REVISTA FACTO
...
Jan-Mar 2018 • ANO XII • ISSN 2623-1177
2023
73 72 71
2022
70 69 68
2021
67 66 65
2020
64 63 62
2019
61 60 59
2018
58 57 56 55
2017
54 53 52 51
2016
50 49 48 47
2015
46 45 44 43
2014
42 41 40 39
2013
38 37 36 35
2012
34 33 32
2011
31 30 29 28
2010
27 26 25 24 23
2009
22 21 20 19 18 17
2008
16 15 14 13 12 11
2007
10 9 8 7 6 5
2006
4 3 2 1 217 216 215 214
2005
213 212 211
Luciano Coutinho - “Governo precisa recuperar a capa cidade de planejar e desenvolver projetos”
//Entrevista Luciano Coutinho

Luciano Coutinho - “Governo precisa recuperar a capa cidade de planejar e desenvolver projetos”

O que explica o maior desenvolvimento dos países asiáticos em relação ao Brasil?

A resposta deve ser buscada historicamente na crise da dívida que vitimou a América Latina no fim dos anos 1970 e início dos anos 1980, quando houve o choque financeiro provocado pelas taxas de juros dos Estados Unidos, que subiram a 20% ao ano. A crise agudizou- -se com a moratória mexicana de 1982 e depois se generalizou na região. A América Latina dependia muito de financiamento externo. Isso resultou num ciclo de altíssima inflação que paralisou as economias e, para vencê-la, a América Latina ficou prisioneira de taxas de juros muito altas, especialmente no Brasil. Simultaneamente, os Estados Unidos fizeram durante a Guerra Fria, desde os anos 1960, uma política favorável aos países aliados no entorno da China. Assim, Japão, Coreia e Taiwan disfrutaram de acesso privilegiado ao mercado americano e, através de políticas de exportação, obtiveram décadas de alto crescimento. Depois, houve a conhecida aproximação entre os EUA e a China, cuja economia foi se tornando grande exportadora para o mercado americano e tomou o lugar que era do Japão, apresentando taxas de crescimento de 10% ao ano até a eclosão da grande crise financeira de 2008-2009. Esse é o principal contraste entre a América Latina e a Ásia.

Os asiáticos não precisaram de financiamento externo?

A Ásia sempre teve uma taxa de poupança interna muito alta nos setores público e privado. Na China, essa taxa girava em torno de 40% do PIB [Produto Interno Bruto] e, depois da grande crise financeira de 2008-2009, aumentou para 50%. Nos outros países, estava próxima a 30% do PIB. Nos países latino americanos, oscilava entre 20% e 25%. Claro que a poupança macroeconômica vem de ciclos de lucros altos e de tratamento tributário favorável à retenção do lucro pelo setor produtivo. Então esses países tinham taxa de poupança alta e também bancos centrais que regulavam taxas de juros baixas, além de bancos de desenvolvimento e bancos de exportação muito atuantes. Ou seja, na Ásia, o crédito de longo prazo, com juros reais baixos, complementava e ampliava a capacidade de investimento baseada na poupança doméstica.

A América Latina não soube aproveitar o período de bonança dos anos 2000?

A América Latina só começa a ter ascensão após 2003, quando o rápido crescimento chinês passou a exigir a importação cada vez mais intensa de matérias-primas. Esse período propiciou marcante melhoria nos preços das commodities e viabilizou um ciclo de crescimento na região, com acumulação de reservas. Mas nem o Brasil nem a América Latina conseguiram recobrar o dinamismo industrial que os caracterizou até início dos anos 1980. Em parte porque ocorreu marcante apreciação cambial nesse período – enquanto a China ascendia meteoricamente como concorrente nas exportações manufatureiras. Em resumo, não é o liberalismo que explica o sucesso asiático, porque ele derivou, em grande medida, de uma regulação muito intensa das políticas industriais pelo Estado, em cooperação com o setor privado e, em alguns casos, diria coerção, como ocorreu na Coreia do Sul. A Ásia teve sim uma política macroeconômica benigna, de juros baixos e câmbio competitivo, o que viabilizou um crescimento baseado na exportação de manufaturas, diferentemente da América Latina. Mas isso só explica em parte a questão, posto que na Ásia as políticas de educação primaram pela qualidade, desde os anos 1970. Além disso, as políticas de inclusão social, como reformas agrárias, tiveram papel relevante.

Estimular o consumo interno poderia alavancar o investimento da indústria?

O consumo interno ajuda a recuperação no curto prazo, mas se não for acompanhado de uma recuperação firme dos investimentos, não sustenta o crescimento. A recuperação do investimento tem o lado privado que depende do consumo, do crédito, do câmbio para exportar – e o lado público, com aplicação de recursos orçamentários em infraestrutura, principalmente em projetos cuja taxa de lucro é mais baixa e o prazo de retorno do capital é prolongado no tempo. Ou através de concessões ao setor privado sob regras que imponham compromisso de investimento. Para isso, o governo precisa recuperar a capacidade de planejamento e desenvolver uma carteira suficiente de projetos executivos bem-feitos.

“A Ásia teve uma política macroeconômica benigna, de juros baixos e câmbio competitivo, o que viabilizou um crescimento baseado na exporta ção de manufat uras, diferentemente da América Latina ”

O Plano Real resolveu a inflação, mas quebrou a indústria nacional. Em seguida, o governo estabeleceu o tripé macroeconômico, porém sem conseguir um desenvolvimento econômico sustentado. O que precisa mudar?

O Plano Real instituiu uma moeda nova sem ter reservas – pois as reservas externas eram muito pequenas e emprestadas no mercado internacional. A única maneira de fazer isso foi, então, colocar os juros lá em cima. Nos primeiros cinco anos, os juros nominais ficaram em torno de 40% ao ano e os reais acima de 20%, em parte para manter o câmbio semifixo. Em 1999, esse sistema “pifa” e então é implantado o tripé macroeconômico, que consiste na obrigatoriedade de fazer superávit fiscal, adotar meta de inflação e regime de câmbio flutuante. Nesse período, a dívida externa muda de dívida bancária para emissão de bônus no mercado internacional. Ou seja, é o mercado global de capitais que passa a financiar o Brasil, o que torna a política interna muito dependente das agências de rating e da percepção que o mercado externo tem do País. Essa penúria cambial e de dependência do financiamento externo só se resolve na metade dos anos 2000, com o boom das commodities, puxado principalmente pela China. Fizemos superávits primários e em conta corrente, via exportação. Mas mesmo nesse período, e até hoje, o pecado capital do juro alto persistiu, inclusive durante a recessão severa dos últimos dois anos. A pergunta é: quando o País terá uma taxa de juro adequada ao desenvolvimento? Quando deixaremos de ser campeões do mundo em juros altos?

A contenção de gastos pelo governo aprofunda a recessão?

A tentativa de reduzir o gasto público agravou a recessão, num processo autodestrutivo. Mas estamos saindo da crise, temos uma modesta retomada econômica, ajudada no ano passado pela agricultura e pela indústria de máquinas agrícolas. O grande desafio é, em períodos de crescimento da economia, fazer superávit fiscal e usar essa poupança para evitar o agravamento da situação nos momentos de crise, como acontece na maior parte dos países. Adotamos uma emenda constitucional [nº 95/2016, que impõe limite para o gasto público] que ignora os ciclos econômicos e obriga o crescimento do gasto público a ser inferior ao PIB corrigido pela inflação, faça chuva ou faça sol. Em 2018, o governo tem margem para fechar o ano dentro do teto do gasto. Mas, em 2019, o novo governo vai entrar com margem zero. E como a política fiscal foi, entre aspas, criminalizada, corre-se o risco de ter um governo completamente “amarrado”, que se gastar mais do que a lei permite estará cometendo crime de responsabilidade.

O governo discute a Reforma da Previdência como forma de superar a crise fiscal. Não seria mais efetivo focar a Reforma Tributária?

A Reforma da Previdência é necessária, uma vez que a população está envelhecendo. Mas precisa ser justa e explicada ao povo e não tocada à base do terrorismo. Isso é mais fácil de ser feito com a economia e com o emprego formal crescendo. De qualquer maneira, a reforma é necessária para o equilíbrio fiscal de longo prazo e precisará ser complementada pela Reforma Tributária e por juros perenemente mais baixos.

A Reforma Tributária é um dos componentes de uma política fiscal de longo prazo. O Brasil tem uma estrutura tributária muito regressiva, em que os pobres pagam mais impostos que os ricos. Em grande medida, porque em 1995 o governo isentou de imposto de renda os dividendos distribuídos aos acionistas das empresas. O Brasil é dos poucos países que não taxam os dividendos.

Essa é uma parte da história. A outra é que grande parte da carga tributária é embutida nos preços dos produtos e as classes de rendas mais baixas acabam pagando relativamente mais. O Brasil tem um sistema tributário que se tornou disfuncional e injusto, que agrava a desigualdade de renda e diminui o dinamismo do mercado interno.

Luciano Coutinho
Luciano Coutinho
Doutor em Economia pela Universidade de Cornell (EUA) e professor convidado do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Anterior

Crescimento com inclusão social: Receita para um Brasil sustentável

Próxima

Backlog de Patentes