REVISTA FACTO
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Set-Dez 2023 • ANO XVII • ISSN 2623-1177
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Montando o quebra-cabeça do desenvolvimento
//Matéria Política

Montando o quebra-cabeça do desenvolvimento

Nova política industrial é importante, mas precisa estar integrada a outras peças para alcançar seus objetivos

As lições do mundo pós-pandemia tornaram ainda mais urgente o que já era prioridade: o fortalecimento da indústria nacional. Criada a partir de trabalho conjunto entre o governo e a sociedade, a nova política industrial, a ser lançada no início de 2024, apresenta avanços importantes nesse sentido, com destaque para o setor de química fina e saúde, como ressalta a ABIFINA. Serão ações, projetos e incentivos a serem executados nos próximos anos, dentro da política que será denominada Nova Indústria Brasil (saiba mais no box desta matéria).

No entanto, para alcançar seus objetivos, a política deve estar integrada a outros aspectos da macroeconomia e da sociedade em geral, que nem sempre são controlados, ou mesmo influenciados, pelas ações de desenvolvimento industrial, como juros, câmbio, capacitação de recursos humanos, combate à pirataria, continuidade dos projetos, entre outros. Foi o que afirmaram especialistas ouvidos pela FACTO.

De acordo com o economista Nelson Marconi, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo, também vinculado à FGV, as discussões atuais sobre a nova política industrial parecem estar no caminho certo. Porém, Marconi destaca a importância de que a política macroeconômica esteja alinhada à estratégia de desenvolvimento industrial. Isso porque, atualmente, questões como a taxa de juros alta e a restrição ao investimento público podem prejudicar o alcance dos objetivos da política industrial.

“Se o ambiente macroeconômico não estiver compatível com a política industrial, nós vamos enxugar gelo, como já fizemos no passado”,

Nelson Marconi, coordenador do
Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo
da Fundação Getúlio Vargas (FGV)

Desafios macroeconômicos

Na visão de Marconi, foram desequilíbrios macroeconômicos como a taxa de juros alta, a taxa de câmbio apreciada e uma estrutura tributária distorcida, além da falta de uma política industrial, que levaram às dificuldades vividas atualmente pela indústria nacional.

Para o especialista, a recém-aprovada reforma tributária e a taxa de câmbio em patamar mais adequado são fatores que podem auxiliar neste advento da nova política industrial – chamada de neoindustrialização por prever uma retomada do setor produtivo sob novas bases, mais digitais e sustentáveis.

No entanto, além dos desafios que permanecem, como os juros e o investimento público, é preciso considerar também a expressiva mudança do cenário internacional nas últimas décadas, como a expansão dos países asiáticos, notadamente a China, e o aumento do protecionismo em diversas nações.

Neste cenário de maior complexidade, não só o Brasil como também diversos países desenvolvidos estão retomando o uso de políticas industriais para reforçar seu setor produtivo, empregando ferramentas como investimentos, fomento à inovação e ao empreendedorismo, ações de capacitação, políticas regulatórias e o poder de compra do Estado para fazer frente ao avanço dos países asiáticos.

“Esse termo ‘política industrial’ se tornou um ‘patinho feio’ durante muitos anos. Mas, agora, os países começaram a retomar claramente uma estratégia de política industrial porque viram que aqueles países que mais se desenvolveram, os asiáticos, usaram muito esse instrumento. Estados Unidos, Alemanha, Japão, França e outros estão usando tais políticas. Isso abre espaço para que também o façamos sem contestações”,

afirma o economista da FGV, que considera as discussões sobre a temática no Brasil alinhadas ao que ocorre no cenário global.

Nesse sentido, Marconi observa diversas oportunidades para a indústria brasileira no contexto atual, considerando especialmente o uso sustentável dos recursos naturais do País, seja na geração de energia limpa, na biotecnologia, na produção de defensivos agrícolas ou no segmento farmacêutico, entre outros.

Saúde em destaque

Ao abordar a indústria farmacêutica, cabe ressaltar o destaque inédito conferido ao setor de saúde na política industrial. Isso porque incorporou-se o conceito de Complexo Econômico e Industrial da Saúde (CEIS), que relaciona os setores industriais (incluindo os de base química e biotecnológica, como fármacos, medicamentos, imunobiológicos, vacinas, hemoderivados e reagentes, e os de base mecânica, eletrônica e de materiais, como equipamentos, próteses e outros), em interação com os setores que prestam serviços de saúde, como hospitais, ambulatórios e centros de diagnóstico e tratamento.

Nessa definição, o CEIS responde por cerca de 10% do PIB nacional e possui uma missão específica na política industrial: tornar-se mais resiliente para fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) e ampliar o acesso à saúde.

“A grande conquista é a saúde ter sido contemplada. É o País perceber que 10% do PIB está envolvido nisso e que saúde é essencial, inclusive, para a questão da produtividade”, afirma Odilon Costa, vice-presidente para Assuntos Governamentais e Acesso da ABIFINA, que ressalta ainda o protagonismo dado ao debate sobre a indústria nacional de saúde após a falta de equipamentos médicos e de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) durante a pandemia. “Descobrimos que estávamos a reboque do resto do mundo”.

Embora a situação seja, de fato, preocupante, Odilon Costa faz questão de destacar que a nova política não vai partir do zero, pelo menos no que se refere à indústria farmacêutica. Ele cita o exemplo do Laboratório Cristália, do qual também é vice-presidente de Relações Institucionais, para mostrar que há uma produção nacional forte e consolidada: o laboratório produz 60% de seus IFAs, seguindo na contramão do cenário brasileiro, já que o País importa 90% desses insumos. Além do Cristália, existem outros laboratórios que atuam na produção de IFAs, compondo os 10% de produção nacional.

“O desafio é criar condições para novos atores e potencializar os que já existem, transformando-os em modelos nacionais”,

Odilon Costa, vice-presidente para Assuntos
Governamentais e Acesso da ABIFINA

De acordo com Odilon Costa, o pano de fundo dessa nova política industrial é o acesso à saúde. E, para ampliá-lo, é fundamental utilizar o poder de compra do Estado, garantindo acesso aos medicamentos para quem não pode pagar por eles e reforçando o mercado interno.

Ainda nesse contexto, utilizar o mercado interno de saúde para fortalecer a indústria nacional é mais do que uma prioridade: trata-se de uma demanda constitucional. Afinal, em seu artigo 219, a Constituição Federal determina: “O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País”.

“Se temos um mercado interno exuberante, por que importar as coisas e só gerar emprego lá fora? Quanto mais tivermos produção nacional, teremos mais emprego, mais imposto, mais economia, mais acesso, mais produtividade. É uma cadeia virtuosa que não tem fim”, conclui Odilon Costa.

Apesar do otimismo, o vice-presidente da ABIFINA destaca ainda que, para alcançar os resultados desejados, é preciso que o desenvolvimento industrial seja acompanhado por outras ações, como a formação de pessoal especializado para trabalhar nesse segmento.

“A sincronização de ações está acontecendo, o trabalho está bastante holístico, mas faltam algumas peças nesse quebra-cabeça geral”, define o vice-presidente da ABIFINA, com a mesma cautela demonstrada pelo economista da FGV.

Biotecnologia

Para melhor encaixar as peças em suas ações de financiamento, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vem conduzindo oficinas com associações representativas da indústria nacional. Nas oficinas, segundo João Paulo Pieroni, superintendente da área de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do Banco, discute-se o presente e o futuro dos setores que integram o CEIS, buscando identificar os melhores instrumentos para concretizar seu potencial. Nesse cenário, o BNDES apoia, inclusive com o uso da Taxa Referencial (TR) em operações de inovação, projetos voltados para o desenvolvimento de novos princípios ativos, medicamentos, centros de P&D, e de plantas produtivas de tecnologias incipientes ou de bens não produzidos no Brasil, entre outros.

Durante as reuniões, ainda de acordo com Pieroni, alguns temas estão se destacando, como a competitividade da indústria, a sustentabilidade ambiental e a necessidade de ampliar a produção nacional de IFAs (tanto farmoquímicos quanto biotecnológicos). A propósito, a biotecnologia é outro assunto que vem se sobressaindo nesses diálogos promovidos pelo BNDES, devido ao imenso potencial da biodiversidade nacional.

“A inovação baseada em biotecnologia é um caminho sem volta para o desenvolvimento do complexo industrial da saúde no País”, afirma Pieroni, que também ressalta o papel central do segmento de saúde na política industrial, considerando não apenas sua importância produtiva, mas também econômica, tecnológica, social e ambiental.   

João Paulo Pieroni, superintendente da área
de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e
Comércio Exterior do BNDES

A relevância conferida à biotecnologia, em especial, é comemorada pelo setor, mas deve-se lembrar que as ações precisam ir além do horizonte temporal de quatro anos da política industrial para alcançar objetivos mais complexos, como a redução da dependência brasileira quanto à importação de IFAs e de Insumos Farmacêuticos Ativos Vegetais (IFAVs), bem como o desenvolvimento de cadeias de suprimento de matérias-primas para produção de insumos de origem natural. Outros problemas que precisam ser considerados nas políticas para o setor são a isonomia regulatória frente a mercados menos regulados e a falta de estudos não clínicos e clínicos para permitir o registro de medicamentos com ingredientes ativos obtidos a partir de espécies vegetais brasileiras.

“Essa iniciativa precisa ter uma ótica de política de Estado, e não de governo, pois o desenvolvimento de IFAs e IFAVs inovadores de origem natural exige investimentos significativos por um longo prazo. Países que conseguiram fortalecer sua indústria farmoquímica se comprometeram seriamente com uma estratégia nesses moldes”, diz Cristina Ropke, diretora para Assuntos da Biodiversidade da ABIFINA, que apresenta outro tema relevante para fortalecer o setor: a distribuição de fitomedicamentos para a população por meio do SUS.

Cristina Ropke, diretora para Assuntos da
Biodiversidade da ABIFINA

Defensivos agrícolas

Igualmente relevante, o setor de defensivos está inserido na produção agrícola, que representa 24,1% do PIB do País, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea – Esalq/USP). O segmento tem a missão de garantir a segurança alimentar do mundo, pois hoje o Brasil é o principal exportador global de várias commodities agrícolas, como soja, carnes e outras.

Este setor observa mais um desafio crescente com o qual a indústria de química fina brasileira precisa conviver: a pirataria. Em artigo publicado na edição de março de 2023 da revista Química e Derivados, Thais Clemente, vice-presidente Agroquímico da ABIFINA, estima que a quantidade de defensivos ilegais no Brasil chega a 20% ou 25% do mercado, o que equivale a aproximadamente R$ 20 bilhões por ano, afetando a saúde da população, o comércio e o meio ambiente.

Entre os fatores que contribuem para que os agricultores comprem produtos ilegais, de acordo com Clemente, estão a diferença de preços praticada entre o Brasil e países vizinhos, bem como a suspensão ou não permissão de venda de alguns pesticidas no território nacional.

No aspecto normativo, o presidente Lula sancionou a nova Lei dos Defensivos (Lei 14.785, de 27 de dezembro de 2023), que foi um passo importante para a modernização da legislação brasileira. A lei traz maior previsibilidade e transparência ao processo regulatório, para que novos produtos, tecnologias de controle e manejo menos agressivos ao meio ambiente e mais eficientes possam chegar ao mercado com rapidez e preços competitivos.

Ainda nesse contexto, para o avanço do segmento no Brasil diante do aumento da importação direta desses produtos, a ABIFINA defende o conceito de isonomia regulatória. Afinal, as empresas nacionais seguem todas as obrigações regulatórias, garantem a rastreabilidade de seus produtos e a qualidade, sendo os altos padrões da indústria nacional atestados pela fiscalização dos órgãos competentes. 

De modo mais amplo, a proposta da ABIFINA prevê um Plano Nacional de Defensivos Agrícolas, que inclui regras de comercialização mais atualizadas, equilíbrio tributário no setor, estímulo à formação de recursos humanos e combate aos produtos ilegais e contrabandeados, com maior cooperação entre os estados, entre outros aspectos.

Além do aprimoramento na questão regulatória, também é fundamental a conscientização dos produtores sobre o uso correto e legal dos defensivos agrícolas. Mais uma peça a ser integrada ao quebra-cabeça da indústria nacional de química fina, com vistas ao seu desenvolvimento.

“A indústria brasileira de defensivos agrícolas possui rigorosos padrões de qualidade. Por isso, combater a pirataria é, acima de tudo, garantir a segurança alimentar do mundo”,

conclui Thais Clemente, vice-presidente Agroquímico da ABIFINA.

Indústria terá R$ 106 bilhões até 2026

Como parte das ações previstas na nova política, a indústria brasileira terá cerca de R$ 106 bilhões até 2026 para impulsionar seu desenvolvimento. A informação foi anunciada em julho, durante reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), reativado em abril de 2023 com representantes do governo e da sociedade e responsável pela elaboração da nova política.

Divididos em linhas de crédito e financiamento, além de fundos de apoio à inovação, os recursos serão oriundos do BNDES, Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). O objetivo é contemplar projetos de inovação e digitalização, além de ações voltadas à pesquisa e desenvolvimento, que estejam alinhados às prioridades da nova política.

Na construção dessas prioridades, o CNDI publicou, em julho, a Resolução CNDI/MDIC 01/2023, que define os princípios da política, descreve o conceito de neoindustrialização, e as missões, que são os desafios da sociedade a serem enfrentados pelas ações desenvolvidas.

Os princípios são os seguintes: inclusão socioeconômica; promoção do trabalho decente e melhoria da renda; desenvolvimento produtivo e tecnológico e inovação; incremento da produtividade e da competitividade; redução das desigualdades regionais; sustentabilidade; digitalização; e inserção internacional qualificada.

Por sua vez, foram definidas as seguintes missões: cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para a segurança alimentar e nutricional; complexo econômico industrial da saúde resiliente para robustecer o SUS e ampliar o acesso à saúde; infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis para a integração produtiva e o bem-estar nas cidades; transformação digital da indústria para ampliar a produtividade; bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas para garantir os recursos para as futuras gerações; e tecnologias de interesse para a soberania e a defesa nacionais.

Com as missões e os princípios definidos, o CNDI passou a avaliar, no segundo semestre do ano, os gargalos existentes e os instrumentos para resolvê-los, o que levou à definição das ações, a partir da discussão entre representantes do governo e do setor produtivo. Já em dezembro, o CNDI aprovou as metas aspiracionais das seis missões, para que a política possa ser lançada no início de 2024, como está previsto.

No documento final, a chamada Nova Indústria Brasil vai detalhar o uso das ferramentas da política industrial, como o poder de compra do Estado, investimentos, qualificação do capital humano e política regulatória, entre outras.

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