REVISTA FACTO
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Set-Out 2006 • ANO I • ISSN 2623-1177
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Produtividade é a saída para o crescimento
//Entrevista David Kupfer

Produtividade é a saída para o crescimento

Juros altos, câmbio apreciado, burocracia. Este trinômio, para a maioria dos setores industriais e uma boa parte dos analistas econômicos, responde hoje pelas principais dificuldades de retomada do desenvolvimento brasileiro. Embora concorde em parte com esse diagnóstico, o professor de Economia David Kupfer, do IE/UFRJ, tem uma outra visão do problema. Pragmático, acredita que as atuais políticas de juros e câmbio são muito equivocadas mas um dado da realidade e que a burocracia, em muitos casos, “ocorre em conseqüência de necessidades reais de controle social, mas que ainda não sabemos fazer direito”. Coordenador de um grupo de pesquisa em Indústria e Competitividade, no IE/UFRJ, e autor do livro Made in Brazil: desafios competitivos para a indústria brasileira, ganhador de um Prêmio Jabuti, Kupfer está convencido de que a saída para as dificuldades da indústria será um salto de produtividade, especialmente entre a imensa maioria das empresas de pequeno porte, com relações capital-trabalho mal estabelecidas e relegadas à informalidade.

Agora que a situação macroeconômica brasileira apresenta condições bem melhores que as de quatro anos atrás, o que deve ser feito em termos de política industrial?

A situação macroeconômica de fato está melhor do que há quatro ou cinco anos, quando o atual governo ainda disputava as eleições e estava definindo o seu programa de trabalho. Mas ela está melhor no plano da estabilidade da economia e de certos fundamentos macroeconômicos. Houve, por exemplo, uma melhora importante em todos os indicadores macroeconômicos. Por outro lado, o quadro é diferente do que se imaginava para um contexto de maior estabilidade. Temos ainda uma taxa de juros muito alta, embora declinante, e isso é um problema concreto para as atividades que requerem investimentos; e fundamentalmente temos uma taxa de câmbio em posição errada. Eu e a maioria dos analistas estamos convencidos de que a valorização cambial será um fenômeno duradouro, pelo menos de médio prazo.

Haveria um cenário alternativo?

O cenário alternativo seria algum tipo de desvalorização traumática – não-desejável, portanto. Isto significa que toda a reflexão que deu substância à política industrial está um pouco fora de foco, porque ela concebia uma economia com taxas de câmbio radicalmente diferentes do que vemos agora. Penso que o governo, ao ter identificado como áreas prioritárias setores de elevado conteúdo tecnológico, vai encontrar uma dificuldade maior para realizar a política industrial. Isto porque esses setores, com o câmbio atual, estão menos competitivos ainda do que no passado e, ao contrário, neles a atratividade das importações está muito alta. Estamos frente a uma conjuntura de custos muito altos para a implantação de uma política de desenvolvimento desses setores, considerando que a alternativa da importação tem sido mais eficiente e mais rentável para a atividade industrial. Isto, me parece, vai exigir uma reflexão que não está sendo feita ainda, ou pelo menos não está sendo feita levando em consideração os instrumentos que serão necessários para colocar a atual política industrial em prática.

Agora que a economia brasileira vem apresentando superávits comerciais constantes e uma redução acentuada da dívida externa, não estaria na hora de sermos mais seletivos em relação ao ingresso de capitais, premiando os investimentos em atividades produtivas e desestimulando os capitais voláteis?

Sim, é correta a proposta de uma maior racionalidade nas medidas de controle de capitais que visem unicamente ao financiamento das contas externas brasileiras. De fato, com as exportações progredindo na velocidade em que estão neste momento, o ingresso de capitais já não é tão premente para o fechamento do balanço de pagamentos. Temos uma situação de superávit bastante confortável, dívida externa equacionada e, portanto, a excessiva abertura ao capital estrangeiro como diretriz geral da política de absorção de capitais não é mais necessária. Mas justamente porque a situação externa do País é bastante positiva atualmente, a entrada de capitais já não promove, com a mesma intensidade do passado, efeitos que alguns podem considerar indesejáveis.

Mas um maior controle não nos traria benefícios?

O que poderia acontecer num contexto de restrição à entrada de capitais? Talvez a taxa de juros caísse mais rapidamente. Mas eu não acredito que nosso problema hoje seja a velocidade da queda da taxa de juros: o problema é conseguir escapar dessa tendência de manutenção do câmbio num nível muito baixo e dos impactos inflacionários que a tentativa de mexer no câmbio poderia trazer. Ao longo da década de 90 o controle de capitais teria sido muito importante. Agora ele continuaria sendo algo meritório porque favoreceria o ajuste necessário, mas já não é tão decisivo quanto foi. Mal ou bem, conseguimos sobreviver ao regime de atração de capitais especulativos que vigorou e vem vigorando neste período.

Parece haver um consenso generalizado em relação à necessidade de se recuperar e ampliar a infra-estrutura nacional, energia, portos, estradas etc. Mas, sabidamente, esses investimentos têm taxas de retorno muito baixas. Como financiá-los com as taxas de juros praticadas hoje no País?

De fato, a taxa de juros no Brasil é muito alta e os investimentos em infra-estrutura têm prazos de retorno muito longos, sendo em geral incompatíveis com o padrão que a Selic impõe no Brasil. Mas não existe somente uma taxa de juros, isto é bastante evidente. Existe uma estrutura de taxas de juros, e não necessariamente a taxa de referência para calcular a atratividade em investimentos em infra-estrutura deve ser a Selic. Entendo que se pode construir engenharias financeiras visando exatamente viabilizar investimentos em infra-estrutura com tempo de retorno mais longo e taxas de retorno menores. Essas alternativas, no entanto, dependem de vontade política e de alguma capacidade de definir modelos realistas de financiamento da expansão da infra-estrutura.

Como, por exemplo?

Um exemplo neste caso que nos ocorre imediatamente é a questão das PPPs. A PPP é um conceito de parceria público-privada, mas enquanto for apenas um conceito não vai sair do papel, ou vai encontrar muita dificuldade para se concretizar. Se esperarmos que o capital privado promova PPPs apenas por promover, isto não irá acontecer. O capital privado só vai buscar parceria se encontrar oportunidades lucrativas. Então, necessariamente a modelagem financeira tem que ser atrativa. Nesse sentido é possível utilizar fundos com taxas de juros internacionais, enfim, manejar o conjunto de instrumentos financeiros disponíveis e eventualmente recorrer a mais inovações financeiras. Ou seja, definir novos instrumentos financeiros que viabilizem esses investimentos.

Quais seriam os parâmetros para embasar essa definição?

O que interessa é que eles sejam economicamente justificados. Se eu imaginar que vou financiar uma estrada com taxa de juros de 14% nominal, 10% real, e quiser que o pedágio gere os recursos para pagar este financiamento, não terei movimento nessa estrada, porque o custo do pedágio será tão alto que vai inviabilizar o uso da estrada para o escoamento de qualquer produção. Esta equação tem que ser invertida, isto é, a infra-estrutura realmente necessária deve ter uma escala de utilização que permita viabilizar essas alternativas financeiras. Em suma, não é a alta taxa de juros que vai impedir a expansão da infra-estrutura. São outros problemas de várias naturezas que estão afetando a expansão da infra-estrutura no Brasil – problemas de natureza regulatória, de encontrar modelos de financiamentos adequados e com instrumentos financeiros adequados para esse tipo de aplicação.

Juros, câmbio, infra-estrutura têm sido os mais citados óbices ao desenvolvimento nacional. O que dizer do excesso de regulação, burocrática e ineficiente? Seria chegado o momento de um amplo movimento de desregulamentação inteligente?

De todos os pontos mencionados como óbices ao desenvolvimento – juros, câmbio, infra-estrutura e regulação – o último é o que mais me incomoda. É claro que ninguém gosta de regulação burra, de burocracia inútil e de ineficiência, certo? Ninguém vai apresentar uma proposta de política econômica que defenda a ineficiência, e é evidente que uma desregulamentação inteligente é sempre bem-vinda. O que eu acho, no entanto, é que o impacto econômico de um grande avanço em desregulamentação inteligente é muito pequeno, comparado ao impacto econômico de um grande avanço no equacionamento de problemas como a taxa de juros, a taxa de câmbio e a infra-estrutura. É desejável menos burocracia e menos regulamentação, mas a burocracia e a regulamentação não são construídas por acaso.

De que forma elas se justificam?

O senso comum entende que alguns excessos burocráticos são criados exclusivamente para gerar renda para os cofres públicos ou pior, para os vendedores de soluções, o que leva a uma idéia popular verdadeira de que se trata de criar dificuldade para vender facilidade. Mas, por outro lado, a burocracia ocorre porque existe a necessidade de controle social, mas ainda não sabemos fazer isso direito. Alguém dirá, por exemplo, que a necessidade de RIMAs e EIAs para aprovar projetos nos órgãos ambientais é uma regulamentação burra. Em parte se acaba acusando ou culpando o Ibama por atrasos em obras de infra-estrutura. Mas não: a verdade é que nós temos que expandir obras de infra-estrutura sem destruir o meio ambiente. O problema aí não é exatamente da regulamentação, é que não sabemos exatamente como criar essas regras mas precisamos aprender. Isto é um aprendizado social e só vamos aprender fazendo. Então, eu não vejo essa questão como elemento central da agenda.

Em que posição ela se encontra na agenda, então?

Acho que os impostos estão errados, a tributação no Brasil é muito regressiva, precisa ser alterada. Sem dúvida que existem regulamentações excessivas que precisam ser minoradas e racionalizadas, mas, comparadas ao efeito que uma reforma tributária boa pode ter, isto é pouco relevante. Apontar esse tipo de problema é comum. Faz parte da agenda das instituições internacionais, como por exemplo o Banco Mundial, a idéia de que em alguns países – e o Brasil seria um líder entre eles – é muito difícil abrir e fechar negócios, e que enquanto existem países na Ásia onde é possível abrir empresas em seis dias no Brasil se leva quatro meses. Eu não vejo bem assim. Inclusive há especialistas neste tipo de questão que não entendem sequer de onde saem esses dados, porque de fato podem existir locais onde se leva mesmo alguns meses para se abrir uma empresa, mas há outros municípios e estados mais bem informatizados onde abrir uma empresa pode levar um tempo significativamente menor. De qualquer forma não entendo que isto seja algo decisivo e central numa agenda de mudança e reformas.
A taxa de câmbio, que expressa um real extremamente apreciado em relação ao dólar, está levando ao sucateamento amplos setores industriais intensivos em mão-de-obra e com baixo índice de importações de insumos, como têxteis e calçados. Como fazer para corrigir esse grave problema?
A taxa de câmbio apreciada de fato está trazendo uma grande dificuldade para os setores com muito uso de recurso local – ou seja, setores que usam matérias-primas brasileiras e mão-de-obra brasileira, comparativamente com aqueles que importam insumos baratos em função da taxa de câmbio. Adicionalmente, e esses são dois fenômenos que se somam, a concorrência chinesa bate muito pesado nesses setores da indústria e também naqueles que se caracterizam pela transformação de matérias-primas. Esse é de fato um problema grave, preocupante, porque não é fácil encontrar saída. É uma armadilha que está se montando e a solução que vislumbramos é de difícil implementação. Vamos precisar dar uma resposta, uma espécie de choque de produtividade, para poder sobreviver neste quadro hostil que conjuga o crescimento da competitividade chinesa a uma tendência da valorização da nossa moeda em relação à China.

Temos capacidade de dar essa resposta com tantos fatores adversos?

Para uma parcela importante da indústria tradicional, nós não vamos conseguir sobreviver na competição com a China, tanto na busca dos mercados externos quanto possivelmente no próprio mercado interno. A solução é única: aumentar a produtividade. Precisamos extrair mais produtos da mesma quantidade de insumos, porque esta é única forma de reduzir os custos e aumentar a eficiência. Precisamos de um diagnóstico da produção industrial brasileira. Entendo que uma parte dessa produção é eficiente, seja do ponto de vista da capacidade gerencial ou do ponto de vista da organização da produção. São empresas que não têm muito mais como crescer por aí e, portanto, para elas a solução terá que ser necessariamente progresso técnico, novas tecnologias stricto sensu. Elas já estão tirando tudo o que é possível. Por outro lado, existe um conjunto de empresas que são ineficientes, que ainda sequer conseguiram rotinizar seus procedimentos produtivos. Muitas delas são empresas informais, de porte muito pequeno, com relações pouco estabelecidas entre capital e trabalho. Estas poderiam ter um aumento de produtividade muito grande, mas o problema é como conseguir que realizem os investimentos necessários para se qualificar. Caímos naquelas armadilhas características desse tipo de produção: por mais premente que seja a necessidade de aumentar a qualificação da mão-de-obra, não é razoável esperar que uma empresa que vive da rotatividade de pessoal vá fazer algum tipo de investimento em treinamento. Tais empresas tendem à estagnação e deprimem a produtividade média da economia brasileira.

O que fazer diante disso?

É preciso, repito, fazer um diagnóstico da indústria no Brasil, e ele deveria ser um elemento constitutivo da nossa estratégia de política industrial, o que não ocorreu na elaboração da política existente. A política industrial que foi lançada no início do atual governo é bastante interessante no plano formal, na sua concepção, mas ela está muito voltada para uma fração já moderna da indústria brasileira, a qual se pretendeu dotar de capacidade de inovação. Entretanto, existe uma heterogeneidade, existe todo um outro lado da indústria que foi pouco contemplado nessa política. Eu imagino que se teria que definir uma outra política em paralelo para cuidar da modernização desses setores atrasados pela própria condição de produção e relação informal, que são setores de produtividade baixa e sem muita perspectiva de aumento dessa produtividade.

Por que muitos países emergentes apresentam crescimento elevado e baixos índices de inflação, praticando taxas de juros bastante reduzidas, e não se faz isto no Brasil?

Esta pergunta é um quebra-cabeça. Por que tantos países emergentes conseguem ir melhor que o Brasil, não é? Lá eles controlam a inflação com menos taxas de juros e crescem mais. Eu acredito, como economista, que isto só pode reproduzir as conseqüências de uma história; a história brasileira, que nenhum outro país experimentou. Nós tivemos uma trajetória de desenvolvimento que pode ser parecida com a de outro país, mas nunca será igual. De modo algum acho que o esforço de desenvolvimento brasileiro no final da década de 70 foi excessivo, mas acho que ele descontou do futuro um preço que a economia não conseguiria e não conseguiu pagar. De fato, nós fomos mais longe do que qualquer outro país emergente naquele período até a década de 70, mas isto teve um custo muito alto. Como se diz na linguagem popular, “quanto maior a altura, maior o tombo”.

E agora?

Acho também que nós passamos por um período simultâneo de transformações econômicas e políticas – toda a desmontagem de um modelo de industrialização, de substituição de importações com pesada participação do Estado, além da ditadura – em que partimos para a necessidade de voltar o País para fora numa democracia incipiente que ainda está em construção. Uma democracia com problemas de representação muito grandes, uma sociedade heterogênea mal representada politicamente, com forças políticas muito retrógradas. Tudo isso gera uma lentidão nesse processo muito grande e o tempo vai passando. Se olharmos o período de 1985 pra cá, já são 20 anos de experiência democrática e a gente vê que o sistema partidário não evolui. Ao contrário, ele involui: aparentemente já esteve melhor do que está agora. Nosso sistema partidário explodiu, o PT explodiu, o PSDB explodiu. Então, é claro que precisamos ter calma. O que está ocorrendo é o resultado de problemas que se acumularam historicamente no País. Vamos ter que encontrar uma saída brasileira, e não vai ser reproduzindo modelos de ninguém. Por outro lado, historicamente a saída brasileira sempre foi uma colcha de retalhos em relação aos modelos dos outros.

O que caracterizaria um modelo propriamente brasileiro?

Estudando o desenvolvimento da indústria no Brasil, vejo que é muito característico do padrão brasileiro ter um período em que o processo é muito lento e, de repente, ele ganha velocidade e explode. Na difusão de qualquer coisa, nada é gradativo no Brasil. Durante algum tempo nada acontece e depois, em poucos meses, tudo se transforma. Acho que isso tem a ver com o fato de se deixar tudo para o último dia. Todo mundo entrega a declaração de renda no último dia, esta é uma característica da sociedade brasileira. Um exemplo relacionado à tecnologia de celular: o Brasil foi um dos últimos países a entrar na era do celular. Quando todos já usavam, aqui ainda não existia. E de repente, em poucos anos, são 70 milhões de aparelhos. A principal defasagem industrial brasileira está nas tecnologias da informação. Hoje em dia você vai para o exterior e vê coisas lá que não existem aqui. Estamos ficando muito atrasados, como aparentemente acontecia na década de 50. Mas de todo jeito, alguma coisa vai acontecer e daqui a pouco… ‘’boom’’.  É sempre assim: muita estagnação e, em seguida, grandes ‘’booms’’. Isto não é bom. Não é uma forma boa de se construir capital produtivo, capital econômico e capital social, porque requer um esforço muito grande. É tudo muito atropelado, mas é a forma brasileira de fazer as coisas. Estamos nesta letargia na esperança de, em algum momento, o desenvolvimento – que não é o desenvolvimento puramente de aumento da renda per capita mas da modernização – ganhe velocidade e consiga cobrir uma fração importante da sociedade. Mas isto é uma esperança.

David Kupfer
David Kupfer
Professor de Economia do IE/UFRJ.
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