REVISTA FACTO
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Jul-Ago 2018 • ANO XII • ISSN 2623-1177
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//Artigo

Importância de laboratórios oficiais para a sustentabilidade de políticas públicas e o desenvolvimento tecnológico no país

Os Laboratórios Farmacêuticos Oficiais (LFO) do Brasil têm por missão a produção de medicamentos para apoiar as estratégias do Ministério e das Secretarias de Saúde. Também devem atuar como agentes indutores de pesquisa e inovação tecnológica e no desenvolvimento endógeno de novas formulações farmacêuticas para o Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, eles têm um papel de extrema importância na regulação de preços para o mercado nacional, pois se contrapõem aos altos preços praticados pelos laboratórios multinacionais, devido à realização de estudos de prospecção da cadeia tecnológica. Dessa forma, eles servem de base para o desenvolvimento e internalização tanto do processo farmacêutico quanto do farmoquímico, essenciais para o domínio tecnológico da cadeia produtiva nacional e para sua valorização, e ainda fortalecem o Complexo Econômico e Industrial da Saúde (CEIS).

A política adotada pelos laboratórios oficiais contribui para fortalecer o SUS por meio de ações que visam ampliar o acesso da população a produtos e serviços estratégicos produzidos em território nacional. A intenção é reduzir a vulnerabilidade e a dependência produtiva e tecnológica, além de buscar a racionalização com vistas à sustentabilidade do SUS e à ampliação da produção nacional de fármacos e medicamentos e de outras tecnologias diretamente relacionadas. Além disso, visa também contribuir para a proteção dos interesses da administração pública e da sociedade ao buscar a economicidade e vantajosidade tanto nas aquisições quanto na absorção tecnológica e geração de emprego e renda no nosso País.

Em outra ação estratégica, os laboratórios oficiais ainda contribuem para implementar a Política para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) elaborada pelo Ministério da Saúde, que gera uma economia estimada em mais de R$ 5 bilhões para os cofres públicos, o que permite não somente ampliar o acesso para os usuários do SUS, mas também incorporar novos medicamentos e tecnologias pelo Ministério da Saúde.

As PDP podem e devem ser entendidas como mecanismo de política industrial de indução utilizada na saúde e que envolve uma série de contrapartidas. Elas garantem a internalização da produção do medicamento para um laboratório oficial e a transferência de tecnologia do fármaco para um produtor privado nacional durante o contrato de parceria em que são concretizadas as compras governamentais do SUS. Portanto, a PDP possui como objetivo principal a racionalização do poder de compra do Estado, bem como a ampliação do acesso da população a produtos estratégicos e diminuição da vulnerabilidade do SUS, juntamente com o fomento ao desenvolvimento tecnológico e a promoção da fabricação nacional desses produtos e insumos.

BIODIVERSIDADE: DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE

Outro campo de atuação importante dos LFO consiste no estudo da biodiversidade brasileira e das suas diversas aplicações no campo da saúde, de forma sustentável e respeitando o conhecimento tradicional. Neste campo, o Brasil encontra- se em uma posição única, pois concentra uma imensa biodiversidade em seu território, possuindo a flora mais rica do mundo. Nesse sentido, os laboratórios oficiais realizam estudos para o desenvolvimento de medicamentos tendo como base a biodiversidade brasileira e são atores importantes neste campo da inovação. Eles fazem parte da construção de uma agenda estratégica de plantas medicinais e fitoterápicos do Brasil, que inclui também o cuidado com o meio ambiente e o desenvolvimento econômico e social sustentável.

DOENÇAS NEGLIGENCIADAS: MISSÃO INSTITUCIONAL

As doenças negligenciadas são, por definição, doenças causadas por agentes infecciosos em populações de baixa renda. Por isso, o desenvolvimento de medicamentos para o seu tratamento é parte da missão institucional de todo laboratório oficial. Além disso, é necessário pensar em populações negligenciadas associadas a determinantes sociais e ambientais em saúde, tornando a problemática ainda mais complexa. O controle dessas doenças apresenta indicadores inaceitáveis e os investimentos em pesquisas, desenvolvimento e produção de medicamentos são reduzidos.

As doenças tropicais, tais como a malária, a doença de Chagas, a doença do sono, leishmaniose visceral, a filariose linfática e a esquistossomose, continuam entre as principais causas de morbidade e mortalidade em todo o mundo. Estas enfermidades, incluídas entre as doenças negligenciadas, incapacitam ou matam milhões de pessoas e representam uma necessidade médica importante que permanece não atendida. Com destaque para a tuberculose, elas são responsáveis por 11,4% da carga global. Contudo, apenas 21 (1,3%) dos 1.556 novos medicamentos registrados entre 1975 e 2004 foram desenvolvidos especificamente para elas, que causam, juntas, de 500 mil a 1 milhão de óbitos anualmente. Por outro lado, apesar de serem conhecidas algumas medidas de prevenção e de tratamento para essas doenças, elas não estão disponíveis universalmente nas áreas mais pobres do mundo, mesmo que, em muitos casos, o tratamento seja barato e eficaz.

Além disso, apesar de mais de 500 milhões de pessoas estarem ameaçadas por estas doenças parasitárias, estudos indicam que o financiamento mundial de inovação para doenças negligenciadas é menor que 5% do total de investimentos. As doenças negligenciadas são um problema global de saúde pública, mas a P&D das indústrias farmacêuticas é orientada quase sempre pelo lucro e o setor industrial privado está quase sempre focado em doenças globais para as quais medicamentos podem ser produzidos e comercializados com geração de lucros.

Em contraponto, os laboratórios oficiais disponibilizam em seu portfólio medicamentos importantes para o tratamento dessas doenças, tais como benznidazol, artesunato mais mefloquina (ASMQ), cloroquina, primaquina, dietilcarbamazina, etionamida, isoniazida e suas combinações em dose fixa combinada com rifampicina.

Muitas dessas estratégias são conduzidas em parceria com organizações não governamentais, tais como a iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, da sigla em inglês). A DNDi é uma organização de pesquisa e desenvolvimento sem fins lucrativos que busca oferecer novos tratamentos para doenças negligenciadas, em particular, para a doença do sono (tripanossomíase humana africana), doença de Chagas, leishmaniose, malária e HIV pediátrico. Atualmente, um estudo clínico multicêntrico de fase 4 avalia o ASMQ como possível alternativa para o tratamento da malária na África, a ser produzido em parceria com um LFO.

SUSTENTABILIDADE

Para dar sustentabilidade a todas essas atividades realizadas pelos laboratórios públicos, deve existir, em contrapartida, uma política de longo prazo que viabilize as estratégias de apoio ao Ministério e as Secretarias de Saúde, e que vise e apoie o estímulo à internalização da produção de farmoquímicos e medicamentos de grande impacto nas compras do SUS. Também são necessárias iniciativas para capacitar e modernizar os produtores públicos no País, assim como, uma política de desenvolvimento endógeno de novas moléculas e formulações farmacêuticas oriundas da biodiversidade ou de origem sintética. Esta política deve ser parte de um conjunto de esforços para tratar o setor da saúde de forma integrada, considerando seus impactos sociais, sanitários, econômicos e industriais. O objetivo é promover uma maior articulação entre os entes governamentais para garantir que o SUS não se torne dependente de medicamentos produzidos somente por empresas multinacionais, as quais, em muitos casos, detêm o controle do conhecimento da produção e, consequentemente, de seus preços e não geram tecnologia e conhecimento no país.

Para a efetivação desta política, é de fundamental importância a criação de uma agenda estratégica de desenvolvimento, que vise o equilíbrio econômico e financeiro junto aos laboratórios oficiais para transferir tecnologia e para o desenvolvimento endógeno, que envolva o Ministério da Saúde (MS), gestores do Sistema Único de Saúde, produtores de medicamentos e insumos e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Dessa forma, pode-se manter o equilíbrio entre a produção de medicamentos de alto valor agregado e aqueles para doenças negligenciadas e garantir a sustentabilidade econômica dos LFO.

Neste campo, outra estratégia a ser perseguida pelos LFO é o aumento de escala produtiva para diminuir os custos industriais. Neste aspecto, a pré-qualificação junto a organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS) deve ser vista como uma fonte importante de ganho de escala e a sua disponibilização. Ou seja, é necessário pensar os desenvolvimentos em termos de soluções locais, mas de modo que possam ser empregados para ação e utilização global por populações que são atingidas por doenças tropicais muito semelhantes.

Um dos empecilhos é a base produtiva nacional frágil devido a uma política industrial dependente da importação de intermediários químicos e baseada na importação de insumos principalmente da China, o que prejudica sobremaneira tanto a prestação de serviços em saúde quanto uma inserção competitiva dos LFO em ambiente globalizado. Essa situação sugere a necessidade de uma análise mais sistemática das relações entre os interesses produtivos e tecnológicos no âmbito da saúde e como política de Estado. O conhecimento sobre o CEIS deve ser pormenorizado por conta do seu potencial de indução na contribuição ao impor o poder de compras do Estado e implantado um modelo de desenvolvimento socialmente inclusivo e sustentável.

NOVAS FERRAMENTAS COMPETITIVAS: BIG DATA E A PROPRIEDADE INDUSTRIAL

O mundo do século 21 vivencia uma era totalmente interligada, na qual cerca de 40% da população está conectada. Neste cenário, o termo Big Data se mostra presente em todas as atividades de ciência, tecnologia e mercado. Ele se configura como um gigantesco banco de dados atualizado em tempo real e que atinge facilmente milhares de terabytes de armazenamento, em diversos formatos como vídeos, textos, fotos, entre outros. Os sistemas tradicionais de gerenciamento de banco de dados relacional não conseguem lidar com essa grande massa de dados. O Big Data direciona uma nova geração de metodologias desenvolvidas para extrair valor econômico e estratégico de um grande e variado volume de dados estruturados e não estruturados, permitindo alta velocidade de captura e análise. Este advento refere-se à terceira geração da era informacional, vivendo a era da gestão do conhecimento com exponencialidade de dados no presente século. Aliada às tecnologias convergentes da indústria 4.0 e da tempestade perfeita de dados e de computação, essa era objetiva o aumento da inteligência dos negócios, além de permitir uma melhoria no processo de tomada de decisão.

Não somente o setor privado, mas também o público, vão experimentar este cenário. Os LFO têm se debruçado sobre estas questões a fim de se reinventar em tempos de nova era dos negócios, em que o diferencial para ter sustentabilidade está em fazer melhor aquilo em que já seja bom. Será preciso agir de forma mais econômica, competitiva, rápida e, consequentemente, mais eficaz com o auxílio de tecnologias de última geração para garantir a sustentabilidade do SUS. O relatório “The real-world use of big data”, divulgado pela IBM em colaboração com a Universidade de Oxford, revelou que a análise de Big Data permite que as organizações sejam até 23 vezes mais propensas a superarem os seus concorrentes de mercado do que aquelas que não analisam.

Portanto, pensar a inteligência coletiva de forma a mobilizar as efetivas competências caracteriza um pensamento sustentável pelas conexões sociais que possam convergir em resultados superiores aos modelos triviais. A convergência digital das tecnologias tem implicações significativas, principalmente no que tange às empresas e economias dos países em desenvolvimento, como o Brasil. Nessas nações, as empresas e indivíduos podem usar plataformas digitais como uma forma de superar as restrições nos seus mercados locais. Assim, é possível identificar oportunidades, informações e ideias em qualquer lugar do mundo. Estima-se que quase um bilhão de pessoas em todo o mundo são participantes diretos de alguma forma de globalização. A pesquisa, desenvolvimento e inovação não são mais vistas de forma linear. O que antes levava anos para se desenvolver, atualmente tornou- se bem mais célere. Por exemplo, o sequenciamento do HIV levou 15 anos para ser concluído e não se compara com o sequenciamento do SARS, que demorou somente 21 dias.

Considerando que cerca de um milhão de artigos científicos são publicados ao ano na área da saúde, é mister pensar modelos não triviais para resolver problemas da saúde local com foco global. Como um exemplo de tratamento de Big Data para tomada de decisão na área científica para a saúde, pode-se citar não somente a bibliometria, mas também modelos algoritmos que ajudam a extrair 27 milhões de citações da base Medline. Uma pesquisa mais aprofundada pode identificar, após tratamentos, 349 mil artigos e extrair 5564 textos essenciais para subsidiar a tomada de decisão (neste caso, usando o termo correlato “big data in health”). Já na área tecnológica, a mineração de dados constitui um reforço quando enfrentamos o desafio de analisar mais de 100 milhões de patentes na base “European Patent Office” (EPO). Ela indica a correta identificação, extração, tratamento e disposição dos dados essenciais para a tomada de decisão e isto proporciona um forte aliado para a organização. O tema pode parecer distante, mas é realidade nos dias atuais e qualquer ente, público ou privado, que negligencie este tópico estará fadado ao fracasso.

Como exemplo de análise da Propriedade Industrial para tomada de decisão, pôde-se analisar os dados científicos e tecnológicos, bem como realizar inúmeras correlações, a partir da mineração dos 100 milhões de patentes na EPO sobre a tríplice ameaça “dengue, zika e chikungunya”. Na plotagem para visualização e análise dos dados, foram identificadas oportunidades de inovação e geração de informações essenciais para os gestores tomadores de decisão. Na análise, foram extraídas 1.975 patentes e 3.177 famílias de patentes, com maior índice de classificação CIP A61K (preparações para finalidades médicas, odontológicas ou higiênicas), que representam oportunidades para preparações farmacêuticas em suas variadas formas. O pico de publicação sobre o tema ocorreu no ano de 2016 e os últimos 10 anos foram os mais intensos em depósitos concedidos. Os maiores detentores de patentes nessa área são cientistas e empresas localizadas nos EUA. A localização dos pesquisadores e respectivos detentores pôde ser identificada na pesquisa, assim como as patentes que não são protegidas em território brasileiro. Tudo isso alerta sobre as potencialidades existentes e indica a possibilidade de aprofundar a questão e usá-las livremente no país. Outra possibilidade seria promover uma PDP, se for o caso, em nome do resgate da soberania brasileira em fármacos e medicamentos, buscando o equilíbrio e sustentabilidade do SUS, com foco principal no cliente, a população brasileira.

ESTRATÉGIA: LICENCIAMENTO COMPULSÓRIO E SUBSÍDIO AO EXAME DE PEDIDO DE PATENTE

A Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279 de 1996) estabeleceu critérios para a concessão de patentes. Desde então, o Brasil passou a concedê-las para produtos farmacêuticos. Após esse marco, pôde-se observar um aumento gradual nos valores praticados na comercialização dos medicamentos patenteados, o que, muitas das vezes, coloca em risco a sustentabilidade do SUS. Por exemplo, em 2007, na tentativa de reduzir o alto preço do medicamento para tratamento do HIV, o Brasil teve de lançar mão do licenciamento compulsório, o que trouxe muitas discussões políticas no País e no exterior. Dados levantados indicam que o gasto com a compra de medicamentos antirretrovirais patenteados representavam cerca de 80% do gasto do Programa Nacional DST/Aids. Já com os medicamentos em domínio público, ou seja, sem patentes, o gasto se restringe a apenas 20%. A redução da despesa na compra dos medicamentos possibilitou a manutenção e o fortalecimento do Programa Nacional de DST/Aids, entre outros.

“Subsídio ao exame de pedidos de patentes visa impedir a concessão para medicamentos de interesse do Ministério da Saúde quando os requisitos de patenteabilidade não forem apresentados”

Contudo, para minimizar inseguranças, tem sido proposta a apresentação de subsídio ao exame dos pedidos de patente da área farmacêutica junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O objetivo é impedir a concessão de patentes para medicamentos de interesse do Ministério da Saúde nos casos em que os pedidos não apresentem os requisitos de patenteabilidade. Como exemplo, pode-se citar a oposição apresentada ao pedido de patente do medicamento Tenofovir, que poderia levar a uma redução no preço estimada em 75%. Já no ano de 2007, o governo brasileiro declarou o licenciamento compulsório do Efavirenz. Com isso, o preço de venda de US$ 1,56 por comprimido foi reduzido para US$ 0,68.

Em um exemplo mais recente, um subsídio ao exame defendeu a recusa à concessão da patente do medicamento Sofosbuvir, usado no tratamento da hepatite C. O INPI, órgão responsável por concessão de patentes no País, já se posicionou de forma a não conceder patentes para alguns pedidos desse medicamento, enquanto outros ainda estão em fase de exame. Neste caso, a não concessão da patente acarretaria uma economia cerca de R$ 200 milhões por ano aos cofres públicos.

Com essa expectativa, os laboratórios públicos cumprem sua missão de contribuir com as políticas públicas de Estado para o fortalecimento do SUS, proporcionando meios para a sua sustentabilidade e ampliação ao acesso de produtos e serviços que possam garantir que os cidadãos brasileiros obtenham medicamentos e serviços de última geração e que atendam às suas necessidades.

Jorge Mendonça
Jorge Mendonça
Diretor do Instituto de Tecnologia em Fármacos da Farmanguinhos/Fundação Oswaldo Cruz.
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