REVISTA FACTO
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Mar-Abr 2007 • ANO I • ISSN 2623-1177
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Globalização e crescimento econômico
//Entrevista Carlos Aguiar de Medeiros

Globalização e crescimento econômico

Ao tomar posse para seu segundo mandato, o Presidente da República declarou ao País que, após ter assegurado a estabilidade macroeconômica em seu primeiro governo, passaria agora a tratar prioritariamente da retomada do desenvolvimento econômico. Manter a estabilidade econômica e, ao mesmo tempo, colocar o Brasil num patamar de desenvolvimento econômico compatível com suas potencialidades eis o desafio a ser enfrentado por todos dirigentes deste país. Nesse cenário procuramos ouvir o Prof. Carlos Aguiar Medeiros.

O processo de globalização da economia vem impondo ao mundo uma divisão cada vez mais assimétrica e injusta da riqueza, impulsionado pela clara posição hegemônica dos EUA em matéria tecnológica e a conseqüente liderança na produção de bens de alto valor agregado. Há esperanças de uma evolução desse processo em direção a uma mais equânime distribuição dos frutos da atividade econômica?

Quer sob a liderança dos EUA (tanto no período do pós-guerra quer no período recente), quer sob a liderança da Inglaterra que se afirmou no séc. XIX, a história revela que a tendência da economia globalizada foi a de aprofundamento da divergência do grau de desenvolvimento entre as nações. Ou seja, não se afirmou a partir da expansão dos fluxos de comércio e de investimento um desenvolvimento nacional espontâneo; o desenvolvimento econômico e a redução das distancia tecnológicas e sociais entre países ocorreu de forma limitada e restrita aqueles que puderam e souberam aproveitar oportunidades internas e externas explorando-as a partir de projetos nacionais abrangentes. Recentemente nós estamos testemunhando com a China mais um destes casos de crescimento extraordinário. Sob a liderança do estado, que soube até o momento dirigir uma trajetória controlada de transição de uma economia centralmente planejada, a economia e a sociedade chinesas vêm passando por uma mudança estrutural profunda. Assim, não há qualquer fatalismo que impeça a afirmação de projetos nacionais num mundo globalizado.

À semelhança da China e Índia, o Brasil possui vasto território, amplos recursos naturais e mercado interno de expressivo valor. Porque nosso crescimento é tão distanciado daquelas nações também emergentes?

O Brasil cresceu entre 1950 e 1980 a um ritmo asiático. Este crescimento foi também liderado pelo estado e subordinou-se a um projeto abrangente de desenvolvimento. Entretanto, desde a crise da dívida externa dos anos 80 passando pelos anos de abertura, desregulação e privatização dos anos 90 o Brasil desmontou aquele projeto e a sua máquina de crescimento sem construir uma nova máquina. A suposição era de que a crise decorria dos anos desenvolvimentistas e da política industrial praticada, um novo modelo deveria ser construído a ser liderado pelo investimento privado, e em particular pelo capital estrangeiro portador de novas tecnologias. Houve um grande equívoco não apenas em relação ao entendimento da história da industrialização brasileira, mas também em relação aos casos bem sucedidos de desenvolvimento. Ao longo dos anos 90 praticou-se uma política econômica baseada na contração dos gastos públicos, em particular dos investimentos públicos, e uma política monetária que elevou a taxa de juros real para níveis extraordinários. Desmontou-se a política industrial e deixou-se a taxa de cambio valorizar-se excessivamente. No último governo manteve-se no fundamental este mesmo regime macroeconômico. Nenhum país bem sucedido praticou este regime macroeconômico.

Se a industrialização de qualquer país constitui requisito indissociável para seu desenvolvimento autônomo, porque no Brasil são usadas taxas tão apreciadas do real que resultam no fechamento de amplos setores da indústria de transformação, como química, calçados, têxteis, etc.?

A taxa de cambio apreciada resulta da política monetária baseada em metas de inflação muito baixas. Como os preços internos são fortemente influenciados pela taxa de cambio, a valorização desta significa a desinflação da economia. A subordinação da taxa de cambio a um único critério – o controle de pressões inflacionárias – traduz a perda de importância da política industrial e de desenvolvimento e a hipertrofia da política econômica voltada exclusivamente para a estabilidade de preços. É possível utilizar outros mecanismos de controle de pressões inflacionárias liberando, ao menos parcialmente a política da taxa de juros e de cambio de exercerem esta função, mas isto requer uma política econômica mais abrangente e voltada para o emprego. É necessário, entretanto observar que a política industrial não se resume a uma taxa real de cambio competitiva. Desvalorizações no cambio real são difíceis de se obter devido ao efeito que as desvalorizações nominais provocam sobre os preços e, em particular sobre os salários. Assim, embora exista espaço nos dias de hoje para uma política de desvalorização do cambio através da política monetária, uma política industrial seletiva pode e deve se exercer através de instrumentos específicos. Estes instrumentos, entretanto não podem dar resultado se a política econômica lhe for hostil. Em particular, o que vem travando as modestas ações da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (instituída em 2003) tem sido a combinação da política fiscal contracionista e a política monetária.

Tem-se argumentado que uma aceleração na redução da taxa Selic, reduzindo a atratividade para capitais externos especulativos, teria efeitos no câmbio pela redução na entrada de capitais. Além disso, não haveria espaço para algum tipo de desestímulo a capitais especulativos, como os que o Chile adotou, por exemplo?

O controle dos fluxos de capitais é uma necessidade permanente em países de moedas não conversíveis como é o caso do Brasil. Este pode ser exercido de múltiplas formas mas as mais bem sucedidas foram as que regularam os fluxos de entrada. Ao contrário dos anos 90 quando  a balança comercial era deficitária e a conta de capitais fortemente superavitária, hoje o fluxo principal de divisas advém das exportações líquidas e dado a apreciação cambial o governo tem estimulado a saída de capitais. Mas nada assegura que esta fase irá perdurar, a qualquer soluço é possível que a taxa selic deixe de cair ou suba, por outro lado, basta que a taxa do FED caia para que a atração exercida pelo diferencial dos juros traga novos fluxos financeiros. Deste modo é evidente que existe hoje ampla oportunidade para uma regulação nesta área.

O Brasil sempre se inseriu nos mercados mundiais como um produtor de bens primários ou semi-manufaturados, afastado da produção de bens que incorporassem tecnologias de fronteira. Com nosso imenso patrimônio genético, a era da biotecnologia não nos oferece uma grande oportunidade para um salto à frente?

Estas oportunidades dependem de esforços concentrados em P&D que no Brasil historicamente concentraram-se nas universidades públicas, institutos de pesquisa e laboratórios de algumas empresas estatais. O Brasil possui um pool de cientistas e pesquisadores de excelente qualidade. Quando estes recursos puderam defender-se das restrições fiscais, como por exemplo, foi o caso da FAPESP, os resultados foram muito bons, como evidenciados no projeto do genoma; a qualidade dos trabalhos da Embrapa revela que a restrição não está no conhecimento.

Mas não lhe parece que o Brasil levou tempo demais incentivando apenas a pesquisa científica nas universidades e institutos de pesquisa, a geração de conhecimento per se, e se esqueceu de incentivar também a inovação (aplicação do conhecimento) para gerar novos produtos e processos – o que só acontece nas empresas?

O que se passou historicamente no Brasil foi que o setor privado não tinha na inovação o mecanismo central de concorrência  ficando esta confinada aos espaços públicos, universidades e empresas estatais. Em parte esta realidade resultava da própria estrutura patrimonial do setor privado caracterizado por elevada presença de firmas multinacionais que  concentram seus esforços de pesquisa nos países centrais. E em parte resultava dos mecanismos de proteção, baixo custo de mão de obra e expansão horizontal do mercado interno que garantia alta lucratividade as empresas nacionais. Com a abertura, a situação piorou na medida em que a importação de máquinas e equipamentos (intensivas em inovação) substituiu a produção local. Nos países asiáticos o esforço inovador das empresas nacionais resultou de dois vetores principais, ambos inexistentes no Brasil: o desafio de conquistar  mercado externo em atividades não intensivas em recursos naturais; a pressão do governo, como por exemplo, ocorre na China, para que as empresas estrangeiras transfiram sob a forma de joint-ventures tecnologia. No caso dos EUA, a revolução na tecnologia de informação baseou-se imensamente na capacidade dos cientistas e pesquisadores beneficiados por amplos contratos com governo transferirem seus conhecimentos para novas empresas que se beneficiaram amplamente de um dinâmico sistema financeiro americano e das políticas de compras governamentais. No caso brasileiro, a recente Lei da Inovação debate-se como qualquer outra iniciativa nas restrições fiscais e no declínio dos investimentos públicos. O setor privado tem aproveitado as oportunidades através de cortes de custo e importação de máquinas aumento a eficiência mas sem inovações significativas. É evidente que existem grandes possibilidades em muitas áreas, (como por exemplo em softwares), mas é evidente que a política industrial deve ser mais abrangente não apenas nos subsídios mas também no controle dos resultados.

Para concluir, não lhe parece que o Brasil está carente de um Projeto Estratégico, atribuindo ao Estado Nacional um papel bem mais ativo para corrigir deficiências ou desvios de uma economia globalizada somente orientada pelo mercado?

A questão central é que a inserção histórica do país na divisão internacional de trabalho a partir da especialização em produtos primários e de baixo conteúdo tecnológico cria de tempos em tempos (quando os termos de troca são favoráveis e o financiamento internacional é abundante) a ilusão de que é possível desenvolver-se através da exploração das vantagens comparativas. Desperdiçam-se em tempos de abundancia de divisas oportunidades que permitam mudar progressivamente as especializações e criar novas vantagens na produção dos bens e serviços que mais se expandem na economia mundial e que demandam maiores inovações. A substituição de importações e a promoção de exportações, estratégias complementares (e não opostas) constituíram no Brasil e nos países dinâmicos da Ásia o projeto estratégico que ao lado da modernização da infra-estrutura (física, científica e humana) estiveram na base de trajetórias de alto crescimento econômico. 

Carlos Aguiar de Medeiros
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