos casos de licenciamento com exclusividade de propriedade intelectual, como previsto na Lei de Inovação; foco exclusivo no controle financeiro de despesas e conseqüente ausência de uma avaliação dos resultados obtidos com o repasse de recursos públicos; e inadequação do modelo de cooperação intergovernamental, que deveria enfatizar a cooperação técnica em detrimento da cooperação financeira.

No que diz respeito à contratação de pesquisa com o setor privado, há uma lacuna na legislação sobre as condições em que ela deve ser feita, deixando indefinidos pontos referentes à dispensa ou inexigibilidade de certos itens. A preferência por determinadas empresas nas contratações governamentais não está respaldada numa definição clara das condições, conteúdo e evidências que justificariam tal preferência, o que abre espaço para se interpretar como favorecimento uma contratação realizada com base em critérios técnicos. Essa indefinição atinge especialmente empreendimentos de parceria entre centros de pesquisa de universidades públicas e a iniciativa privada.

Conflitos existentes também entre as normas de incentivo e a Lei de Finanças Públicas (nº 4320/64) geram impasses, por exemplo, em torno da subvenção criada pela Lei de Inovação, que, segundo a interpretação vigente, só pode ser utilizada para financiar despesas de custeio das empresas. Dúvidas sobre diferentes aspectos jurídicos e operacionais dessas normas de incentivos estão presentes nos mais variados temas, tais como: remuneração dos pesquisadores, exigência de edital para licenciamento de patentes, questões de biossegurança e biodiversidade, incompatibilidades entre licitação e licenciamento de tecnologia e afastamento do servidor para constituir empresa de base tecnológica.

É preciso estabilizar o marco regulatório, regulamentando os dispositivos mais recentes naquilo em que suscitarem conflitos de interpretação, mas também instando os órgãos de controle e fiscalização a se atualizarem quanto à aplicação desses instrumentos, alguns dos quais inclusive foram concebidos como auto-aplicáveis. Uma nova e ampla visão de parceria público-privada foi concebida pelas novas leis e sua concretização deve ser estimulada em todas as instâncias da máquina pública, por meio de uma integração de fato entre os ministérios envolvidos na questão da inovação (Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Minas e Energia e Saúde); entre esses ministérios e os órgãos de controle (TCU, CGU e Receita Federal) e acompanhamento jurídico (AGU); e, finalmente, entre todo o aparelho estatal e o setor produtivo.

O fato é que o Brasil precisa remover rapidamente os obstáculos ligados à rigidez burocrática se quiser acompanhar o ritmo da economia global e ocupar um lugar de destaque no comércio internacional. Por mais exaustivo e infrutífero que possa parecer esse esforço, é necessário intensificar os vínculos entre empresariado, academia e governo para eliminar as barreiras à inovação tecnológica no País, em especial aquelas que atingem as empresas. Segundo Marli dos Santos, da PUC-RS e Fortec (órgão de representação das instâncias acadêmicas de gerenciamento de políticas de inovação e atividades relacionadas à propriedade intelectual), “enquanto no mundo se acelera o ritmo de geração de novos conhecimentos – confirmando que a revolução tecnológica iniciada nas últimas décadas do século passado ainda se encontra em franco desenvolvimento – no Brasil tanto o meio empresarial como as autoridades governamentais, apesar da retórica em contrário, não demonstram atribuir muita importância à inovação baseada em conhecimento como uma das principais fontes de competitividade global”.

Uma nova cultura

Somente através da harmonização dos regulamentos vigentes e da cooperação entre agentes será factível aumentar a segurança jurídica dos atores do processo de inovação. Muitos aspectos essenciais sobre a compreensão das normas e regulamentos ainda geram dúvidas entre as empresas e desestimulam a adoção de práticas inovadoras. A AGU e a CGU devem exercer sua função institucional de uniformizar o entendimento das leis, minimizando impasses e coordenando a atividade interpretativa de acordo com as políticas públicas governamentais, o que evitaria a judicialização dos conflitos e, em conseqüência, reduziria o risco jurídico associado à inovação. Além disso, a criação de uma cultura de valorização da inovação, por meio da divulgação dos instrumentos e mecanismos de incentivo e também da capacitação dos diversos atores envolvidos no processo, também contribuiria para uma melhor eficácia do sistema.

Surpresas na esfera legislativa e alterações freqüentes na interpretação dada a determinada norma pelos órgãos administrativos ou judiciais responsáveis por sua aplicação devem ser evitadas a todo custo, de acordo com Lucia Melo, presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). “No Brasil há, inegavelmente, conflitos de legislação no ambiente da inovação e a agenda a ser enfrentada é ampla. Existe um vazio de estudos e análises sobre o tema, sendo necessárias a construção de uma nova cultura e a renovação do marco legal.”

A segurança jurídica, essencial à realização da justiça material e ao comportamento positivo da administração pública na tutela da confiança dos cidadãos e organizações, é condição do Estado democrático de direito. No entanto, ela se torna mais difícil de alcançar quando uma lei inova nos seus pressupostos de aplicação. É o que ocorre com a Lei da Inovação, que propõe, nas entrelinhas, um choque de gestão nos processos de fomento estatal e no financiamento à pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Trata-se de uma lei desburocratizante, que reúne dispositivos fáceis de aplicar, e que talvez por isto mesmo instigue conflitos com complicadas leis e normas já consolidadas.

Um grande desafio para o governo é superar o engessamento associado a interpretações demasiado ortodoxas das regras do direito administrativo tradicional e difundir a cultura da inovação em todos os escalões da administração pública. Para que isso ocorra, é necessário “instituir novas hipóteses de dispensa de licitação, criar mecanismos inovadores de condução de procedimentos de contratação (seleção pública de propostas) e manter preceitos básicos da legalidade, impessoalidade e moralidade” – afirma Lucia Melo. Em sua opinião, as alternativas institucionais que poderão garantir a flexibilidade necessária à difusão de uma cultura da inovação não foram ainda assimiladas. “Falta uma melhor compreensão sobre o papel das organizações sociais: o mito de que o setor público perde seu poder ao delegar funções a essas organizações não considera que são delegadas apenas as funções públicas, e não as estatais, e que toda relação é balizada por um contrato de gestão”- explica.

No que tange às instâncias de controle do aparelho estatal, uma contribuição significativa dos órgãos competentes seria infletir a tendência dominante das auditorias de insumos e procedimentos de forma a privilegiar auditorias de resultados. Isto exige um ajuste fino dos procedimentos normativos. “O diálogo com os organismos de controle, inclusive com a Receita Federal e a Controladoria Geral da União, deve prosseguir” – insiste Lucia Melo.

A presidente do CGEE acredita que já está em curso no País a formação de um novo entendimento legal sobre a importância da parceria público-privada para a aceleração do progresso técnico. Porém, há obstáculos também na esfera do Poder Judiciário. Ela atenta para o fato de que “as divergências entre leis e o emaranhado observado entre as normas existentes e as novidades trazidas pela Lei da Inovação ainda não foram objeto de reflexão e jurisprudência no Judiciário e no TCU, o que se torna urgente e imperativo. O direito administrativo com ênfase na formalidade predomina sobre o de resultados, o que é mortal para a inovação” – conclui.

Para destravar a máquina

A inovação é um processo complexo, que envolve múltiplas etapas, requer competências variadas e complementares e demanda aportes de conhecimento distintos (intelectual, ambiental, estrutural e de relacionamento). Segundo Ângela Uller, diretora da Coppe/UFRJ, um dos maiores problemas na abordagem da inovação, seja para o estabelecimento de políticas públicas seja para a gestão de empresas, é o correto entendimento sobre sua definição. A geração de idéias ou invenções depende de talento individual combinado com cultura organizacional. “O capital intelectual é o ativo mais importante para uma empresa inovadora. Entretanto, embora a empresa possa usá-lo, ele não lhe pertence. O conhecimento pertence às pessoas e cabe à empresa gerenciá-lo. A cultura organizacional para a inovação deve começar pelo presidente da empresa” – afirma.

Segundo a diretora da Coppe, todo processo de inovação depende de uma estrutura que conecte algumas competências essenciais. É necessário reunir geradores de idéias, empreendedores, líderes ou gestores de projetos, gatekeepers e apoiadores. Ângela Uller acredita na importância, para uma cultura da inovação, da formação de pesquisadores através de mestrados profissionais, mestrados em ciências, doutorados e MBAs, mas também enfatiza a importância da graduação universitária e da educação básica para a solidez desse processo. “É preciso conceber o conhecimento como ativo intangível e a inovação como item de avaliação e diálogo com os agentes do desenvolvimento” – explica. Na educação básica, ela diz ser fundamental “a formação de professores de ciências, programas de divulgação e popularização da ciência, olimpíadas científicas e prêmios para jovens inovadores”.

Já o diretor da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec), Roberto Nicolsky, está mais preocupado com os mecanismos governamentais capazes de fomentar a inovação incremental de produtos e processos “em chão de fábrica”, que é onde o conhecimento se traduz em valor agregado. Em sua opinião, ações nessa direção “requerem uma coragem e uma ousadia em termos de políticas públicas – como, por exemplo, no compartilhamento do risco tecnológico entre empresa e Estado – que os últimos governos brasileiros não têm apresentado. Isto exige uma definição de política de governo, e não de um particular ministério. Exige a mobilização de todos os agentes da produção e da inovação: Agricultura, BNDES, Ciência e Tecnologia, Defesa, Desenvolvimento e Indústria, Educação, Minas e Energia, Saúde, Transportes etc.”

Recursos para destravar a máquina e dar partida a uma corrida da inovação no País existem, pois, segundo o diretor da Protec, “a arrecadação para os Fundos Setoriais de apoio ao desenvolvimento tecnológico atinge R$ 2 bilhões por ano e há uma reserva de contingência com mais de R$ 5 bilhões acumulados. Tais recursos são suficientes para o choque de inovação incremental que a indústria de transformação e os serviços qualificados precisam para competir internamente e na exportação”, conclui.

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