REVISTA FACTO
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Jul-Ago 2018 • ANO XII • ISSN 2623-1177
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//Artigo

Histórico, avanços e perspectivas no tratamento oncológico no Brasil

O câncer não é uma única doença, e sim mais de 100 diferentes tipos de neoplasias malignas. Para uma grande parte dos cânceres, o principal risco está relacionado à idade. Embora a genética esteja envolvida entre os fatores de risco, somente 5% a 10% de todos os cânceres são hereditários. Fatores de risco modificáveis como fumo, obesidade, sedentarismo e exposição a contaminantes ambientais explicam cerca de 90% dos casos de câncer. Medidas de prevenção, detecção precoce e tratamento adequado e oportuno continuam a estar na linha de frente nas ações de controle do câncer, principalmente naquelas com vistas a reduzir a mortalidade.

Apesar de todos os avanços em modernos meios diagnósticos e dos novos tratamentos e medicamentos, o câncer continua a ser um dos maiores desafios para as pessoas e para os sistemas de saúde. Mais de cinco milhões de novos casos de câncer são diagnosticados a cada ano nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, na sigla em inglês). São cerca de 261 casos por 100.000 pessoas (exceto pele não-melanoma). As neoplasias malignas são responsáveis por mais de um quarto de todos os óbitos que ocorrem no mundo.

De acordo com a Agência Internacional para Pesquisa em Câncer, da Organização Mundial da Saúde (IARC/WHO, na sigla em inglês), em 2012 houve 14,1 milhões de casos incidentes de câncer em todo o mundo, 8,2 milhões de mortes por câncer e havia ainda 32,6 milhões de pessoas vivendo com a doença após cinco anos de diagnóstico. O câncer é, em termos de potencial de vidas perdidas por ano, um problema maior do que infarto agudo do miocárdio.

No Brasil, o número de casos novos de câncer esperados em 2018 é de 600 mil, segundo estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA). O aumento da expectativa de vida, a rápida urbanização, exposição a fatores de risco ambientais bem como hábitos comportamentais são alguns dos fatores que podem explicar este cálculo. Os principais tipos que ocorrerão no país serão, por ordem de incidência, os de pele não melanoma (para ambos os sexos), o de próstata e o de mama.

Outros cânceres cuja incidência merece destaque são os do intestino grosso (terceiro mais incidente entre as mulheres e o quarto entre os homens); pulmão (terceiro entre os homens e quinto entre as mulheres); colo do útero (quarto mais comum nas mulheres); estômago (quinto entre os homens e sexto entre as mulheres) e cavidade oral (sexto mais comum entre os homens).

Previsões para 2030 apontam, segundo a IARC, para a incidência de 22 milhões de novos casos no mundo. A transição demográfica e epidemiológica impõe a atenção ao paciente oncológico, que tende a ser complexa e multifatorial, engloba números desafios técnicos-científicos, assistenciais, sociais e econômicos, e traz o debate sobre o controle do câncer para a agenda da política de saúde.

O controle do câncer demanda a participação e responsabilização de toda a sociedade na implementação de estratégias que evitem que os novos casos que estão por incidir ocorram. E também que impeçam que os casos existentes cheguem para tratamento já em estágio avançado.

Quando se fala de Controle de Câncer, estamos adotando uma mudança no paradigma de abordagem da doença. Estamos dando ênfase a possibilidades de intervenção nas diversas etapas da história natural da doença, como a eliminação ou redução dos fatores de risco como, por exemplo, o tabagismo, a obesidade, a falta de atividade física, as características de cada região, a qualidade, organização e estrutura da rede assistencial e de suas facilidades e fraquezas para o acesso ao tratamento, além de considerarmos a compreensão das diversidades étnicas e culturais e fatores socioeconômicos envolvidos em todos os aspectos de vida social.

A razão dessa abordagem complexa reside na própria natureza do câncer como uma doença que tende ter uma maior incidência e prevalência na população mundial, representando um grande desafio tanto à estrutura de financiamento quanto à lógica de organização dos sistemas e serviços de saúde.

O BRASIL NESTE CONTEXTO

Embora, desde o início do século XX, um importante conjunto de instituições filantrópicas destinadas ao atendimento de pacientes com câncer tenha estado presente em todas as regiões do Brasil, foi somente após a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) que foi iniciada, no ano de 1998, pela Portaria 3535 do Ministério da Saúde, a organização da assistência oncológica hospitalar denominada de alta complexidade.

Estas instituições, bem como o INCA e algumas instituições universitárias e de pesquisa dedicadas ao atendimento de pacientes com câncer, não contavam com uma política específica para esta atividade por parte do Ministério da Saúde, assim como não havia uma remuneração diferenciada para as atividades específicas. A partir de 2005, outro passo importante foi dado com a evolução deste conceito para a construção de uma Política Nacional de Atenção Oncológica, também organizada por uma portaria ministerial, a Portaria 2439, que vem sendo atualizada e aperfeiçoada por sucessivas portarias ministeriais. Estes instrumentos visam regulamentar e organizar as ações de assistência aos pacientes com câncer no âmbito do SUS, bem como articulá- las com as estratégias de promoção, prevenção e detecção precoce, e também com as políticas de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico do País.

Detecção precoce, profissionais treinados e acesso à cirurgia, à radioterapia e a medicamentos genéricos e essenciais (seguindo lista recomendada pela OMS) são metas que dependem de decisão política, apoio governamental e treinamento adequado de equipes em todos os níveis de atenção do Sistema de Saúde.

Um outro componente fundamental desta política é a implementação dos registros de câncer, tanto o Registro de Base Populacional (RCBP) quanto o Registro Hospitalar de Câncer (RHC), que vão permitir planejar e acompanhar as ações, além de fornecerem informações decisivas para o apoio às atividades de pesquisa.

Com esta política, o País vem implementando melhorias nos sistemas de acesso aos serviços e na sua qualificação, estabelecendo padrões para a prestação de serviços essenciais de cirurgia oncológica, radioterapia e quimioterapia a serem observados pelas unidades assistenciais, classificadas de acordo com o nível de complexidade (Unidades de Alta Complexidade em Oncologia – UNACON – e Centro de Alta Complexidade em Oncologia – CACON).

Entre os anos de 2010 e 2014, pôde-se observar uma ampliação dos gastos em oncologia no Brasil em todos os níveis das atividades de controle da doença. O gasto do SUS com o câncer cresceu à taxa de 9% ao ano neste período. Os gastos com quimioterapia e radioterapia superam R$ 2 bilhões, com expansão contínua ao longo dos últimos anos, enquanto os gastos com cirurgias duplicaram em 2013, atingindo o patamar de R$ 400 milhões naquele ano.

A construção desta política teve um importante componente de inovação em termos de gestão: o Conselho Consultivo do INCA (CONSINCA), que merece ser destacado até mesmo pelos desafios presentes e futuros que o sistema tem para enfrentar. Trata-se de um espaço permanente de articulação, dentro do modelo de gestão do INCA, constituído por dirigentes do instituto, gestores do SUS, Secretarias do Ministério da Saúde, Fiocruz, representantes de sociedades científicas, entidades médicas e representantes da sociedade civil, via Conselho Nacional de Saúde.

O Conselho, que se reúne a cada dois meses, teve como pauta os problemas que dizem respeito ao atendimento aos pacientes com câncer e propostas para aperfeiçoar ou modificar as políticas e diretrizes da atenção oncológica no País. Este órgão tem sido espaço de importantes discussões, apresentando inúmeras contribuições ao aperfeiçoamento da política e de sua implementação, além de contribuir para a construção de consensos com relação a temas controversos, que são frequentes na área da saúde, sobretudo na oncologia. E, mesmo quando não foi possível o consenso, o espaço permite a delimitação das posições e pensamentos divergentes.

Um outro espaço institucional importante para a implementação desta política é a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) pelo Ministério da Saúde, assim como os Núcleos de Avaliação de Tecnologia em Saúde (NATS) em diversas universidades e outras instituições qualificadas e ainda a Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologia em Saúde (Rebrats).

É importante assinalar que o Brasil dispõe de diversas instituições com grande capacidade técnica, voltadas também para atividades de ensino e de pesquisa e que fazem parte de uma rede de 383 unidades assistenciais habilitadas nas modalidades referidas anteriormente. Entre elas, está o INCA, que tem ocupado um papel importante de liderança, na construção e implementação desta política.

No campo da prevenção primária, é digno de nota, por exemplo, o avanço alcançado na redução da prevalência do tabagismo na população brasileira com resultados importantes e reconhecidos até internacionalmente. Esses resultados já geram impacto na redução da incidência do câncer de pulmão na população masculina. Isto se deve a um forte comprometimento político do País com a implementação da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), o único tratado global de saúde pública aprovado pela OMS.

Cito este caso não apenas para dizer da importância da articulação entre as ações de controle da doença, desde a prevenção até os cuidados paliativos, mas também para enfatizar o papel da cooperação internacional e do posicionamento de organizações globais para apoiar as políticas de acesso ao controle da doença no nível dos países.

Mesmo com tudo isto, o controle do câncer no Brasil ainda precisa avançar muito.

Estamos longe da cobertura ideal de serviços para a população. O número de casos novos, segundo a estimativa do INCA, já se aproxima dos 600 mil a cada ano. As taxas de mortalidade permanecem elevadas e em ascensão para a maior parte dos tumores. A grande maioria dos pacientes ainda são diagnosticados em estágios avançados da doença e, portanto, têm reduzida chance de cura.

A QUESTÃO ESPECÍFICA DOS MEDICAMENTOS

Nos últimos anos, o Brasil avançou no tratamento do câncer, ampliando a oferta de cirurgia, quimioterapia e radioterapia para os pacientes, assim como meios de diagnóstico, mas ainda existem lacunas muito importantes. O processo de atualização terapêutica no SUS consiste basicamente na apresentação de diretrizes pela Secretaria de Atenção à Saúde (SAS). Ela visa acompanhar a incorporação de procedimentos, medicamentos e meios de diagnóstico com vistas a acompanhar a evolução tecnológica apoiada pela CONITEC ou por pareceres técnicos de especialistas. Para o Ministério da Saúde, as diretrizes apresentadas devem também ser sustentáveis do ponto de vista econômico, dados os altos custos envolvidos e os recursos, embora crescentes, ainda muito limitados do SUS.

Mesmo na saúde suplementar, as restrições impostas são tão grandes ou ainda maiores que na saúde pública. E aí se encontra o primeiro grande obstáculo: a disponibilidade dos medicamentos antitumorais já produzidos desde os meados do século XX representa ainda fator crítico para a qualidade do tratamento de câncer, a despeito da existência de novíssimas drogas biológicas e imunológicas, estas então de recentíssimas aplicações. A decisão do Ministério da Saúde de centralizar a compra de medicamentos oncológicos contribuiu para ampliar o acesso a algumas drogas, mas não foi suficiente para garantir tudo o que é necessário.

Para melhor compreender, foi feita uma análise de 42 terapias lançadas entre 2011 e 2015. Esse estudo identificou quantas delas estavam disponíveis em diversos países em 2017, independentemente se tinham ou não reembolso de pagadores públicos ou privados. Destas, 23 estavam disponíveis no Brasil e somente 61% delas eram cobertas com reembolso.

Este fato cria um outro problema para os custos do tratamento oncológico e para o descontrole do setor que é a judicialização. Neste caso, os dados são pouco precisos, mas as estimativas apresentam gastos em 2016 de R$ 1 a 7 bilhões com a judicialização na saúde. Assim, independentemente dos valores, esta tendência poderá ser um fator de desequilíbrio no sistema.

ACESSO AO TRATAMENTO ONCOLÓGICO

O acesso ao tratamento de câncer é hoje um problema global, obviamente com maiores dificuldades para os países de média e baixa renda, que se tornarão ainda piores nos próximos anos se nada for feito a esse respeito.

A aplicação do Acordo TRIPs de 1995 provocou um aumento insuportável de preços de medicamentos, sobretudo para os países mais pobres e aqueles com sistemas universais de saúde. Estes aumentos são de tal forma irracionais que, mais do que sonegar o direto à saúde, inviabilizam o exercício pleno desse direito humano.

A ONU reconhece que, além dos Estados, que por definição têm a responsabilidade de respeitar e proteger os direitos humanos, as corporações transnacionais também têm responsabilidades com esta garantia.

A discussão sobre custos de desenvolvimento e preços finais de medicamentos é extremamente complexa e, sem a transparência necessária e até uma auditoria independente, será um caminho infrutífero.

Com relação aos novos medicamentos biológicos e imunológicos, embora novas drogas e tecnologias sejam promissoras e tenham impacto na morbidade e mortalidade, elas não podem ser pensadas como uma panaceia universal e uma solução definitiva para a doença ao alcance de todos. Seja em função das óbvias restrições pelo seu alto custo para as pessoas, seja pelas restrições orçamentárias dos governos. Mas, também, e principalmente, pela natureza reativa e adaptativa doença que, em muitos casos, torna-se rapidamente resistente às novas drogas, lançando a questão numa espiral de novas, mais caras e mais específicas drogas relacionadas a cada vez mais restritos e específicos grupos de pacientes. Nesse caso, realmente, não existirá uma bala mágica que resolverá o problema.

A Escola Europeia de Oncologia (ESO) chama a atenção para a necessidade de se repensar o modelo atual de negócios da indústria farmacêutica para o desenvolvimento de novas drogas. Os responsáveis por decisões políticas e a indústria precisam repensar e ajustar a agenda de desenvolvimento de medicamentos em conformidade com o conhecimento científico e a realidade econômica dos países e da economia mundial. Será necessário também ampliar a participação dos setores acadêmicos, no sentido de criar formas mais eficientes de parcerias público-privadas voltadas para acelerar a entrega de novas terapias a custos mais acessíveis, que possam trazer benefícios a pacientes em todo o mundo e não só a quem possui recursos financeiros.

Há que se considerar também nessa equação que o prolongamento da sobrevida e os gastos advindos de incapacidades decorrentes da doença (Anos de Vida Perdidos por Incapacidade – DALY, na sigla em inglês) impactam igualmente o aumento dos gastos com pacientes de câncer nos sistemas de saúde de todos os países. Quando são considerados todos os elementos do impacto econômico global da morte prematura e incapacidades por câncer, pode-se chegar a um valor próximo a US$ 1,16 trilhão por ano.

UMA AGENDA PARA O BRASIL

As dificuldades até aqui mencionadas, somadas à forte crise econômica e às medidas de restrição orçamentaria exigem reflexão e ação no Brasil. No campo político, exige que não se abra mão de garantir os recursos orçamentários para a saúde no País. É preciso alinhar-se fortemente aos esforços internacionais, sobretudo com a OMS, e também a experiências como as que estão sendo adotadas pelo National Institute for Health and Care Excellence (NICE), do Reino Unido para melhorar a negociação de preços de medicamentos, dispositivos e meios de diagnóstico.

OUTRAS AÇÕES SÃO:

  • Estimular a indústria nacional para a produção de medicamentos genéricos e, sobretudo, biossimilares, utilizando mecanismos como as PDPs e PPPs.
  • Estimular a pesquisa clínica no País fortalecendo as instituições nacionais, aproveitando o potencial já instalado no Brasil e criando e estimulando redes colaborativas.
  • Incorporar-se ao esforço internacional de utilização de tecnologias de informação para apoio à decisão médica e produção de conhecimento a partir das bases de dados do País.
Luiz Antonio Santini
Luiz Antonio Santini
Médico, professor de cirurgia torácica e saúde pública e ex-diretor geral do INCA.
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