REVISTA FACTO
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Set-Dez 2021 • ANO XV • ISSN 2623-1177
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//SIPID

XII SIPID debate extensão de patentes e exclusividade sobre dados de testes

A 12ª edição do Seminário Internacional Patentes, Inovação e Desenvolvimento (SIPID) debateu os efeitos da extensão do monopólio de patentes e da proteção de dados de testes para a indústria farmacêutica no Brasil e na América Latina. Na visão dos especialistas ouvidos no seminário, a prática prejudica a concorrência e dificulta o acesso da população a medicamentos e outros produtos essenciais. O evento foi realizado pela ABIFINA no dia 7 de dezembro, em formato virtual.

Na abertura, o vice-presidente de Propriedade Intelectual & Inovação da ABIFINA, Dante Alario Junior, celebrou a histórica decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Intelectual (LPI), em maio deste ano. “O seminário acontece num ano em que há um aspecto a ser comemorado, quando se derrubou o famoso [parágrafo único do] artigo 40 da lei de patentes, que prejudicava fortemente o País, as empresas e a população”, disse.

O dispositivo previa a prorrogação automática dos prazos de patentes, ampliando a exclusividade para além dos vinte anos previstos no acordo TRIPS (sigla para Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), e foi considerado inconstitucional pela corte. O veredito foi uma vitória da indústria nacional e o último capítulo de um movimento que começou em 2013, quando a ABIFINA propôs, com a ajuda do consultor jurídico da entidade, Pedro Marcos Barbosa, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin).

Compondo a mesa de abertura, a consultora em Propriedade Intelectual da PróGenéricos, Leticia Covesi, também lembrou a decisão do STF e defendeu que o tema precisa ser amplamente debatido. Na sessão estava ainda o presidente executivo do Grupo FarmaBrasil, Reginaldo Arcuri, que ressaltou a importância da indústria farmacêutica para o País.

Data protection

A parte da manhã foi dedicada ao tema da exclusividade sobre dados de testes de registro de medicamentos, ou data protection. Os palestrantes mostraram preocupação com a possibilidade de adoção dessa proteção por países em desenvolvimento. Segundo eles, o mecanismo encarece e atrasa a entrada de produtos no mercado, além de travar a inovação.

A pesquisadora Julia Paranhos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apresentou um estudo coordenado por ela que avaliou os efeitos no mercado e nos sistemas de saúde (público e privado) de uma possível adoção do mecanismo pelo Brasil. A pesquisa comparou cinco cenários, variando da situação atual, em que não há proteção de dados de testes, a diferentes tipos de proteção (exclusividade de mercado; exclusividade de dados; exclusividade de dados e de mercado; períodos diferentes de exclusividade de dados para produtos químicos e biológicos).

Os resultados indicam que, em qualquer cenário com a existência do data protection, haveria prejuízos ao mercado nacional de produtos farmacêuticos. Mesmo na hipótese mais simples, o tempo de proteção ultrapassaria os vinte anos previstos na LPI. Com isso, o País registraria, em um prazo de 30 anos, um aumento de 12% a 22% nos preços, além de ampliação dos gastos do Ministério da Saúde, entre 19,5% e 33%. Também seriam criados impedimentos à fabricação de genéricos, que tardariam a ser comercializados, e ao desenvolvimento de produtos de inovação incremental, prejudicando a indústria nacional, que tem nesse tipo de produto uma de suas principais estratégias de mercado.

De acordo com a pesquisadora, a implantação desse tipo de instrumento pelo Brasil apenas beneficiaria os grandes laboratórios farmacêuticos. “A exclusividade de dados aumentaria a participação das transnacionais e geraria um bloqueio do avanço das empresas nacionais”, alertou.

Na sequência, o professor e pesquisador Mariano Genovesi, da Universidade de Buenos Aires, apresentou um panorama sobre as origens e a disseminação do dispositivo no mundo, além de dados de diversos países, como Estados Unidos e Colômbia, que incorporaram o data protection em seu regramento. No entendimento do especialista, o caráter administrativo do mecanismo funciona como barreira de entrada, impedindo a concorrência e dificultando o lançamento de genéricos logo após o término da vigência da patente do medicamento de referência. “Na concessão de patente, a autoridade analisa o cumprimento de certos requisitos e faz a divulgação do que foi solicitado. Isso não acontece na proteção de dados, impedindo a engenharia reversa”, afirmou.

Genovesi apontou também um problema ético, já que o data protection cria a necessidade de realização de novos estudos clínicos para medicamentos genéricos, quando já se sabe que o produto é eficaz e seguro para os pacientes. “É como dar para as pessoas paraquedas que sabemos que não funcionam e dizer para saltarem do avião”, disse, fazendo uma analogia ao uso de placebos em testes clínicos desnecessários, por já terem sido conduzidos anteriormente para o medicamento de referência.

O pesquisador alertou ainda para o risco de contágio em todo o Mercosul, no caso da adoção do dispositivo por algum Estado-membro ou da adesão a acordos de livre comércio, como o que vem sendo negociado entre o bloco e a União Europeia. “Seria um erro introduzir o data protection de forma unilateral nas legislações dos países porque isso afeta o trade-off. Uma vez que um país faz essa concessão, isso se estende automaticamente aos demais membros”, argumentou.

Segundo ele, nem a existência de salvaguardas e flexibilizações seriam capazes de amenizar os impactos da adoção do data protection. “Os danos já aconteceram”, ressaltou. A Colômbia é um exemplo. “Lá não há incentivo para a pesquisa clínica, pois todo o desenvolvimento de novas moléculas é feito nas matrizes [das indústrias]”, relatou. Julia Paranhos foi na mesma linha ao lembrar que até hoje o Brasil só conseguiu implementar uma licença compulsória, mesmo com previsão desse instrumento no Acordo TRIPS.

Outro risco da adoção da exclusividade sobre dados de testes é o aumento da dependência nacional por produtos importados, que ganhou mais evidência durante a pandemia. “Já temos um ambiente de grande proteção e monopólio e de fortíssima dependência, apesar do crescimento da indústria. Temos que pensar se queremos ampliar esse cenário de mais proteção e exclusividade e, consequentemente, mais dependência”, questionou a professora da UFRJ.

Moderando o debate, o presidente executivo da ABIFINA, Antonio Bezerra, considerou que uma possível adoção de data protection pelo Brasil e pelo Mercosul seria um retrocesso nas políticas públicas de acesso a medicamentos do País.

Extensão de patentes

Na parte da tarde, as discussões giraram em torno de estratégias para extensão do monopólio de patentes, incluindo litígios judiciais para ajustamento do prazo de vigência de patentes (PTA, na sigla em inglês) e o forum shopping. A diretora de Propriedade Intelectual & Inovação da ABIFINA, Amanda Lobarto, moderou a mesa e lembrou os diferentes tipos de extensão de exclusividade, desde modelos não previstos na legislação brasileira até as chamadas jabuticabas nacionais.

Palestrante principal, o advogado e consultor jurídico da ABIFINA, Pedro Marcos Barbosa, questionou as estratégias adotadas por escritórios de advocacia junto ao Judiciário na tentativa de estender o prazo de patentes, mesmo após a suspensão do parágrafo único do artigo 40 pelo STF. Em sua opinião, são práticas criativas com o objetivo de utilizar a Justiça para reivindicar modificações legais que deveriam ser feitas por meio do Legislativo. “Não devemos confundir panfletagem judicial com bom direito”, enfatizou.

Na sua fala, Pedro Barbosa lembrou ainda o trabalho de especialização no tema da propriedade intelectual feito pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que trouxe ganhos para a indústria e o sistema nacional de patentes. Ao mesmo tempo, o jurista questionou os esforços de muitos detentores de patentes para escapar dos juizados especializados. “Quanto mais especializado foi ficando o juízo de 1ª instância, maior foi a evasão da capital para litígios contra o INPI em outros TRFs, fora do Rio, pois são juízos sem grau de especialização e sem técnicos que dominam a matéria”, relatou.

Trazendo a visão do Poder Judiciário, a juíza federal Marcia Maria Nunes de Barros, da 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro, considera essas ações parte do jogo democrático, e sugere que se criem formas de impedir as tentativas de extensão de patentes. “Se a criatividade é ilimitada, a vigilância também tem que ser. Se é legitimo que essas partes pensem em estratégias para extensão de patentes, outros podem pensar em estratégias para barrá-las”, defendeu.

Ainda assim, ela reconhece que esse tipo de estratégia acaba sendo limitada a empresas e pessoas com mais recursos financeiros. “Quem não tem dinheiro, não pode pagar advogado para preservar suas patentes”, lamentou. Outros problemas, segundo a juíza, são as práticas de má fé – como o forum shopping, que consiste em escolher a jurisdição mais favorável ao demandante – e a concorrência de competência entre Justiça Federal e Justiça Estadual, que acaba criando uma duplicidade de atuação e conturbando as ações.

Uma solução, na sua visão, seria a criação no Brasil de um tribunal especializado em propriedade intelectual, como ocorre nos Estados Unidos e no Japão. O órgão agiria em segunda instância e concentraria todos os processos dos âmbitos federal e estadual. “Seria um passo a mais nessa especialização do Judiciário e seria fundamental pra termos um sistema de propriedade intelectual mais avançado”, concluiu.

Já a coordenadora acadêmica do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual (IBPI), Karin Grau-Kuntz, falou sobre a experiência internacional na adoção do ajustamento do prazo de vigência de patentes. No seu entendimento, antes de o Brasil pensar em adotar esse mecanismo, é necessário fortalecer e estruturar o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), reduzindo o tempo de análise de patente pelo escritório. “Se o INPI funcionar, se não tiver backlog, todo mundo sai ganhando”, defendeu.

Também é preciso haver isonomia e previsibilidade no cálculo da duração do monopólio, como existe em países que adotam o PTA. “O ajustamento do termo de patente é um sistema que tem por base regras determinadas, é assim no exterior. Sabemos como vai ser calculada a extensão que vai ser concedida, e esses parâmetros valem para todo mundo”, explicou, ressaltando a importância da segurança jurídica para o sistema de patentes.

Além disso, a extensão da patente só deve ser concedida àqueles que cumprem as exigências e os prazos determinados pelo escritório de patentes. “Com exceção dos Estados Unidos, todas as nações que adotam o mecanismo de ajuste no tempo de patente exigem que o solicitante comprove ter agido de maneira séria”, afirmou. Karin Grau-Kuntz analisou alguns dos pedidos de patentes no INPI referentes a ações ajuizadas no Brasil para extensão do prazo e identificou que todos eles apresentavam erros de execução. “O atraso muitas vezes é causado pela falta de diligência, e no exterior a falta de diligência não é premiada com extensão de patente”, enfatizou.

A pesquisadora lembrou ainda que a extensão do monopólio sempre traz custos para o país e defendeu uma política de propriedade industrial mais afinada. “O sistema de patentes é positivo quando é bem desenhado e equilibrado. A extensão muito longa tem custo social. O Brasil tem estrutura para amortizar esse custo?”, provocou.

Último a falar no painel, o diretor Jurídico Contencioso do Grupo NC, Gustavo Svensson, trouxe a perspectiva das empresas, que, segundo ele, veem essas ações com temeridade. “Como o empresariado vai compreender se, depois de julgado na mais alta corte brasileira, surgirem ações buscando soluções alternativas para que seja concedida uma extensão em virtude de suposta morosidade causada pelo INPI?”, questionou. Ele defendeu a importância da previsibilidade e da segurança jurídica e criticou a existência de decisões judiciais que se baseiam em interpretações equivocadas da legislação.

Na sua visão, a melhor saída para a indústria é promover uma agenda econômica positiva e trabalhar para aparelhar tecnicamente o INPI, possibilitando que o Estado seja capaz de prestar um serviço de qualidade. “Em vez de soluções criativas, precisamos de soluções que busquem aperfeiçoar nosso sistema jurídico para que tenhamos segurança jurídica, previsibilidade e estabilidade”, afirmou. O encerramento ficou por conta da consultora ad hoc de Propriedade Intelectual, Inovação e Biodiversidade da ABIFINA, Ana Claudia Oliveira, que garantiu que a entidade vai continuar lutando para que a propriedade intelectual seja uma prioridade no País, como defendeu Pedro Barbosa em sua palestra. “Devemos realmente buscar um sistema patentário mais justo para todos”, concluiu.

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