REVISTA FACTO
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Out-Dez 2017 • ANO XI • ISSN 2623-1177
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//Editorial

Planejamento e gestão eficiente com menos burocracia

A descontinuidade de políticas públicas é o fato mais marcante na história das sucessivas administrações que têm gerido o Brasil. A cada mandato eleitoral, os novos mandatários fazem questão de formular novas políticas públicas, abandonando aquilo que foi iniciado no período anterior, por mais relevantes que tenham sido seus resultados. Isso porque, infelizmente, predomina no País uma obsessão, por parte de cada novo mandatário, por moldar seu mandato como inovador em relação ao anterior. Nesse cenário, destacam-se absurdas “negociações” da Presidência da República envolvendo apoio aos projetos do Poder Executivo em troca de benefícios paroquiais aos parlamentares, completamente descompromissadas com uma clara política de desenvolvimento econômico do País.

Em realidade, as crises econômicas internacionais, em parte, são responsáveis pelos problemas internos de cada nação, mas certamente a ausência de um planejamento econômico de longo prazo que se traduza em políticas pú- blicas voltadas para os diversos setores produtivos constitui a grande causa das crises que o Brasil tem enfrentado. E dentre os setores produtivos de um país, sem sombra de dúvidas cabe destacar o industrial, seja pela mais elevada valorização de insumos básicos, seja pelo amplo e benéfico reflexo em outros setores produtivos.

Nesse contexto, vale lembrar a consistente e bem formulada política industrial elaborada por Alexander Hamilton no final do século XVIII, ao definir princípios e objetivos claros que vieram a nortear o desenvolvimento econômico dos treze Estados que saíram combalidos da Guerra de Secessão, da qual resultou a criação do gigante Estados Unidos da América do Norte, que, a partir do século XIX, veio a se tornar a maior nação capitalista do planeta.

No Brasil independente desde 1822, o planejamento de Estado e a política industrial somente surgiram um século depois, no período Vargas, a partir dos anos 30 do século passado. Como decorrência do grande debate ocorrido entre Roberto Simonsen e Eugênio Gudin – aquele defendendo priorizar o desenvolvimento industrial e este proclamando ser o Brasil um país essencialmente agrícola e que, como tal, deveria ser mantido –, Getúlio decidiu privilegiar os ideais de Simonsen. Com esse fato, cabe ser destacada a formulação de uma política industrial mantida pela Presidência da República, que resultou, entre outros casos, no surgimento da Siderúrgica de Volta Redonda (CSN) em 1941 e na criação da empresa Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) em 1954, grandes marcos no desenvolvimento industrial do Brasil.

Na segunda metade dos anos 50 do século passado, Juscelino Kubitschek desenvolveu uma política industrial com ênfase na produção local de bens de consumo duráveis. Posteriormente, Ernesto Geisel, como presidente da Petrobras (1969/1973), do Brasil (1974/1979) e depois da Norquisa (1980/1991), desenvolveu durante uma década uma contínua política industrial, de caráter desenvolvimentista, com ênfase na fabricação verticalizada de produtos petroquímicos e da química fina.

Depois de um longo período caracterizado pelo abandono de políticas industriais, somente em 2002/2010, no governo Lula, ao abrigo da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce), surgiu a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), objetivando estimular o complexo industrial da química fina, com destaque para a produção nacional de medicamentos essenciais aos programas do Sistema Único de Saúde (SUS).

Essa política das PDPs, que se mostrou vigorosa nos anos 2006/2010, perdeu a força mais recentemente, mostrando uma nítida aparência de extinção. Esse fato é extremamente lamentável, posto que representará o abandono de uma política industrial de longo prazo que vinha mostrando excelentes resultados.

A utilização de parcerias público-privadas certamente é, e continuará a ser, um grande instrumento governamental para a implantação de políticas industriais compatíveis com o planejamento econômico brasileiro no longo prazo, especialmente em setores estratégicos para o crescimento autô- nomo do País.

Se as entidades empresariais não agirem desde logo em defesa desse planejamento de Estado de longo prazo, atuando de forma efetiva e dinâmica nesse sentido, os novos mandatários a serem eleitos em 2018 manterão a nefasta forma de legislar através de um Congresso Nacional em que predominam projetos para atender a demandas paroquiais no curto prazo, sem uma visão de Estado no longo prazo.

Em termos de gestão administrativa, o Brasil necessita reduzir a carga tributária atribuída às empresas privadas – mais de 35% do PIB, uma das mais altas do mundo, como nos países desenvolvidos, onde é inferior a 20%. Além disso, mais de uma dezena de tributos regionais e federais, em diferentes agências e com datas diversas, bem como os benefícios incidentes sobre a folha salarial, requerem um controle administrativo pelas empresas muito elevado, gerador de elevados custos, fato que contribui enormemente para reduzir a competitividade brasileira no mercado internacional.

Nesse cenário, temos que olhar também para a nossa sufocante burocracia estatal. O excessivo número de leis, decretos e regulamentos – extremamente detalhados e muitas vezes até mesmo conflitantes – forma um arcabouço legal impeditivo do desenvolvimento de projetos de investimento realmente expressivos e eficazes. Para ilustrar, um simples pedido de licença para abertura de uma empresa, com suas inscrições requeridas nos diversos entes públicos – sem nenhuma interação entre eles, como Receita Estadual e Federal, Ibama, órgãos controladores como Anvisa e Polícias Federal, Estadual e do Exército –, demanda meses para ser resolvido, sendo que muitos desses documentos devem ser renovados anualmente. Esse simples fato serve para ilustrar a existência da famigerada burocracia brasileira, geradora de elevados e desnecessá- rios custos que afetam gravemente a competitividade internacional das empresas nacionais, conforme é demonstrado no ranking de competitividade global elaborado pelo Fórum Econômico Mundial.

Cabe também uma referência ao Ministério Público, que por vezes age com excessivo rigor em suas decisões sobre atos administrativos do agente público, sem dispor de um pleno conhecimento da situação. Parece que os órgãos de fiscalização e controle no Brasil por vezes partem do princípio de que todo administrador público é desonesto – até prova em contrário. Abundantes e complexos sistemas de controle embaraçam a ação dos agentes públicos corretos, que, a bem da verdade, formam a expressiva maioria dos quadros públicos de carreira. Por poderem ser questionados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pelo Ministério Público, mesmo que atuem  com correção e isenção, bons servidores públicos tendem a não se expor em decisões que poderiam tomar de imediato.

A inoperância dos atuais sistemas de gestão é claramente demonstrada pelo fato de que os maus administradores conseguem, e até com relativa facilidade, fraudar sistemática e descaradamente o monitoramento e o controle administrativos estabelecidos, como se vê nas ações conduzidas pela Polícia Federal e pelo próprio Ministério Público na Operação Lava Jato. Infelizmente, tais operações não fazem parte do cotidiano de nosso Ministério Público, e muito menos recebem a devida prioridade de tratamento por parte de nossos Tribunais.

A Constituição brasileira de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, para contraditar o arbítrio nocivo característico do regime ditatorial, entendeu que os abusos daquele regime resultavam da centralização administrativa verificada no período militar. Partindo desse pressuposto, a nova Constituição exagerou em seu detalhamento e descentralização, constituindo-se assim no grande fator impeditivo da definição de um planejamento econômico de longo prazo.

Em decorrência desse fato, no Brasil de hoje não existe mais um Estado Nacional, com objetivos permanentes e de longo prazo, mas sim um conjunto desarticulado de estados e municípios, sendo a federação gerida através de negociações políticas pontuais, ao sabor de interesses paroquiais, muitas vezes ilegítimos.

O Congresso Nacional não é formado por partidos políticos reunidos em torno de ideologias ou programas, mas sim que constituem agregados de pessoas reunidas em torno de interesses particulares ou regionais. Cada um dos 594 parlamentares, além de constituírem o segundo Parlamento mais caro do mundo – perde apenas para os Estados Unidos –, tem direito a fatiar o orçamento público com “emendas parlamentares” para municípios em troca de votos ao Poder Executivo. E nosso Ministério do Planejamento e Gestão é apenas um órgão burocrático que acompanha o desempenho das contas públicas, sem nenhuma ação em termos de planejamento nacional.

Finalmente, cabe destacar que não é possível um país ter uma economia forte, com renda per capita elevada e boa distribuição de renda, mantendo-se apenas como um grande produtor e exportador de commodities agrícolas. Todos os países avançados no mundo, que apresentam altas taxas de crescimento, dispõem de uma moderna e diversificada indústria, com forte presença em segmentos de maior intensidade tecnológica. Mas, para se atingir status de país industrializado, é indispensável que, nessa política de longo prazo, se possa contar com uma política cambial favorável ao setor produtivo interno, administrando-se políticas compensatórias à apreciação do real e às grandes variações na taxa cambial, objetivando-se, além da contenção do processo inflacionário, também defender a produção interna e incentivar o investimento local.

Nelson Brasil de Oliveira
Nelson Brasil de Oliveira
Vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA.
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